Cortar o álcool pode ser uma arma contra a ansiedade e a depressão; saiba por quê

Os efeitos prazerosos da bebida são instantâneos, mas os negativos são demorados, o que faz com que seja difícil relacionar o álcool a seus efeitos adversos

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Por Richard A. Friedman

Tradicional no Hemisfério Norte (especialmente nos Estados Unidos e Reino Unido), a campanha Janeiro Seco tem como objetivo diminuir o consumo de álcool propondo um desafio de um mês sem bebidas alcoólicas. Para quem quer aderir, seja por motivos de saúde, dieta ou apenas se recuperando da alegria das festas de fim de ano, o início do ano é o momento perfeito para repensar o papel do álcool na sua vida.

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Ele é, de imediato, compensador – dependendo da rapidez com que você bebe e com que sobe no sangue – e pode relaxar, empolgar ou desinibir.

Mas a maioria das pessoas não percebe que, mesmo que os efeitos prazerosos do álcool sejam quase instantâneos, os efeitos negativos são demorados – muitas vezes se alastram por várias horas ou mesmo dias. E esse intervalo de tempo faz com que seja mais difícil ver a conexão entre o álcool e seus efeitos adversos.

Um paciente meu, um homem de 40 e poucos anos que eu estava tratando de depressão, ficou inexplicavelmente ansioso e deprimido com o retorno da insônia após muitas semanas de melhora sólida. Perguntei a ele sobre quaisquer fatores de estresse no trabalho e em casa, mas ele insistiu que não estava acontecendo nada de mais.

Então perguntei sobre seu consumo de álcool e descobri o motivo da piora no humor: depois de reduzir a bebida no início do tratamento por insistência minha, ele retomara o uso habitual de duas a três taças de vinho no jantar assim que passou a se sentir melhor.

O álcool é absorvido rapidamente e eliminado em 2 a 5 horas, deixando você alerta no meio da noite Foto: Kelsey Chance/Unsplash.com

Quando expliquei que o álcool tinha efeitos depressivos e era o provável culpado por sua recaída, ele não quis acreditar. “É relaxante, doutor, e me ajuda a desligar depois do trabalho”, disse ele. Então, propus um experimento: “Pare de beber no fim de semana e vamos ver o que acontece com seu humor na segunda-feira”.

Ele ficou surpreso – e convencido – com os resultados. Seu sono se normalizou e seu humor teve uma melhora nítida. Não era apenas que ele não soubesse que o álcool havia arruinado seu humor e seu sono; ele estava começando a beber mais a cada noite para conter a ansiedade provocada pelo álcool da noite anterior, estabelecendo um ciclo autossustentável de depressão, ansiedade e bebida.

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Você não precisa sofrer de depressão clínica nem ter um transtorno de ansiedade para sentir os efeitos negativos do álcool. Eles ocorrem mesmo em níveis moderados de consumo, típicos de quem bebe apenas socialmente, sem qualquer doença psiquiátrica.

Como o álcool interfere no sono

Você já notou a rapidez com que adormece depois de apenas uma ou duas taças de vinho, mas acorda algumas horas depois, perturbadoramente alerta?

O álcool tem efeitos sedativos impressionantes. Seu alvo é o “receptor Gaba” no cérebro, que aumenta a atividade do Gaba – o principal neurotransmissor inibitório do cérebro – e faz a mediação do efeito calmante do álcool. (Remédios como Ambien e os benzodiazepínicos, como Klonopin e Ativan, também modulam o receptor Gaba, mas em um local diferente.) O problema para o sono é que o álcool é absorvido rapidamente e em geral eliminado em duas a cinco horas, então a sedação desaparece, deixando você hiperalerta no meio da noite.

O álcool faz você dormir, mas suprime o sono REM – e os sonhos – e o desperta horas depois. Isso gera um sono de má qualidade e reduz a energia diurna, que você pode automedicar com cafeína, o que agrava a insônia e exige mais álcool para adormecer. E agora você se fechou em uma espiral descendente que se autoperpetua.

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Outro paciente que não tinha doença psiquiátrica evidente, mas que bebia muito à noite, certa vez perguntou se eu poderia passar uma receita de Ambien para sua insônia. Beba menos, eu disse a ele, e você vai dormir a noite toda. Ele não gostou do conselho, mas adorou os resultados.

Efeitos do álcool no cérebro

E quanto aos efeitos adversos do álcool no humor cotidiano? Há fortes evidências empíricas de que o álcool tem efeitos depressores e, além de um certo limiar que varia de pessoa para pessoa, pode causar depressão clínica. O aumento da ansiedade após uma noite de bebedeira, mesmo moderada, é comum, pois o efeito do álcool que aumenta o Gaba se dissipa rapidamente.

Já mencionei o potencial impacto do álcool na cognição? Não há dúvida de que beber em excesso é ruim para o cérebro, mas evidências recentes sugerem que mesmo o consumo modesto – cerca de quatro a cinco taças de vinho por semana – está relacionado a mais lentidão nas funções executivas e no tempo de reação.

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Um estudo recente com cerca de 20 mil pessoas descobriu que o consumo de álcool acima de 3,5 taças de vinho por semana estava associado a níveis mais altos de ferro em várias regiões do cérebro e pior desempenho em testes cognitivos. A boa notícia de outros estudos é que esses efeitos cognitivos normalmente são reversíveis depois que a pessoa para de beber.

Então, se você está sentindo ansiedade, tristeza, cansaço ou névoa mental, tente cortar o álcool por uma ou duas semanas. Você pode ter uma bela surpresa.

E se você já se comprometeu com o Janeiro Seco, talvez esteja se sentindo tão bem que não deveria voltar correndo para o álcool em fevereiro. Mesmo se você voltar, pode concluir que é melhor reduzir o consumo já que sentiu algumas das desvantagens do álcool para sua saúde mental. (TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZOU)

RICHARD A. FRIEDMAN É PROFESSOR DE PSIQUIATRIA CLÍNICA E DIRETOR DA CLÍNICA DE PSICOFARMACOLOGIA DO WEILL CORNELL MEDICAL COLLEGE

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