12 perguntas para fazer a si mesmo e ao seu médico para garantir a saúde do cérebro

Artigo da Academia Americana de Neurologia propõe abordagem voltada à prevenção das doenças neurodegenerativas; questões abrangem aspectos como sono, alimentação, saúde emocional, entre outros

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Foto do author Victória  Ribeiro

O que podemos fazer hoje para garantir a saúde do nosso cérebro no futuro? Essa é a pergunta que um artigo recém-publicado pela Academia Americana de Neurologia (AAN, na sigla em inglês) pretende responder. Elaborado por um corpo extenso de pesquisadores, o documento propõe uma série de perguntas que podem ser feitas pelos nossos médicos ou servir como reflexão para nós mesmos, com o objetivo de ampliar as chances de mantermos nosso cérebro “seguro” ao longo da vida.

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“Há uma montanha de dados sobre a saúde do cérebro, e isso é apenas o começo”, afirmou Gregory Day, um dos autores do artigo, em entrevista ao jornal da AAN. “Como neurologistas, podemos levar isso aos nossos pacientes. Podemos dizer: ‘Queremos que você viva uma vida saudável, onde o cuidado neurológico pode melhorar sua saúde hoje, mas também preparar você para um amanhã mais saudável”.

Para facilitar a abordagem, os autores introduziram o termo “Safest Brains” (cérebro seguro, em inglês), em que cada letra representa um dos principais fatores que podem promover a saúde cerebral. O “S”, por exemplo, corresponde ao “sono”, e o “A”, à “alimentação”.

As perguntas, elaboradas a partir desses fatores, são consideradas um “ponto de partida”. Ou seja, servem como um convite à reflexão, incentivando um olhar mais atento sobre cada uma das evidências e seu impacto no dia a dia. Confira abaixo.

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Refletir sobre alguns questões básicas, como a qualidade do sono e da alimentação, pode ajudar a manter o cérebro saudável enquanto envelhecemos. Foto: Nathalie Tabak/Adobe Stock

1- Sono

Você consegue dormir o suficiente para se sentir descansado?

“Problemas no sono — como dormir pouco, ter um sono interrompido (caso da apneia obstrutiva) ou oscilar entre períodos muito curtos e longos — podem afetar a memória, o humor, a imunidade e até a forma como sentimos dor. [...] Dormir melhor pode ajudar a desacelerar o avanço do comprometimento cognitivo causado pelo Alzheimer e por outras doenças neurodegenerativas”, explicam os pesquisadores.

2- Afeto, humor e saúde mental

Você tem alguma preocupação relacionada ao humor, como ansiedade ou estresse?

Os autores do artigo destacam que transtornos de afeto e humor estão entre os principais fatores que impactam a saúde global e devem ser avaliados ao longo da vida, especialmente em pacientes com histórico de epilepsia, cefaleia, doenças neurodegenerativas, AVC e traumatismo craniano, devido à alta prevalência de depressão e transtornos de ansiedade associados.

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“O tratamento adequado pode aumentar a adesão às terapias, melhorar a qualidade de vida e desacelerar a progressão de doenças neurológicas. Para isso, é essencial utilizar ferramentas de triagem validadas e contar com a colaboração de especialistas em saúde mental”, orientam os pesquisadores.

3- Alimentação

Você tem dúvidas sobre como ingerir alimentos suficientes ou saudáveis? Ou, ainda, tem alguma dúvida sobre suplementos ou vitaminas?

“O acesso estável a alimentos nutritivos é essencial para o desenvolvimento, a manutenção e a resiliência do cérebro. A insegurança alimentar, por outro lado, está associada ao aumento da prevalência de distúrbios neurológicos crônicos, como a demência e a neuropatia [...] É dever do neurologista manter-se informado sobre dietas e suplementos que podem apoiar a saúde do cérebro e aconselhar contra aqueles que não têm evidências de qualidade suficientes para uso rotineiro”.

4- Exercícios

Você encontra maneiras de incluir exercícios físicos em sua vida?

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“Exercícios regulares podem melhorar a saúde cerebral promovendo, por exemplo, a redução da inflamação cerebral [associada às demências] e atuando no controle dos fatores de risco para o cérebro, incluindo hipertensão, hiperlipidemia [ou dislipidemia, que é o excesso de gorduras no sangue] e tolerância à glicose [...] A adesão é menor entre adultos mais velhos, que podem se beneficiar mais dos efeitos positivos da atividade física na saúde cerebral e para a memória”.

5- Interações sociais

Você tem contato regular com amigos próximos ou familiares? Conta com uma rede de apoio?

“Manter interações e redes sociais de apoio, ou no mínimo evitar o isolamento, é essencial para a saúde do cérebro ao longo da vida [...] Os benefícios incluem aumento da estimulação mental, redução do estresse, diminuição do risco de lesão vascular e aumento da reserva neurocognitiva”, explicam os pesquisadores.

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6- Prevenção de traumas

Você costuma se proteger de possíveis impactos? Por exemplo: usa cinto de segurança ou capacete? Ou, ainda, tem costume de colocar seus filhos na cadeirinha de transporte?

“Quando alguém sofre uma lesão cerebral (por causa de uma queda ou acidente de trânsito, por exemplo), acontece uma série de reações complexas, como mudanças nos níveis de certas substâncias, problemas no funcionamento das células cerebrais e danos aos vasos sanguíneos [...] Mesmo em casos leves, onde não se vê nada de errado nas imagens obtidas por exames, essas mudanças podem causar problemas a longo prazo”, diz o documento.

Eles também destacam que é importante que os médicos estejam atentos a isso. Se a pessoa trabalhar com obras, por exemplo, é interessante incentivar o uso de equipamentos de segurança. Já para pacientes mais velhos, perguntar sobre o ambiente doméstico e sugerir adaptações para prevenir quedas pode fazer a diferença na segurança e qualidade de vida.

7- Pressão arterial

Você já teve episódios de pressão alta? Ou, então, possui um diagnóstico de hipertensão?

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“Ter a pressão alta pode desencadear uma série de complicações, como danos aos vasos sanguíneos, inflamação, falta de sangue em certas áreas (isquemia), pequenas hemorragias e dificuldade para o cérebro se livrar de substâncias tóxicas. Nos adultos, essa condição pode ser um fator contribuinte para o desenvolvimento de problemas de memória e raciocínio ao longo do tempo. Além disso, a hipertensão aumenta significativamente o risco de epilepsia e está intimamente associada a um maior risco de acidente vascular cerebral (AVC)”, explicam os pesquisadores.

8- Fatores metabólicos e genéticos

Existe histórico de doenças neurológicas na sua família? Você tem dificuldades para controlar diabetes ou colesterol?

O artigo destaca que fatores potencialmente modificáveis, como é o caso de diabetes, sobrepeso, obesidade e colesterol alto (dislipidemia), estão intimamente ligados à neuroinflamação e às demências. Além disso, os autores observam que se uma houver triagem adequada de pacientes com predisposição genética para doenças neurodegenerativas, é possível realizar um diagnóstico precoce.

“Isso ajuda a mitigar ou atenuar os efeitos de variantes genéticas deletérias por meio de intervenções médicas e de estilo de vida”, ressaltam.

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9- Acessibilidade e adesão

Você tem algum problema com o custo dos seus medicamentos?

“O aumento dos custos diretos com medicamentos aumenta a pressão financeira sobre os pacientes e levanta preocupações quanto à adesão aos planos de diagnóstico e tratamento [...] Perguntar regularmente aos nossos pacientes sobre custos proibitivos e trabalhar para alcançar soluções criativas para apoiar o acesso a medicamentos são vitais para garantir a conformidade com as recomendações terapêuticas que apoiam a saúde cerebral ideal”, defendem os autores do artigo.

10- Infecção

Você está com sua vacinação em dia?

Segundo a Academia Americana de Neurologia, prevenir infecções é fundamental para a saúde do cérebro. Isso porque infecções podem causar inflamações no sistema nervoso, levando a danos neurológicos que comprometem funções cognitivas e motoras. Por isso, os especialistas destacam a vacinação como uma aliada essencial — um ponto especialmente relevante diante da queda nos índices de imunização.

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“A prevenção de infecções comuns na infância, por exemplo, é fundamental para proteger o desenvolvimento cerebral, pois ajuda a reduzir a mortalidade e a morbidade associadas a condições como encefalite cerebral, lesões cerebrais neuroimunes pós-virais e convulsões febris”, afirmam os especialistas. Eles também ressaltam que, em adultos, infecções podem desencadear ou piorar distúrbios neurológicos, o que torna ainda mais importante tratar e prevenir essas doenças ao longo da vida.

Além disso, eles destacam a necessidade de uma ação coordenada em níveis nacional e internacional para conter a propagação de infecções que podem prejudicar a saúde cerebral. Entre esses problemas estão zika, sífilis, sarampo, herpes e o coronavírus.

11- Exposições negativas

Você fuma, bebe mais de uma ou duas doses por dia, usa medicamentos sem receita ou mora em área com poluição de ar ou água?

Segundo os autores do artigo, exposições negativas à saúde cerebral variam desde fatores individuais modificáveis, como o uso de substâncias, até exposições ambientais. O fumo, o álcool e o abuso de outras substâncias estão associados a doenças neurológicas específicas, enquanto neurotoxinas ambientais, como chumbo, mercúrio e pesticidas, têm sido ligadas a distúrbios do neurodesenvolvimento, como déficit de atenção, hiperatividade e autismo, e doenças neurológicas na maturidade, a exemplo de acidente vascular cerebral, esclerose múltipla e demências.

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12- Determinantes sociais e estruturais da saúde

Você se preocupa com moradia, transporte, acesso a cuidados médicos e seguro de saúde, ou com sua segurança física e emocional?

Os especialistas destacam que fatores sociais, como nível socioeconômico, educação e acesso a cuidados de saúde, têm grande impacto na saúde cerebral ao longo da vida. “Pessoas que enfrentam desigualdades estruturais apresentam maiores taxas de distúrbios neurológicos e mortalidade devido ao acesso limitado a cuidados de saúde de qualidade e más condições de vida”, explicam.

Eles ressaltam que, desde o desenvolvimento fetal, o cérebro já pode ser influenciado por fatores como nutrição adequada e a falta de um ambiente seguro, que inclui exposição a violências, por exemplo. “Além disso, desigualdades sociais e dificuldades financeiras ao longo da vida podem prejudicar a capacidade do cérebro de se adaptar e se proteger, aumentando o risco de desenvolver demências.”

Pontos fortes e fracos

Além das perguntas acima, que são mais direcionadas a adultos, os autores sugerem exemplos de “roteiros” para diferentes faixas etárias, desde crianças de 1 ano até adolescentes e idosos. Também há ideias de questionamentos para pessoas com condições específicas, como enxaqueca frequente, histórico de AVC ou epilepsia.

Na opinião do neurologista Diogo Haddad, do Hospital Alemão Oswaldo Cruz, em São Paulo, o artigo representa um esforço significativo da Academia Americana de Neurologia ao promover fatores importantes — mas muitas vezes subestimados — e ao sugerir uma ampliação do papel dos especialistas como defensores e facilitadores de estratégias preventivas, indo além do tratamento de doenças.

“Não à toa, os próprios pesquisadores dizem que o artigo é ‘ambicioso’”, diz Haddad. “Embora muitas recomendações reforcem práticas já estabelecidas, o reconhecimento explícito da influência de determinantes sociais e da vacinação, por exemplo, adiciona uma dimensão conceitual a essa discussão”, opina.

O neurologista Rene Gleizer, da Academia Brasileira de Neurologia, concorda que o artigo abre uma oportunidade relevante para ampliar o papel do neurologista na manutenção da qualidade de vida. “Durante a residência médica, o foco é restrito à compreensão e ao tratamento das doenças, sem ênfase na promoção da saúde”, observa. Apesar disso, ele critica a falta de direcionamentos para realidades fora dos países de alta renda, como Estados Unidos e nações da Europa.

“O artigo menciona determinantes sociais, mas sem considerar barreiras enfrentadas em países em desenvolvimento, onde muitas vezes há acesso restrito à saúde, baixa escolaridade e dificuldades financeiras que inviabilizam uma alimentação saudável baseada em frutas vermelhas, proteínas e vegetais frescos”, destaca.

Para Haddad, outro ponto que deixou a desejar foi uma menção mais firme aos aspectos de saúde mental. Mesmo que a importância da regulação dos transtornos de afeto e humor tenha sido mencionada, e a conexão entre saúde física e mental seja algo implícito, ele acredita que uma abordagem mais aprofundada sobre abordagens para apoiar a saúde emocional poderia enriquecer o artigo.

“Independentemente das limitações, é perfeitamente plausível que, no futuro, essas sugestões possam se cristalizar em diretrizes formalmente reconhecidas e adotadas na prática clínica”, opina o neurologista do Oswaldo Cruz.

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