Por que mais de 2,5 mil aves estão presas no Parque da Água Branca? O que será feito agora?

Frequentadores se queixam de mau cheiro e superlotação em viveiros; gestora da unidade diz ter ampliado em 50% o nº de funcionários da limpeza após as reclamações e cogita doar parte dos animais

PUBLICIDADE

Foto do author Ítalo Lo Re
Atualização:

Se antes era comum encontrar aves por todos os cantos ao entrar no Parque da Água Branca, na zona oeste de São Paulo, agora quem visita o local vê um cenário diferente. Desde junho, mais de 2,5 mil animais, entre patos e galinhas, estão presos em dois viveiros improvisados. A medida foi tomada após uma portaria do Ministério da Agricultura e Pecuária decretar estado de emergência por conta de casos de gripe aviária. No começo deste mês, a pasta prolongou a norma por mais 180 dias.

Frequentadores do Água Branca reclamam, porém, que o mau cheiro piorou de forma significativa nas últimas semanas. Segundo eles, há ainda indícios de superlotação dos galinheiros, com prejuízo ao bem-estar dos animais. Juntos, os espaços somam 2,5 mil m², o que equivale a cerca de um m² por ave. A Reserva Parques, gestora do parque, afirma ter aumentado em 50% o número de funcionários envolvidos na limpeza após as queixas. Disse também que avalia doar parte das aves.

Frequentadores do Água Branca reclamam, porém, que o mau cheiro piorou de forma significativa nos últimos meses Foto: Daniel Teixeira/Estadão

“É importante se precaver contra a gripe aviária, mas tem de ter planejamento”, afirma a massoterapeuta Alessandra Rodrigues, de 54 anos. Moradora da região, ela diz que, assim como outros frequentadores, fez reclamação para a administração do parque sobre o mau-cheiro proveniente dos viveiros há cerca de um mês.

PUBLICIDADE


O Consórcio Novos Parques Urbanos venceu a concessão para administrar, além do Água Branca, outros dois parques estaduais: o Villa-Lobos e o Cândido Portinari, ambos também na zona oeste. O grupo superou três concorrentes após oferecer proposta de R$ 62,7 milhões. O edital prevê a cessão das áreas de uso público à iniciativa privada por 30 anos, com possibilidade de prorrogação.

A reportagem passou a tarde de quinta-feira, 16, no Água Branca para ver a situação dos viveiros. “Antes, dava para sentir o cheiro das aves lá da Avenida Francisco Matarazzo”, diz o aposentado Ricardo Tadeu, de 65 anos, sobre a situação quase um mês atrás. Apesar da percepção de melhora nas últimas semanas, os frequentadores cobram mais cuidado com a limpeza dos galinheiros.

Reserva Parques, gestora do parque, afirma ter aumentado em 50% o número de funcionários envolvidos na limpeza após as queixas Foto: Daniel Teixeira/Estadão

“Continua bem pior do que antes (do isolamento das aves)”, afirma a aposentada Maria André, de 84 anos, frequentadora do parque desde a adolescência. Uma alternativa para aliviar ainda mais o mau cheiro, sugere ela, seria tirar parte das aves do parque durante o período de emergência sanitária ou até mesmo distribuí-las em mais viveiros. Atualmente, só há a divisão entre machos e fêmeas, segundo a gestora do parque.

Para a dona de casa Maria de Lourdes, de 56 anos, a impressão é que há muitos galos e patos para pouco espaço. “Com a concessão, todo mundo espera que os animais sejam tratados com mais cuidado”, diz ela, moradora da Cachoeirinha, zona norte. Maria afirma ainda que, caso sejam mantidos presos mesmo após o alerta de gripe aviária, o parque perderia sua essência. “Era mais engraçadinho. A gente podia interagir mais com as aves.”

Gestora do parque avalia doar parte das aves para ONG

A Reserva Parques afirmou, em nota, que avalia doar parte das aves do Água Branca. Isso porque, segundo a gestora, há um estudo de 2018 que indica que a população de aves no parque “é excessiva e medidas devem ser adotadas para sua redução, entre elas a doação”. A reportagem solicitou o envio do estudo, mas não teve acesso ao documento até a conclusão desta reportagem.

Publicidade

“Na reunião de conselho deste mês, a equipe da concessionária apresentou a proposta de doar parte do plantel, composto de cerca de 2.600 aves, para uma organização não governamental, sem descaracterizar a vocação agrícola do parque e com a manutenção de animais e atividades educativas para os usuários. Os trâmites estão em andamento”, afirmou. A concessionária disse que ficará responsável pela alimentação dos animais que forem doados, para não onerar a ONG com custos operacionais.

Reserva Parques afirmou, em nota enviada à reportagem, que avalia doar parte das aves do Água Branca Foto: Daniel Teixeira/Estadão

Em reunião realizada há pouco mais de duas semanas pelo Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Histórico, Cultural e Ambiental da Cidade de São Paulo (Conpresp), integrantes do conselho orientador do Água Branca, que reúne representantes da sociedade civil, reclamaram do manejo das aves no parque e das condições a que estão sujeitos patos, galinhas, pavões, entre outros animais.

“O que vemos é uma escalada de despropósito. Fica um cheiro insuportável e o espaço é muito apertado”, diz Regina Pires. Moradora de Perdizes, ela é uma das quatro representantes da sociedade civil no conselho orientador do parque e, há mais de 10 anos, integra o Movimento SOS Parque da Água Branca. “Não é a mesma coisa do que ter uma granja com galinhas para vender ovo. Sem contar que não tem sombra suficiente, principalmente pensando nesse calor dos últimos dias.”

PUBLICIDADE

Regina reforça que o tombamento do Água Branca – que ocorreu tanto pela Prefeitura quanto pelo Estado – não se deu só pelos prédios construídos e pela flora. Foi também pela própria rotina da fauna, que tinha como característica circular continuamente. “Quando os animais estavam todos soltos, você via claramente o comportamento de cada espécie, como é bem característico. Galos, galinhas e pintinhos circulavam quase pelo parque todo”, afirma.

O temor dos frequentadores agora é que os galinheiros sejam implementados de forma definitiva e que haja redução drástica da fauna do parque, o que contrasta com o fato de os animais terem sido destaque no Plano Diretor do Água Branca, de 2021. “Em reuniões com o conselho, já levantaram a ideia de diminuir de 2,6 mil aves para 800″, diz Regina. “Quando a gente olha o que era o parque e o que está sobrando, fica nítido que daqui a menos de um ano não vai ser mesmo. É uma descaracterização total.”

Já levantaram a ideia de diminuir de 2,6 mil aves para 800

Regina Pires, conselheira do parque

Em entrevista ao Estadão após o leilão de concessão, em março de 2022, representantes da concessionária vencedora afirmaram que a ideia era respeitar a vocação do parque depois da transferência de gestão. “Tem ali galinhas, patos e outros animais que ficam soltos. Isso faz parte da característica e da personalidade do parque. A gente quer não apenas preservar, como dar um ‘upgrade’”, disse um deles, na época.

Reserva Parques diz ter aumentado equipe

Sobre as queixas de mau cheiro, a Reserva Parques afirma que as equipes técnicas foram reforçadas desde o começo deste mês, “com aumento de 50% do efetivo, bem como as ações de limpeza e manutenção como a troca periódica do substrato da área”, sem precisar o tamanho da equipe. “Sobre as edificações, a concessionária já protocolou o pedido para realizar a manutenção nos Conselhos de Patrimônio e aguarda autorização do órgão municipal competente, uma vez que as estruturas são tombadas”, afirmou.

A Prefeitura afirmou que “analisa as propostas encaminhadas pela concessionária com celeridade”. “Porém, o tempo de aprovação depende da necessidade de complementação de informações e sua adequação às normas de preservação”, disse.

A Reserva Parques afirmou ainda ter entregue um novo centro de atendimento aos usuários, com acesso gratuito à internet, além de atividades de educação ambiental, exposições, sala de leitura e atividades culturais itinerantes. “Também houve manutenção das áreas verdes e reforço na limpeza, novos pontos de iluminação com LED, ampliação da vigilância, revisão do sistema de drenagem e galerias pluviais, melhoria na gestão dos resíduos sólidos e reparos nos equipamentos de lazer.”

Segundo frequentadores, há indícios de superlotação dos galinheiros, o que estaria prejudicando o bem-estar dos animais Foto: Daniel Teixeira/Estadão

A Secretaria de Meio Ambiente, Infraestrutura e Logística afirmou, em nota, que acompanha o trabalho da concessionária, que vem adotando os protocolos sanitários e monitoramento definidos pelo Ministério da Agricultura, bem como realizando o manejo dos espaços de confinamento, seguindo os protocolos sanitários dos órgãos de saúde animal”.

Já a Secretaria Municipal da Saúde, por meio da Coordenadoria de Vigilância em Saúde, disse que uma equipe de saúde visitou o parque no fim de outubro e constatou que as aves estavam segregadas em galinheiro, sem sinais de doença. “A limpeza do local é realizada frequentemente e estava satisfatória no momento da visita”, disse.

Em nota, o Ministério da Agricultura e Pecuária afirmou que “o manejo de limpeza e desinfecção para instalações de aves é de competência do ente privado, não há recomendação oficial”. “A mistura de diferentes espécies de aves aumenta o risco de disseminação de qualquer doença que as possa afetar”, disse. Segundo o órgão, no caso de suspeita de doenças de notificação obrigatória, o serviço veterinário oficial realiza “”imediato atendimento”. O Brasil soma 139 focos da doença confirmados, entre aves silvestres, de subsistência e mamíferos.

Publicidade

Dois gatos foram encontrados mortos no parque há dois meses

Em setembro, outro episódio revoltou frequentadores do parque. Dois gatos foram encontrados mortos no Água Branca, decorrentes de politraumatismo. “Estamos profundamente entristecidos e indignados com o que aconteceu com os nossos queridos amigos”, disse publicação nas redes sociais do Cat Lovers, iniciativa que reúne voluntários que ajudam a cuidar dos gatos da unidade.

A Secretaria da Segurança Pública afirmou que o caso segue sob investigação por meio de inquérito policial instaurado pelo Departamento de Polícia de Proteção à Cidadania. “Equipes da unidade compareceram ao local e ouviram testemunhas, dentre elas, funcionários do parque e voluntários.”

A Reserva Parques afirmou repudiar ações de maus-tratos ao animais e aguardar a conclusão do inquérito policial. “Como medida preventiva, houve o reforço de duas câmeras de segurança na região do gatil, e a equipe de vigilância passou a utilizar câmeras portáteis durante as rondas”, disse. “Após a necrópsia, que constatou politraumatismo, e diante da gravidade dos fatos também foi solicitado reforço na segurança aos batalhões policiais da região.”

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.