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Psiquiatria e sociedade

Opinião | Razão contra o terror

O terrorismo tenta nos impedir de agir racionalmente para alcançar seu objetivo

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Foto do author Daniel Martins de Barros

O objetivo do terrorismo não é matar as pessoas. Sem minimizar em absoluto a tragédia que se abate sobre as vítimas de explosões, atropelamentos e tiroteios - cada morte é um horror por si só, causando dor e sofrimento inimagináveis para as pessoas diretamente afetadas -, o local em que o terrorismo mais causa estrago é dentro da nossa cabeça. É isso que almejam os terroristas. E, infelizmente, a estratégia é eficaz.

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Uma das emoções mais fortes do ser humano é o medo. A alegria nos estimula a ter boas ideias, a compaixão nos incentiva a agir, a tristeza muda nossas atitudes, mas nada é tão poderoso como o medo. Ele nos leva a agir com prontidão, estimula mudança de comportamentos, movimenta mercados bilionários.

Tente se lembrar das coisas importantes que você fez por amor. Ou melhor: que deixou de fazer por causa dele. Compare agora com as coisas que já fez ou não por medo. Ele é um motivador incomparável. Provavelmente porque, dentre todas as emoções, essa deve ter sido a que mais ajudou a humanidade a deixar descendentes: quem parava para pensar se algo era ou não uma ameaça tinha mais chance de virar comida antes de se reproduzir do que aqueles que viam perigo em tudo. Raciocinar diante do perigo ajudava menos do que sair correndo ou partir para a luta. Por isso, até hoje temos dificuldade de pensar quando estamos estressados. Quem já teve um branco na hora da prova ou da apresentação sabe bem o que é isso. 

Mas existem variações em intensidade. Se um pouco de preocupação é bom para nos colocar em alerta, alerta demais causa ansiedade. E, ansiosos, passamos a enxergar ameaças para onde quer que olhemos - nosso entorno parece preocupante, o futuro torna-se sombrio, a tranquilidade afasta-se a passos largos. Nesse nível de medo, a razão já começa a perder a briga para a emoção, e nossas decisões já não são mais embasadas em cálculo racional. Conforme cresce a emoção, mais turva fica a razão - pacientes com crise de pânico conhecem como ninguém a sensação de não conseguir pensar claramente. Até que, ao se atingir o terror, ápice desse processo, as chances de colocar ordem nas ideias é nula.

Esse é o meio que o terrorismo usa - impedir-nos de agir racionalmente - para alcançar seu objetivo final: destruir as bases que sustentam o modo de vida das nações atacadas. Mobilizados por um temor irracional, passamos a restringir as liberdades, a cercear o direito de expressão, reduzir a mobilidade. Criamos inimigos, bodes expiatórios, até chegar ao ponto de nos encontrarmos em uma sociedade totalitária, arbitrária, irracional.

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A estratégia funciona porque nossa memória tem mais facilidade para se lembrar de eventos excepcionais do que dos corriqueiros. O marasmo do dia a dia não chama a nossa atenção, não sendo gravado na memória. Já o extraordinário, o inusitado, se impõe à nossa mente, tornando-se uma lembrança muito mais vívida.

E são nessas memórias enviesadas - mais preenchidas pelo raro do que pelo comum - que o cérebro se fia quando precisamos estimar a chance de algo vir a ocorrer. A probabilidade de morrer em um acidente doméstico é maior do que na explosão de um carro-bomba. Mas essas mortes habituais ocupam um espaço muito menor em nossa mente, parecendo mais raras. Acreditamos, então, que o terrorismo é muito perigoso, quando na verdade as chances de morrer em um ataque terrorista são mínimas. De acordo com o levantamento do cientista político Alex Nowrasteh, publicado pelo Cato Institute, é de 1 em 3.241.363 nos Estados Unidos. 

Fim do terror? Talvez nunca consigamos acabar com os terroristas - quando o sujeito não teme sua morte, pelo contrário, faz dela um instrumento na luta por uma ideologia sanguinária, é difícil impedir sua ação. Isso não quer dizer que não consigamos vencer o terrorismo. 

Menos de 24 horas depois do ataque que matou 13 pessoas em Barcelona, uma multidão se reuniu na cidade e após um minuto de silêncio passou a gritar: “Não temos medo”. Claro que estavam todos assustados, tensos. Mas a razão foi mais forte que o medo. É assim que venceremos o terrorismo. Racionalmente, impedindo-o de nos amedrontar até o ponto de desfigurarmos nossa civilização.

Opinião por Daniel Martins de Barros

Professor colaborador do Dep. de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da USP. Autor do livro 'Rir é Preciso'

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