Universo feminino ganha palcos - e plateias - da cidade

Nunca o circuito teatral paulistano teve tantas peças inspiradas no dia a dia das mulheres. Só nesta semana são nove em cartaz

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Por Nataly Costa e Paulo Sampaio

A engenheira eletricista Denise Límpias comprou ingresso para assistir neste fim de semana, pela quinta vez, ao espetáculo Confissões das Mulheres de 30. A caminho dos 31, Denise diz que entrou em crise no dia de seu aniversário. A angústia a levou a consumir literatura especializada. Começou a ler A Mulher de Trinta Anos, de Balzac, mas achou "chatíssimo". "Morria de sono." Moradora da Vila Nova Cachoeirinha (zona norte de São Paulo), ela descobriu no texto da peça algo mais próximo no tempo e no espaço. A obra fala de amor, sexo, casamento, "questões do universo feminino", como resume a atriz e coautora Juliana Araripe, de 32 anos. Se Denise resolvesse frequentar com a mesma assiduidade todas as peças sobre o "universo feminino" em cartaz na cidade, teria programa garantido até o fim do ano. São nove. Especialistas tentam explicar o que faz de São Paulo uma hospedeira tão contumaz dessa temática. Quem é o público? "Teatro é coisa de mulher. Ela vai e arrasta o homem", acha Mônica Martelli, autora de Os Homens São de Marte..E é pra lá que eu Vou!. Mônica fala com a autoridade de quem ficou cinco anos em cartaz e atraiu um público "esmagadoramente feminino" de quase 1 milhão de pessoas.Explicação. Para a psicanalista Dorli Kamkhagi, do Instituto de Psiquiatria da USP, a mulher de uma cidade caótica como São Paulo está mais vulnerável à solidão, ao desamparo, à competição, e lida com isso em regime de urgência. "Vivemos a 200 por hora, é preciso ser bonita, inteligente, independente, boa esposa. De repente, você vê tudo isso retratado com humor em uma peça. Só pode ser um sucesso", diz.São Paulo tem cerca de 160 teatros e uma enorme disposição para lotá-los, até mesmo nos horários "alternativos" (começo da semana). Quando o espetáculo é bom, vai para o "horário nobre". TPM Katrina, que vem mantendo ocupados os 300 lugares do Teatro Folha, em Higienópolis, será promovido. "Vamos levá-lo para o fim de semana", diz o diretor artístico do teatro, Isser Korik. No espetáculo, o marido não abre a boca, apenas reage com os músculos do rosto às investidas histéricas da mulher.Os envolvidos nas produções de "temática feminina" não gostam de expressões como "fórmula" e "caça-níqueis". Por mais que os espetáculos deem um bom retorno financeiro, eles preferem dizer que o êxito se deve à "abordagem honesta". "Não escrevo pensando em dinheiro, escrevo o que eu sei escrever", diz Regiana Antonini, de 47 anos, que atualmente finaliza um texto chamada AMADAS - Associação das Mulheres que Amanheceram Despencadas. Carioca, ela já têm outras três peças prontas para montar em São Paulo. "Aqui as pessoas têm o costume de ir ao teatro e são fiéis ao espetáculo, conhecem o autor, repercutem", acredita. Na semana passada, ela esteve na cidade para acompanhar a leitura de Chá das 5, em que nove homens fazem o papel de nove mulheres. Trará ainda Compulsão e O Filho da Mãe. Nesta última, a mãe é o ator Eduardo Martini, famosíssimo pelo monólogo I Love Neide - Manual de Sobrevivência de Uma Cinquentona Atrevida, visto por mais de 100 mil pessoas. Outros sucessos dele são Até que o casamento nos Separe e As Dez Maneiras de Destruir Um Casamento. Escolha. À propósito, o empresário Ivan Vale Ferreira, de 29 anos, conta na sessão de sexta feira de Confissões.. que a ideia de ir ao espetáculo foi de sua mulher, a professora Luciana Gomes, de 29. O casal confirma a teoria de Mônica Martelli. Luciana conta que, antes de levar o marido para assistir ao espetáculo, ouviu dele: "Mas não é peça de mulherzinha, né?" E: "Você tá me devendo essa. Vai ter de ir ao próximo jogo do Corinthians comigo." À saída do teatro, Ivan afirmou que "não foi uma tortura". "Eu não me incomodo de vir, até me divirto", resigna-se.

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