BRASÍLIA - Depois de ganhar na Justiça o direito de receber medicamentos importados para doenças que não têm tratamento no Brasil, pacientes precisam enfrentar outra batalha: a burocracia. A espera para que os remédios, na maioria das vezes essenciais para a manutenção da vida, cheguem ao País é em média de quatro meses, contados da decisão judicial. Esse é o prazo para que guias sejam preenchidas, alvarás liberados e, nos últimos meses, para que o aval do ministro da Saúde, Ricardo Barros, seja concedido.
Desde que assumiu o posto, Barros determinou que ele próprio liberaria a aquisição de medicamentos não fornecidos pelo Sistema Único de Saúde (SUS) cuja compra se tornou obrigatória por mandados judiciais. Questionada, a pasta confirma a nova exigência e atribui a mudança a uma estratégia de controle de gastos na área.
“Se para nós o prazo já é alto, imagine para um paciente”, afirma o representante de uma distribuidora, sob a condição de anonimato. Com a mudança, o prazo médio para todo o processo foi ampliado em, pelo menos, um mês, garante. “Agora são quase 120 dias entre a definição da empresa ganhadora para realizar a importação e a chegada do medicamento no porto.”
Além de mais uma etapa de compra, distribuidores se queixam de redução nos lotes importados. Para cortar despesas com frete e seguro da importação, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) passara a permitir que compras para atender a demandas judiciais fossem feitas para até seis meses de tratamento do paciente. Segundo distribuidoras, o Ministério da Saúde agora reduziu as aquisições para o suficiente para três meses. “Como são remédios caros, o frete e seguro dos produtos estão na casa de US$ 15 mil”, diz o distribuidor.
O Ministério da Saúde, no entanto, nega ter reduzido a quantidade. A pasta sustenta que as compras estão sendo feitas conforme diretrizes. De acordo com o custo do medicamento, a aquisição pode ser feita para um período que varia entre seis meses e um ano de tratamento.
A espera não ocorre só nas compras do governo federal. Secretarias Estaduais também são alvo de processos e muitas vezes são obrigadas pela Justiça a fornecer medicamentos que não estão no SUS. A maior parte das ações é sobre doenças órfãs – problemas considerados graves, raros e que não dispõem de tratamento no Brasil. Pacientes se queixam de que o tempo entre a decisão da Justiça e a chegada do remédio também é longa.
Mudança. Há exatos três anos, Any, de 8, começou a usar canabidiol para contornar as crises convulsivas. Diante dos resultados, os pais dela, Norberto Fischer e Katiele, ingressaram em 2014 com uma ação na Justiça para obter o produto. A medida provocou uma revolução nas regras, não só para o canabidiol, mas para outros medicamentos sem terapias no País.
“Há ainda muito o que melhorar, mas as coisas avançaram”, diz Norberto Fischer. A permissão do uso do canabidiol foi a primeira regra da Anvisa feita a partir da pressão de familiares de pacientes. Até então, a regulação era resultado de iniciativas dos diretores da autarquia ou da indústria de fármacos.
“O alcance dessas medidas é limitado, porque boa parte das compras é feita por meio de governos”, diz Fischer. A presidente da Associação de Familiares, Amigos e Portadores de Doenças Graves, Maria Cecília Oliveira, considera a burocracia grande. A Anvisa afirma receber em média 300 mil processo de importação por ano. A agência diz que estuda medidas para reduzir o prazo de análise dos pedidos.
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