O que tem atrás da misteriosa ‘janela do vinho’ do Bixiga? Descubra aqui

Buchette del Vino passou a abrir sobrado histórico da região central de São Paulo; veja vídeo e fotos do espaço

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Foto do author Priscila Mengue
Atualização:

“Attenzione!”, avisa uma voz ao fundo antes de uma mão coberta por uma luva azul entregar o pedido. Após variações dessa cena se popularizarem nas redes sociais e pelo boca a boca da cidade, um ano e mais de 10 mil taças depois, uma parte do mistério da “janela do vinho” do Bixiga foi revelada: a casa está aberta ao público (e com novas experiências).

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Para além da janelinha (batizada de Buchette del Vino), o endereço do centro de São Paulo passou a ser conhecido pela Casa Grilo — aberto como cafeteria e espaço cultural, com mesas tradicionais e outras mais inusitadas, como nas experiências de “brunch na banheira” e “café no confessionário”.

A quem visitar o interior da residência, a identidade da mãozinha seguirá, contudo, ainda desconhecida. Isso porque o local onde o atendente interage com o público está escondido por um biombo e um alçapão.

Buchette del Vino serve bebidas e petiscos por meio de janela no Bixiga Foto: Felipe Rau/Estadão

“Descreveria a casa como um relicário, porque o relicário é algo que você guarda como uma lembrança. E aqui tem várias memórias afetivas. A pessoa que entra, é teletransportada para a casa da avó, para uma memória de infância, e isso é bem legal: cria conexão”, descreve o arquiteto e urbanista Murilo Grilo, de 32 anos, idealizador do espaço.

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Datada dos anos 1950 e construída por uma família de ascendência italiana, segundo Murilo, a casinha faz parte do tombamento de centenas de construções do entorno do distrito Bela Vista. É localizada no alto da ladeira da Rua Doutor Nestor Esteves Natividade, quase na esquina da Rua Japurá, onde quase todas as residências são igualmente preservadas.

“Os clientes falam que parece que aqui parou no tempo. A gente está a poucos quarteirões da Praça da Sé, mas é um lugar de casinhas e seguro. Virou ponto turístico da cidade”, relata. Perto dali, estão espaços marcantes da história da capital paulista, também abertos ao público, como a Casa de Dona Yayá e o Teatro Oficina, dentre outros.

Confira abaixo um vídeo feito no interior da casa da “janela do vinho” (a matéria segue após a visualização):

Como surgiu a ideia da ‘janela do vinho’?

Morador daquela vizinhança desde que chegou do interior (Paraguaçu Paulista), há cerca de 12 anos, Murilo Grilo se instalou no endereço primeiramente como residência — junto com seu companheiro, Claudmar Costa (o Clau). Mais adiante, contudo, teve a ideia de realizar experiências para pequenos grupos no espaço, chamadas Café com Arquitetura, nas quais oferece uma refeição conjunta com um bate-papo sobre a história do bairro e da casa.

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A virada veio meses depois, em agosto de 2023, quando resolveu criar a Buchette del Vino ao descobrir como essa tradição italiana de séculos atrás havia praticamente ressurgido durante a pandemia, no período de distanciamento social. Com inspiração em referências de Florença, então, transformou a janelinha do gás que já existia na fachada na primeira buchette del vino reconhecida no País.

Murilo Grilo, idealizador do espaço, no interior da Casa Grilo Foto: Felipe Rau/Estadão

O arquiteto até buscou a autorização da associação das buchettes del vino. A organização tem mapeado esses compartimentos em Florença e localidades vizinhas, cuja história remete a por volta do século 16, quando se vendia vinhos caseiros por meio dessas portinhas.

Há espaços recém-criados também na Argentina, no Canadá, nos Estados Unidos e em mais países. Após São Paulo, uma buchette del vino acaba de ser aberta neste mês em Porto Alegre.

Para a identidade da casa, Murilo se inspirou na pluralidade do Bixiga — cuja trajetória reúne migrantes e imigrantes de diferentes locais, e artistas de perfis variados. O espaço traz, especialmente, referências italianas, para origem das próprias buchettes.

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Após a entrega do pedido pela janela, por exemplo, a mãozinha mostra uma plaquinha com “salute” ou “evoé” (expressão ao deus Baco usualmente dita por José Celso Martinez Corrêa nas peças do Teatro Oficina). Mais recentemente, passou a ter também uma placa de “saudosa maloca”, em referência a Adorinan Barbosa.

Fachada da casa traz referências a outras 'janelas do vinho' Foto: Felipe Rau/Estadão

É com base nesse tipo de experiência que a janelinha chamou a atenção e virou um hit local na internet — a exemplo de suas referências italianas, muito buscadas por estrangeiros. Nesse contexto, tanto moradores de São Paulo quanto turistas têm ido ao espaço também para serem filmados e fotografados enquanto são atendidos pela misteriosa mãozinha.

No Bixiga, diferentemente das buchettes italianas, há referências cênicas na experiência, como a criação do mistério envolta da mãozinha e a própria construção da performance como um personagem. Também há ambientação temática ao longo do ano, com decorações e efeitos especiais, como de Natal, festas juninas e Halloween (com uma variação da mãozinha com unhas afiadas, máquina de névoa e mais), por exemplo.

Quintal da Casa Grilo, com quintal onde é servido brunch na banheira Foto: Felipe Rau/Estadão

“Tem uma teatralidade: a mãozinha é a persona da casa. É como se a casa estivesse viva. Ela serve vinho, brinca com as pessoas, cria esse lúdico”, descreve o idealizador do espaço. “Tem adulto que vem porque a criança queria conhecer a mãozinha”, também relata. Às crianças, costuma dizer que é o “guardião” da mãozinha.

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Para o arquiteto, o espaço também é uma forma de reaproximar o público de experiências na rua. Guarda-sol e cadeiras de praia são colocadas sobre a calçada, por exemplo.

Aos visitantes que querem conhecer o bairro, é sugerido um roteiro e entregue uma taça de acrílico. Além disso, o companheiro de Murilo, o Clau, faz as vezes de “sommelier de fofoca”, reunindo os frequentadores e animando o bate-papo dentro e fora da casa.

“Parece que, depois da pandemia, quando as pessoas ficaram muito em casa, surgiu essa necessidade de poder sair, ficar na rua, fazer amigos”, avalia Murilo. “Também é uma forma de democratizar o vinho, servindo na rua”, completa.

Minúsculas miniaturas estão espalhadas pela casa Foto: Felipe Rau/Estadão

Inspiração na história da família e do Bixiga

O nome de Casa Grilo faz menção ao armazém de secos e molhados Casa Grillo, que a família de Murilo teve, a partir dos anos 1950. O espaço ficava em Paraguaçu Paulista, pequeno município a 100 quilômetros de Presidente Prudente.

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Na decoração, misturam-se itens retrô, criativos e artísticos, garimpados por Murilo por feirinhas e lojas do Bixiga e entorno. “Tudo isso conta uma história. É legal a gente olhar cada detalhe da casa e saber que tem uma história por trás”, diz.

Decoração, objetos e móveis da casa foram garimpados em feirinhas e lojas do Bixiga Foto: Felipe Rau/Estadão

Uma pequena reforma foi feita antes da abertura, como a derrubada de uma parte da parede para o quintal. Nesse momento, descobriu-se que os tijolos da construção têm o mesmo símbolo de outros encontrados na Vila Itororó (uma clave).

“Muitas pessoas que são do bairro e vem aqui trazem mais informações”, conta Murilo. Em um desses casos, por exemplo, ouviu que a casa foi uma pensão que servia refeições nos anos 1970.

Pelo ambiente, há uma vitrola e uma coleção de vinis disponíveis para serem ouvidos in loco pelos frequentadores (assim como os clientes podem levar os próprios álbuns). As mesas são distribuídas ao longo de um grande banco, de modo a estimular a interação entre as pessoas. Além disso, minúsculos bonecos (quase imperceptíveis) estão espalhados por cantinhos escondidos (como em um espacinho entre os tijolos à vista).

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À direita, espaço onde é servido o 'café na cama' Foto: Felipe Rau/Estadão

O lúdico tão referido por Murilo envolve também as experiências. No quintal, uma banheira com almofadas (e sem água) recebe aqueles que querem usufruir de um brunch mais diferenciado.

Na parte interna, os garçons fazem as vezes de padres para ouvir os segredos de quem quiser recorrer ao confessionário (mas brinca-se que só vale pecado curto, pois são apenas 10 minutos). Há, ainda, uma cabeceira, onde se pode tomar um “café na cama” na frente de todos.

No novo espaço, além das bebidas e comidas, são realizadas apresentações culturais, como saraus e ensaios teatrais. A programação inclui também oficinas, degustação de vinho às cegas e outros eventos temáticos.

O quintal ao fundo do sobrado é transformado em palco, batizado em homenagem a João Grilo, tio de Murilo ligado às artes cênicas. Perto dali, também compõe a decoração, a antiga câmera do avô Lázaro Grilo (o vô Lazinho) — a mesma que levou na lua de mel com a vó Selma.

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Confessionário fica debaixo da escada  Foto: Felipe Rau/Estadão

No cardápio, o arquiteto também homenageia familiares. O tio João Grilo pode ser visto em cena por meio do QR Code de um vídeo, por exemplo.

Já a vó Selma é lembrada com um café amanteigado, feito do jeitinho que preparava. “Quando pedem o ‘bolo do Grilo’ e o ‘café da vó Selma’, eu falo para a cozinha: ‘um bolo do neto com um café da vó'. São detalhes que deixam com cara de casa”, avalia Murilo.

Outras opções diferentonas do cardápio são a fonte de vinho (alimentada com três garrafas da bebida), a bolsa de bebida (feita de vidro, inspirada em referências que viralizaram nos Estados Unidos tempos atrás) e a cabeça moura (uma sobremesa no formato da tradicional lenda italiana), dentre outras. Além disso, o carro-chefe são as bruschettas e drinques com vinho.

Enquanto estreia o novo espaço, Murilo pretende visitar Florença em um futuro breve. “Vou levar a mãozinha, e tocar os sininhos das outras buchettes”, garante.

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O que fazer no entorno?

A Casa Grilo fica pertinho de outros espaços atrativos na República, na Bela Vista, na Sé e na Liberdade. Há opções a poucas quadras de distância, para se visitar a pé.

Naquele entorno, estão diversos espaços voltados às artes cênicas, por exemplo. A lista inclui o Teatro Oficina, o Teatro Renault e o Teatro Cemitério de Automóveis, dentre outros.

Na programação cultural, pertinho da Casa Grilo, também estão a Casa de Dona Yayá — que realiza rodas de choro e outras atividades para além das exposições — e o Central (antigo Red Bull Station), conhecido especialmente pelas festas.

A parte gastronômica traz diversas outras opções. Exemplos são as tradicionais padarias 14 de Julho e São Domingos, o mix de ateliê e bar Espaço Zebra e o Bodogami (mistura de restaurante, cafeteria e jogos de tabuleiro).

Como visitar:

Horário: quarta-feira a domingo, das 15h às 22h

Endereço: R. Dr. Nestor Esteves Natividade - Bixiga

Mais informações: instagram.com/buchettedelvinocasagrilo