O Tribunal de Justiça de São Paulo suspendeu o novo Plano Diretor de Cotia, cidade a oeste da capital, que permitia edifícios de até 30 andares onde só eram liberados prédios pequenos, como o entorno da Granja Viana. A liminar foi dada no dia 27, em ação direta de inconstitucionalidade movida pelo Ministério Público. O TJ entendeu que o novo plano se baseou em estudos antigos e disse que as mudanças podem ocasionar danos ambientais irreparáveis.
A gestão municipal entrou com embargo de declaração para questionar o TJ sobre o alcance da medida e se as obras em andamento devem ser paralisadas. Alguns empreendimentos já receberam as licenças e a paralisação, diz a prefeitura, pode ter “relevante custo econômico”.
O novo prefeito, Welington Formiga (PDT), disse que vai fazer revisão do plano diretor, “com ampla participação popular”. Já o ex-prefeito Rogério Franco (PSD), que sancionou o plano suspenso, disse que as alterações obedeceram rigorosamente aos ritos legais e houve ampla consulta aos moradores, inclusive na Granja Viana.

A Câmara diz avaliar o despacho judicial. Como é decisão liminar (provisória), o TJ ainda julgará o mérito da ação.
A medida atinge mais de 2.046 alvarás para construções e empreendimentos concedidos pela prefeitura entre a sanção do plano diretor - que prevê diretrizes para o zoneamento urbano - em maio de 2024, e a data da decisão que o suspendeu. Entre eles, estão 1.117 alvarás de construção, 541 de regularização e 19 de terraplanagens, concedidos na gestão anterior.
A Associação de Amigos e Moradores da Granja Viana (Amogv) - que junto de outras entidades representou ao MP contra o plano diretor - pedirá a cassação dos alvarás já concedidos.
Para o advogado Heitor Marzagão Tommasini, que atua nas áreas ambiental e urbanismo, os alvarás já expedidos, com obras em construção, e aqueles em análise, devem ser suspensos até decisão da Justiça. “Os proprietários devem paralisar projetos em andamento para evitar prejuízo maior e, se confirmada a anulação das leis, adequá-los com base nas leis anteriores.”
Para Caio Porugal, vice-presidente do Secovi-SP, sindicato do setor imobiliário, critica a falta de definição de alcance da liminar. “É ruim para todo mundo, não só para o mercado imobiliário, mas para a sociedade. Só traz clandestinidade, irregularidade e insegurança jurídica.”
Área é alvo de tentativa de verticalização há mais de 40 anos
Há tentativas de liberar a verticalização de Cotia e da Granja Viana desde os anos 1980, sempre com resistência dos moradores. Em 2022, um novo plano diretor foi aprovado, liberando edifícios altos, mas uma liminar barrou a proposta a pedido do MP. A prefeitura não sancionou a lei, mas preparou novo projeto, aprovado pela Câmara em maio de 2024.
O novo plano - que entrou em vigor e foi suspenso pela liminar atual - previa edifícios de até 30 pavimentos e conjuntos de prédios em áreas lindeiras às rodovias, como a Raposo Tavares, Rodoanel, Bunjiro Nakao e Estrada do Embu. Essas rodovias fazem parte do lote Nova Raposo, concedido à iniciativa privada em novembro, e vão receber obras, como duplicação, vias marginais, novas faixas e dispositivos de acesso.

Antes, nessas regiões, as construções podiam ter até quatro pavimentos. Pela nova regra, os prédios de 30 andares poderiam ser dispostos em blocos com distância mínima de 6 metros entre as torres. As faixas de 200 metros nas duas margens da Raposo, em Cotia, seriam caracterizadas como corredores comerciais, podendo receber prédios entre 25 e 30 andares a partir da Granja Viana, até a divisa com Vargem Grande Paulista.
A ação foi proposta pelo procurador-geral de Justiça, Paulo Sérgio de Oliveira e Costa, que comanda o MP paulista. No pedido de liminar, ele alegou que as mudanças na lei de uso e ocupação de solo de Cotia afrontam princípios constitucionais, como o direito ao ambiente ecologicamente equilibrado, e constituem retrocesso ambiental.
“Isso porque, além de ter sido editada em lastro em qualquer planejamento técnico, ainda introduziu modificações impactantes no município, em especial a supressão da área rural e inserção de área urbana em área de preservação ambiental com vegetação remanescente de Mata Atlântica”, disse, em nota.
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Na decisão do TJ, o relator Mário Devienne Ferraz considerou que as novas leis não teriam contado com a participação popular nem com planejamento técnico atual na sua produção, pois teriam sido considerados estudos e reuniões ocorridos há dez anos.
“Em face disso e também da intensidade dos efeitos urbanísticos e social decorrentes dessas leis complementares, com a aprovação de obras, implementação de estruturas e outras modificações físicas e jurídicas de difícil reversão, se pode inferir o grave risco de sobrevirem danos ao meio ambiente irreparáveis ou de difícil reparação, com inegáveis prejuízos à vida, saúde e segurança da população local”, escreve na decisão.
As normas flexibilizaram o uso de áreas rurais e de proteção ambiental, como a APA de Itupararanga, que protege o reservatório responsável pelo abastecimento de cidades como Sorocaba e Votorantim.
‘Cotia foi transforma num caos imobiliário’
A região a oeste de São Paulo é um dos eixos para onde se expande a capital e há anos é esperado um plano diretor para crescimento sustentável, segundo Ivan Carlos Maglio, pesquisador do Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo (USP). O problema, diz, é que o plano suspenso foi feito sem estudos técnicos nem participação popular.
“Cotia foi transformada num caos imobiliário e as consequências começam a aparecer. Nos últimos dias, com as chuvas intensas, a cidade se transformou em um cenário de alagamentos, deslizamentos de terra ameaçando casas, moradores ilhados, quedas de muros e enxurradas de lama”, critica o engenheiro.

Para ele, o projeto da Nova Raposo torna ainda mais urgente a necessidade de um plano com base em estudos urbanísticos e ambientais consistentes. O leilão de rodovias do lote Nova Raposo foi vencido pela concessionária EcoRodovias. Serão investidos R$ 8 bilhões em 30 anos na malha de 92 quilômetros, incluindo a Raposo entre São Paulo e Cotia, que ganhará marginais e faixas adicionais.
Segundo Maglio, o novo plano deve contemplar alternativas de transporte para o acréscimo populacional que será induzido pelas obras na Raposo, o que não foi previsto no estudo derrubado na Justiça.
“E não basta simplesmente corrigir e revisar a legislação sem que os responsáveis pelas irregularidades respondam por seus atos”, acrescenta o engenheiro Renato Rouxinol, consultor técnico e jurídico, da Associação da Granja Viana.
Portugal diz que quando outro plano diretor, de 2022, foi suspenso, houve acordo no processo para um novo estudo com todos os requisitos do Estatuto da Cidade e da Lei Orgânica de Cotia. “O Plano Diretor foi revisitado, com audiências públicas nas cinco regiões da cidade. Foi prevista a verticalização ao longo das vias mais estruturadas. Se há coisas que mereçam ser interrompidas, como a verticalização, que seja feito, mas mantidos todos os outros aspectos da lei de ocupação de solo que atinge a toda sociedade de forma geral”, sugere ele, que também preside a Associação de Empresas de Loteamento Urbano (Aelo).
Ele lembra que, quando o plano entrou em vigor em julho de 2024, nesse intervalo de 2022 a 2024 já existiam muitos processos que estavam interrompidos porque não houve uma decisão de modulação, definindo os alvarás que continuavam valendo e os que tinham de aguardar uma nova legislação.
Ex-prefeito defende plano; novo gestor prevê revisão
O ex-prefeito Rogério Franco disse ao Estadão que as alterações no plano diretor e na lei de zoneamento obedeceram rigorosamente aos ritos legais, como reuniões preparatórias, audiências públicas em todas as regiões do município, com ampla divulgação na mídia local e nos canais oficiais da prefeitura. Segundo ele, faixas foram instaladas para informar a população sobre os encontros.
Quando o novo plano foi sancionado, a prefeitura informou que a proposta de verticalização usou critérios similares aos de Curitiba, considerada modelo de urbanização. O novo plano evitaria a concentração de edifícios utilizando eixos de sistemas viários com transporte público e serviços.
Já o atual prefeito, Welington Formiga, disse, em nota, que a atual gestão, iniciada em 1º de janeiro, vai fazer revisão no plano diretor aprovado na gestão passada “pautada na legislação e contando com ampla participação popular, independentemente da decisão da Justiça. Será dada toda a transparência e seriedade que o assunto necessita”. Os estudos devem começar ainda neste semestre.