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O último bonde

Convite para ver o fim de uma era

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Lembro da atitude do meu pai, circunspecto, com postura. Era como se estivesse saindo para namorar minha mãe.” É assim que o engenheiro aposentado José Roberto Gomes da Rocha, de 62 anos, lembra do dia em que seu pai, na época contador, depois advogado, Roberto Rocha (que morreu em 1985), o chamou com um convite um tanto incomum: vamos dar uma volta de bonde, que hoje é o último dia desse transporte aqui em São Paulo?

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Era 27 de março de 1968. José Roberto tinha 16 anos. “Eu morava na Vila Mariana, estudava no (Colégio Marista) Arquidiocesano, e ia a pé. Então não era comum eu usar o bonde”, lembra. “Mas, naquele dia, meu pai me chamou e disse: ‘Venha, se arrume aí que nós vamos dar um passeio’. E foi um passeio saudosista, com meu pai sorrindo o caminho todo.”

Mais velho de quatro irmãos, José Roberto foi a única companhia do pai naquela despedida. “Lembro dele repetindo: ‘Filho, essa é a última viagem do bonde de São Paulo’.” 

Encerravam-se, com os cerca de 30 minutos ou 12 quilômetros entre o prédio-sede do Instituto Biológico, na Vila Mariana, e o Largo Treze de Maio, em Santo Amaro, os serviços prestados pelo bonde de Santo Amaro – a Linha 101.

A comitiva final, de 12 bondes “camarões” – o apelido veio da cor avermelhada da composição –, partiu lotada. Dentro deles estavam paulistanos saudosos, como José Roberto e seu pai. O carro de número 1.543 levava as autoridades, entre elas o então prefeito de São Paulo, José Vicente de Faria Lima (1909-1969), e o governador do Estado, Roberto Costa de Abreu Sodré (1917-1999).

A viagem sepultava uma história iniciada em 12 de outubro de 1872, quando foi aberta a linha pioneira da rede de bondes, então puxados a burro. Uma saga modernizada a partir de 1899, quando investidores canadenses conseguiram uma concessão para explorar um pacote de serviços públicos. Foi com a The São Paulo Tramway, Light and Power Company – ou simplesmente Light – que São Paulo ganhou os primeiros bondes elétricos, em 7 de maio de 1900. 

Mas, naquele início de 1968, as autoridades alardeavam que os bondes, com seu ritmo lento, atravancavam o progresso. Não à toa, na lateral de um dos veículos naquele último trajeto havia uma faixa afixada, onde se lia: “Rendo-me ao progresso! – Viva São Paulo! – Viva Santo Amaro!”. Foi uma opção.

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Desde então, ao contrário de capitais europeias em que esse tipo de transporte ganhou tecnologia e sobreviveu, nunca mais um deles trafegou pela cidade. Em abril daquele ano, seria criada a Companhia do Metropolitano de São Paulo – e, seis anos depois, os trens transportavam pessoas pelo subsolo.

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