Análise de retina pode prever o risco de AVC no futuro, mostra estudo

Segundo pesquisadores, um conjunto de características dessa parte do olho é capaz de indicar como está a saúde dos vasos sanguíneos

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Por Layla Shasta

Dizem por aí que “o que os olhos não veem, o coração não sente”. Mas, para a ciência, os olhos revelam cada vez mais sobre o que acontece em todo o corpo. Um novo estudo, por exemplo, aponta que examinar a retina de uma pessoa pode ser uma nova forma de prever seu risco de acidente vascular cerebral (AVC). A pesquisa foi publicada na revista científica Heart, associada ao The British Medical Journal (BMJ).

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Os pesquisadores analisaram dados amplos e definiram um conjunto de 29 características da retina que indicam o status da saúde dos vasos sanguíneos – o que eles chamaram de “impressão digital” vascular.

O termo se deve ao fato de que cada pessoa possui padrões únicos em sua retina, funcionando como uma identidade individual, conforme explica Michel Farah, do Centro Oftalmológico São Paulo e H.Olhos de São Paulo.

Já a relação com o coração tem a ver com o fato de que a retina é repleta de pequenos vasos sanguíneos e é um dos poucos lugares do corpo onde esses vasos podem ser observados de uma forma não invasiva, dispensando métodos tradicionais, como o exame de sangue.

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Exame de retinografia registra, por meio de fotografias em alta resolução, o fundo do olho (capturando retina e nervo óptico). As informações adquiridas podem ajudar a prever o risco de doenças que vão além dos olhos. Foto: Kadmy/Adobe Stock

Como a pesquisa foi feita

Para o estudo, os pesquisadores analisaram exames de fundo do olho, que permite observar a retina, de mais de 45 mil pessoas cadastradas no Banco de Dados Biológicos do Reino Unido (UK Biobank) usando um algoritmo avançado, chamado de sistema de avaliação de saúde microvascular baseado em retina (RMHAS, na sigla em inglês).

Os participantes foram acompanhados por cerca de 12,5 anos. Neste período, ocorreram 749 AVCs entre o público observado.

Ao cruzar e analisar os dados, os cientistas identificaram um total de 118 características dos vasos da retina que poderiam ser usadas para mensurar informações sobre saúde. Destas, 29 se mostraram associadas ao risco de uma pessoa ter um AVC pela primeira vez.

Os pesquisadores descobriram que qualquer alteração nesses indicadores estava ligada a um aumento de 10 a 19% nas chances de sofrer um acidente vascular cerebral. Dentre os parâmetros analisados, os mais associados ao risco foram os ligados à densidade vascular, ou seja, à quantidade de vasos em uma determinada área.

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Apesar dos resultados promissores, não há previsão para o uso da tecnologia tão cedo. Segundo Laurentino Biccas, diretor da Sociedade Brasileira de Oftalmologia (SBO), a densidade vascular é calculada por algoritmos de inteligência artificial ou por análises complexas de imagem feitas em laboratório, o que ainda não é oferecido em consultório.

Retina é composta por uma camada de vasos sanguíneos Foto: Panama/Adobe Stock

A retina é uma extensão do cérebro

“A retina ilustra muito bem a situação vascular cerebral”, comenta Biccas. Isso porque, segundo o médico, ela é um prolongamento natural do cérebro, pois se conecta ao órgão por meio do nervo óptico. A oftalmologista e pesquisadora da Fundação Altino Ventura (FAV) Michelle Gantois também reforça que a microvasculatura da retina e do cérebro têm características anatômicas e fisiológicas em comum, o que permite uma avaliação não invasiva da vascularização.

Por isso, as descobertas do estudo não são exatamente uma surpresa para os oftalmologistas. “A gente já sabe há muito tempo que há biomarcadores importantes na retinografia”, comenta Biccas. Por meio da retina, é possível descobrir informações sobre diabetes, hipertensão e o risco de aterosclerose (o que chamamos de “entupimento das veias”), por exemplo.

De qualquer forma, eles reconhecem que é bom ver um estudo que formaliza essa relação e começa a detalhar alguns dos indicadores da vasculatura retiniana.

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O grande diferencial da pesquisa está no uso de inteligência artificial para analisar as imagens do fundo do olho com alta precisão, o que permite fazer a previsão em relação ao AVC. “Eles utilizam a retinografia, um exame relativamente barato, para capturar as imagens, mas o grande avanço está no software tecnológico que faz a análise”, explica Biccas.

Testes menos invasivos e mais vidas salvas

De acordo com os pesquisadores, a “impressão digital” vascular da retina demonstrou ser tão eficaz quanto o uso exclusivo dos fatores de risco tradicionais para prever o risco futuro de AVC.

Essa descoberta reforça o potencial de ferramentas não invasivas para melhorar a triagem e prevenção em saúde. “Os modelos atuais de predição de risco dependem fortemente de testes invasivos, como coletas de sangue, ultrassons, tomografias e ressonâncias magnéticas, que podem ser caros e menos viáveis para triagens em larga escala”, disse Christopher Yi, um dos autores do estudo, em comunicado à imprensa.

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Ele destacou ainda que essa abordagem pode ser integrada ‘perfeitamente’ em exames oftalmológicos de rotina, particularmente em ambientes de atenção primária.

Biccas ressalta que a identificação de pacientes com uma impressão digital de alto risco pode permitir intervenções preventivas e salvar vidas, ainda mais considerando que o risco de AVC pode ser reduzido com mudanças no estilo de vida. “Através dessas ferramentas de inteligência artificial, alcançaremos avanços que antes não eram possíveis”, afirma.

Biccas e Gantois destacam, no entanto, que o estudo é restrito à população do Reino Unido, com 90% dos participantes sendo de etnia branca, e que os achados ainda precisam ser validados em outras populações.

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