Prefeito de São Paulo quer túnel para criar parque no Minhocão

Nunes defende tarifa zero de ônibus e afirma que embargo do TCM atrasou recape de ruas

PUBLICIDADE

Foto do author Adriana Ferraz
Por Adriana Ferraz e Victor Vieira
Atualização:
Entrevista comRicardo NunesPrefeito de São Paulo

O prefeito de São Paulo, Ricardo Nunes (MDB), encomendou um novo projeto para tirar do papel o prometido Parque do Minhocão, previsto até em lei municipal. Após classificar como “impossível” fechar a via elevada no centro da cidade para o tráfego de carros sem uma alternativa aos motoristas, Nunes trabalha agora com a possibilidade de investir cerca de R$ 1 bilhão na construção de um túnel que siga o trajeto do Elevado João Goulart.

Ainda em desenvolvimento, a proposta prevê quatro pistas subterrâneas, duas em cada direção. Só com a obra finalizada é que o parque sairia do papel, no modelo adotado por Nova York, ou seja, com a manutenção da atual estrutura.

“Sem isso é impossível”, disse ele em entrevista exclusiva ao Estadão, na véspera do aniversário de 469 anos da cidade. Outros prefeitos já cogitaram o parque sem obra complementar, como Fernando Haddad (PT) e João Doria (sem partido), mas sem sucesso.

Prestes a completar dois anos no cargo – Bruno Covas (PSDB) morreu em maio de 2021 –, Nunes reafirmou que sua prioridade é ter programas que atendam os moradores de rua, o que inclui pagar um auxílio a quem se propor a acolhê-los, além de ações para desmobilizar por completo a Cracolândia. Leia os principais trechos.

Prestes a completar dois anos no cargo, Nunes reafirmou que sua prioridade é ter programas que atendam os moradores de rua  Foto: ALEX SILVA / ESTADAO

O sr. desistiu de fazer o Parque do Minhocão?

Não. Pedi um estudo para fazermos um túnel antes ali. Fizemos muitas reuniões para encontrar uma maneira de distribuir o tráfego de veículos, mas o impacto passava de 10 km de trânsito. Chegou uma hora que pedi para estudarmos a construção de um túnel. Desse jeito, dá para fazer um High Line. Já temos um pré-desenho da obra.

Mas o Bruno Covas prometeu o parque ali sem túnel.

É impossível sem uma alternativa de trânsito.

O senhor já tem alguma definição sobre a possibilidade de se implantar tarifa zero no transporte?

O estudo preliminar mostrou que o sistema terá aumento de 15% de passageiros no horário de pico e 25% entre os picos (da manhã e da tarde). Isso nos levou a pedir outro estudo, para saber se o sistema suporta o aumento de demanda. A possibilidade de a Prefeitura bancar 100% da tarifa é zero. Isso não faço para não prejudicar saúde, educação e outras áreas.

Publicidade

A possibilidade de a Prefeitura bancar 100% da tarifa é zero. Isso não faço para não prejudicar saúde, educação e outras áreas

Ricardo Nunes, prefeito

Mas isso já ocorre com a tarifa congelada. Quanto foi o subsídio (para as empresas de ônibus) em 2022?

Foram cerca de R$ 4,8 bilhões em 2022, mas isso já está calculado. O que é preciso debater é como pagar o restante. Há quem defenda o pedágio urbano, que já disse que não vou fazer. Outros defendem que a Cide (imposto federal sobre combustíveis) seja municipalizada com arrecadação direta para o Fundo Municipal de Transporte, que também receberia os 6% que o empregador paga no vale-transporte. Com isso, o sistema se tornaria mais democrático, a economia seria incentivada e a Prefeitura ainda deixaria de pagar R$ 400 milhões por ano com o fim da gestão do bilhete único.

É possível pensar em tarifa zero no ônibus e não nos trens? Como ficaria o Metrô e a CPTM?

Aí, é outra questão. O governador Tarcísio de Freitas já disse não ter objeção em estudar os dados. O pessoal do Metrô e da CPTM já vieram aqui para conversar. Eles farão os estudos deles agora, mas a integração realmente é uma dificuldade. Não seria bom aplicarmos a tarifa zero apenas nas linhas de ônibus. A rede de trilhos é muito importante no transporte. Se a cidade der gratuidade, Metrô e CPTM vão perder muitos passageiros e o impacto para nós será enorme, muito maior que os 15% em horário de pico previsto. É tudo muito complexo, custoso, mas quero fazer.

Nunes trabalha agora com a possibilidade de investir cerca de R$ 1 bilhão na construção de um túnel que siga o trajeto do Elevado João Goulart  Foto: ALEX SILVA / ESTADAO

A revisão do Plano Diretor pode facilitar a construção de garagens em prédios próximos ao transporte público. Isso não é uma incoerência? Pode rever isso?

Não. Essa questão da vaga, como foi colocada no Plano Diretor, foi para inglês ver. Não funcionou. Se o mercado quiser pagar pela garagem, ele paga ou cria vários modelos de apartamentos no mesmo prédio e joga todas as vagas nas opções com 80 m² ou mais. Foi um engana-engana o que aconteceu. Estudei e fui convencido sobre a mudança.

Se o mercado quiser pagar pela garagem, ele paga ou cria vários modelos de apartamentos no mesmo prédio

Ricardo Nunes, prefeito

A população tem reclamado de buracos nas ruas. O que a sua gestão fará para melhorar?

Eu poderia ter iniciado o recape em 2021, mesmo com a pandemia, mas o Tribunal de Contas do Município (TCM) segurou o edital de novembro até julho do ano passado. Começamos em agosto, e já temos 3 milhões de m² entre obras executadas e contratadas. Vou chegar a 23 milhões de m² e gastar R$ 2,5 bilhões para isso nas ruas estruturais, e outros R$ 350 milhões nas ruas locais.

E a qualidade do asfalto?

É de melhor qualidade. Antes de iniciar a obra, um equipamento escaneia a pista e identifica, por meio de um software que trouxemos da Alemanha, a profundidade necessária para o recape. Essa tecnologia dará maior durabilidade ao asfalto, além da certeza de quanto temos de raspar antes de repor.

Já tem posição final sobre o mototáxi? Vai liberar o Uber Moto?

De jeito nenhum. E vou prender quem estiver oferecendo esse serviço na cidade. Minha meta é baixar o número de mortos no trânsito.

O sr. vai relançar o Smart Sampa, que prevê a implementação de 20 mil câmeras na cidade com reconhecimento facial, mas não cogita instalar câmeras nos uniformes da Guarda Civil, como faz a PM. Por quê?

Vamos instalar agora câmeras nos uniformes dos agentes da CET (Companhia de Engenharia de Tráfego), a pedido deles. Sobre a GCM, não tenho nenhum estudo a esse respeito. O que temos é a intenção de instalar 20 mil câmeras na cidade para reduzir a criminalidade e também acompanhar as ações da GCM, entre outros benefícios, como identificar quem roubou, estuprou ou mesmo quem está desaparecido. Todo lugar hoje já tem câmeras, o que precisamos é usá-las a favor da cidade.

Publicidade

Vamos instalar agora câmeras nos uniformes dos agentes da CET (Companhia de Engenharia de Tráfego), a pedido deles. Sobre a GCM, não tenho nenhum estudo a esse respeito.

Ricardo Nunes, prefeito

Quanto vai custar esse programa e para onde serão encaminhadas as imagens?

Serão R$ 7 milhões por mês. As imagens serão encaminhadas para uma central a ser montada provavelmente no prédio antigo do Correio, no centro. Será o SP 24, que reunirá ainda imagens dos piscinões e dados diversos, como a movimentação das ambulâncias do Samu e dos carros da GCM. Além disso, ficará 24 horas aberto oferecendo serviços da Prefeitura. O cidadão poderá, por exemplo, consultar dados do IPTU, se quiser, de madrugada.

O sr. tem investido em casas modulares e temporárias para moradores de rua. Quantas serão e quais são outros projetos a serem implementados? O auxílio reencontro vai sair?

São várias ferramentas. Serão 2 mil casas (modulares) na Vila Reencontro. O auxílio (que prevê uma mensalidade para quem abrigar morador de rua) vai sair e é inovador.

Qual será o orçamento para esse auxílio?

Ilimitado. Como prefeito de São Paulo, vou gastar o que for preciso para cuidar das pessoas de rua. Não abro mão.

O sr. não tem medo de fraude? Como vai saber se a pessoa mora na rua ou se só está atrás do auxílio?

Vamos criar um mecanismo de controle, com a regulação das 21 mil vagas nos abrigos e a montagem de um comitê formado por assistentes sociais de carreira que farão a avaliação e acompanhamento da concessão do auxílio.

Como vai funcionar, na prática, a proposta de Justiça Terapêutica pra a Cracolândia (que prevê a reativação de núcleos judiciais nos  centros de referência em drogas)?

Esse é um problema de 30 anos. Essas ações que estamos desenvolvendo agora começaram em julho de 2021. Essa nova iniciativa é um complemento, até porque mudou o governo (do Estado) e com o novo governo há ideias novas. É natural, vamos agora em busca de um aprimoramento. A reestruturação do Cratod requer a participação da Defensoria Pública, do Ministério Público, do Tribunal de Justiça, dos poderes públicos municipal e estadual e da sociedade. Não podemos mais aceitar a situação atual. Tomamos a opção de enfrentar. Era muito mais cômodo pra mim deixar de lado, mas não foi o que fizemos.

Não há risco de violação de direitos dos dependentes químicos?

O direito não pode ser só para um. Quem mora na Cracolândia tem direitos, como quem está na rua também. Quem trabalha lá tem direitos, como quem está na rua também. Quem visita a região, que é o turista, tem direito, assim como quem está na rua também tem. Por que só temos de olhar o direito de um? Qual o direito que essa pessoa tem em infernizar as pessoas que querem dormir? De ela entrar na sua casa, urinar e defecar na sua porta? A gente, às vezes, quer tratar o usuário como algo normal e natural, mas não é. Ele causa incômodo para alguém. Precisa parar com essa conversa fiada de que só um tem direito; o outro também tem.

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.