Trânsito de SP tem redução inédita do nº de viagens: por que isso surpreendeu pesquisadores?

Levantamento feito pelo Metrô aponta queda de 15% nos deslocamentos na região metropolitana desde 2017

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Atualização:

A pesquisa Origem e Destino, um dos principais estudos sobre mobilidade urbana do País e realizada pelo Metrô de São Paulo desde 1967, captou algo inédito no levantamento deste ano. Pela primeira vez em quase seis décadas, houve redução no número de viagens diárias na capital e na região metropolitana. Ou seja: as pessoas estão se deslocando menos para trabalhar, estudar, pagar contas ou ir ao supermercado.

O número de viagens diárias caiu de 42 milhões em 2017, último levantamento, para 35,6 milhões em 2023. É uma perda de 6,3 milhões de deslocamentos, ou 15%. Os motivos para a mudança ainda são investigados pelos pesquisadores, mas uma das principais explicações é a mudança de comportamento após a pandemia, com a adoção do trabalho remoto, híbrido e do ensino a distância.

Trânsito na Avenida Ibirapuera, na zona sul da capital: pesquisa foi antecipada para investigar os efeitos da pandemia da covid-19 nos deslocamentos. Foto: Tiago Queiroz/Estadão

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Também houve queda nas viagens motorizadas (11,1%) e nos índices de mobilidade total (16,8%). Os dados da Pesquisa OD, como é conhecida, foram divulgados nesta terça-feira, 11. E intrigam os especialistas.

“Houve uma quebra de correlações que eram claras antes. Quando crescia a renda, crescia a mobilidade. O mesmo acontecia com a posse de automóvel, que levava ao aumento do transporte individual”, avalia Luiz Antonio Cortez Ferreira, gerente de Planejamento e Meio Ambiente do Metrô.

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Para a pesquisa, viagem é o deslocamento entre o endereço de origem e o de destino por um motivo específico (trabalho ou educação, por exemplo), com um ou mais modos de transporte.

Implementada desde 1967, sempre em intervalos de dez anos, a pesquisa foi antecipada de 2027 para este ano a fim de investigar os efeitos das mudanças trazidas pela pandemia da covid-19, como as restrições à mobilidade, isolamento social, formas novas de trabalho e estudo (home office, sistema híbrido de trabalho, ensino a distância) na forma de se deslocar da população da região metropolitana. A pesquisa ouviu 79 mil pessoas dos 39 municípios.

Os dados causam surpresa diante dos outros indicativos da vida econômica da cidade. Com base nos dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o levantamento registra aumento nos empregos (11,7%), na frota de automóveis particulares (21,5%) e na taxa de motorização (19,8%), todos com valores muito superiores ao crescimento populacional (2%).

O salário também cresceu. A renda média familiar mensal era de R$ 6.776 (em outubro de 2023), representando aumento de 38,1% em relação a 2017 em todas as sub-regiões.

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“Não ficamos surpresos com a queda total de viagens porque observamos isso na catraca. Essa quebra da correlação é o mais surpreendente. O que era linear deixou de ser”, completa.

Queda nos deslocamentos no transporte coletivo (ônibus, metrô e trem) intriga especialistas; na imagem, estação Paraíso do Metrô. Foto: Tiago Queiroz/Estadão

Transporte coletivo impulsiona queda dos deslocamentos

Das 35,6 milhões de viagens diárias na região metropolitana, cerca de 70,5% ocorreram por modos motorizados (coletivo e individual), enquanto os restantes 29,5%, por modos não motorizados (bicicleta e a pé).

Nesse cenário de retração dos deslocamentos, o transporte coletivo (ônibus, trem e metrô) é o mais afetado. O setor perdeu três milhões de viagens (decréscimo de 19,8% entre 2017 e 2023) enquanto o individual perdeu apenas 116 mil viagens (recuo de 0,9%).

Essa redução de demanda pelo transporte público traz um desafio adicional para o equilíbrio financeiro dos sistemas. A cobrança de tarifas historicamente era uma das suas principais fontes de receita, mas tem sido vista nos últimos anos a necessidade crescente de subsídios do poder público para complementar os custos.

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Cortez Ferreira atribui a queda dos deslocamentos aos novos hábitos de mobilidade que se consolidaram após a pandemia, com as novas de trabalho e estudo.

“A mudança de hábitos foi tão profunda que mudou a lógica na série histórica. (As viagens) nunca haviam baixado. Se houvesse uma queda da renda, teríamos uma explicação clássica. A explicação está em outro lugar. Ainda estamos investigando”, diz ele.

A transformação do perfil de mobilidade também dá pistas sobre como tornar o trânsito mais sustentável na cidade, diante da emergência climática. Para especialistas, é preciso integrar o transporte público a estruturas que permitam a mobilidade ativa (caminhar ou pedalar), como calçadas, ciclovias e bicicletários.

“Por isso, é importante continuar as pesquisas, como a de 2027 que vamos desenvolver para continuar a ver mudanças nos hábitos da população”, acrescenta Cortez Ferreira.

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