
O Estado de São Paulo soma 116.550 casos prováveis de dengue nas cinco primeiras semanas epidemiológicas de 2025. São 54.026 casos confirmados, 62.594 em investigação e outros 53.669 descartados. Ao todo, 25 óbitos foram confirmados e 162 estão em investigação.
Considerada a alta taxa de positividade dos exames, os números devem superar os registrados no início de 2024, ano que ficou marcado como o pior da história da doença no País. Naquelas cinco primeiras semanas, foram contabilizados 71.419 casos prováveis no Estado, 80.435 casos foram descartados e houve 59 mortes.
“Não há dúvidas em dizer que 2025 vai ficar marcado – e não estou sendo alarmista ou pessimista. Será o pior ano de epidemia de dengue de toda a série histórica, não só no Estado de São Paulo, mas também no Brasil”, prevê o infectologista Alexandre Naime Barbosa, professor de Medicina na Universidade Estadual Paulista (Unesp) e coordenador científico da Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI).
Atualmente, as regiões com maior incidência no Estado são as de Araçatuba, São José do Rio Preto, São João da Boa Vista e Araraquara. Nelas, a taxa de positividade dos exames varia, sendo respectivamente de 72%, 36%, 94% e 59%. Com esses níveis, a estimativa é de que muitos casos que hoje estão em investigação sejam confirmados nas próximas semanas, quando costuma ocorrer o pico da doença. Tradicionalmente, a maior parte dos registros é observada nos meses de fevereiro, março e abril. Veja a seguir os principais trechos da entrevista com Barbosa.
Causa alguma surpresa os números de janeiro de 2025 serem superiores aos de 2024?
Surpresa nenhuma. Muito provavelmente 2025 vai ultrapassar, com uma alta taxa de mortalidade e número de casos, o pior ano, que tinha sido 2024. Nós estamos vivendo uma situação epidemiológica ainda mais grave do que a do ano passado.
Este ano está reunindo todas as condições para a tempestade perfeita em relação à dengue – isso porque 2024 já foi desastroso. Em 2024, tivemos 6 mil óbitos. Se você juntar todos os óbitos dos oito anos anteriores a 2024, eles não chegam aos 6 mil, e este ano vai ser pior.
O número de casos está bem maior. O número de óbitos aparentemente está menor, mas muitos ainda vão entrar como confirmados porque estão em investigação.
Por quê? Quais são essas condições?
Primeiro, as mudanças climáticas. Tem duas coisas que estão acontecendo: chovendo e fazendo calor. Maior pluviosidade e mais dias com a temperatura média alta – próxima a 26 ºC, 27 ºC, 28 ºC – são fatores perfeitos para a proliferação do Aedes aegypti. Nós estamos tendo esse tipo de regime, com mais calor e mais chuva, há muito tempo e isso está se espalhando pelo Brasil. Há cinco anos, não falávamos de dengue no Rio Grande do Sul, muito menos em Santa Catarina.

Segundo, temos um grande número de pessoas suscetíveis. Recentemente, uma pesquisa mostrou que menos de 30% dos doadores de sangue em São Paulo tiveram contato com o vírus e têm IgG positivo (anticorpos). Isso falando de adultos. Se baixarmos para crianças e adolescentes, provavelmente a suscetibilidade vai ser ainda maior. E estou falando de ter contato, mas, se você tem dengue uma vez, pode ter de novo com os outros três sorotipos.
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E temos também o sorotipo 3, que está circulando em São Paulo e está tendo um papel determinante no aumento dos casos em determinadas regiões, como em Araçatuba e Rio Preto. Ele não circulava aqui no Estado há décadas. A maioria das pessoas nunca teve dengue do tipo 3 e todo mundo é suscetível.
Por isso, não há dúvidas em dizer que 2025 vai ficar marcado – e não estou sendo alarmista ou pessimista. Será o pior ano de epidemia de dengue de toda a série histórica, não só no Estado de São Paulo, mas também no Brasil.

Quais medidas podem ser tomadas?
É importantíssimo que todo mundo se mobilize porque todos já sabem o que fazer. Promover ações junto à comunidade para diminuir os criadouros; incentivar o uso de repelente, principalmente nas pessoas com maior risco de agravamento, que são crianças, gestantes, idosos e pessoas com comorbidades; e estimular a vacinação, tanto na rede pública quanto para aqueles que podem comprar.
O município do Rio de Janeiro, que tem estoque da vacina, decidiu ampliar a faixa etária do público-alvo da vacinação, passando crianças e adolescentes de 10 a 14 anos para aqueles de 10 a 16 anos. A ampliação do público-alvo pode ser uma medida interessante?
Pode, porque o que não dá é ter uma epidemia de dengue que tem contornos de ser a pior da série histórica e ficar guardando vacina. É concebível um País com epidemia de uma doença que está matando cada vez mais, que tem uma vacina gratuita que reduz a mortalidade em 90% e ela estar sobrando? Não faz sentido. É a mesma coisa que você estar morrendo de sede no deserto, ter uma barraca de água gelada e você passar reto.

A bula brasileira da vacina Qdenga informa que ela é indicada para pessoas de 4 a 60 anos.
A bula brasileira. A bula europeia, aprovada pela EMA (European Medicines Agency), diz “acima de 4 anos”. Aqui no Brasil, podemos prescrever a vacina de dengue para pessoas acima de 60 anos desde que o pedido esteja justificado, que tenha uma receita médica.
Por exemplo, eu faço o receituário e coloco que a relação custo-benefício se justifica. Por quê? A ciência imagina que, após os 60 anos, comece a imunossenescência, que é o envelhecimento do sistema imune. Então, ele pode ficar mais fraco. Como a vacina de dengue é composta por vírus atenuado, em teoria, haveria mais risco de uma doença causada pela vacina. Mas isso nunca foi visto na realidade. Então, se tenho um paciente com mais de 60 anos que, do ponto de vista constitucional, do ponto de vista de avaliação clínica, é imunocompetente, posso prescrever a vacina.
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Eu acho que deveria ser discutido junto à Anvisa o aumento da faixa etária da vacina porque é justamente na população de 60 anos ou mais que observamos maior impacto de hospitalização e óbito. Como é feito, por exemplo, na Europa.
As ações estão condizentes com o cenário que se desenha?
Do ponto de vista do poder público, surpreendentemente, estamos vendo ações coerentes, coordenadas e rápidas tanto em nível federal, com a criação do COE (Centro de Operações de Emergência em Saúde), com toda uma estruturação de auxílio a estados e municípios, envio de kits de teste rápido e capacitação, quanto por parte do governo estadual. Os municípios, os estados, aquela estrutura tripartite está, sim, alerta e já agindo porque sabe que este ano vai ser o pior.
O problema é que existe uma gigante, uma enorme falta de percepção de risco da população. A população não entendeu que dengue mata. A dengue ficou normalizada como uma doença com a qual a gente convive, e isso não é verdade. Hoje temos várias formas de mitigar, de diminuir o impacto da dengue, controlando o vetor, usando repelente nas populações de mais alto risco e vacinando a sociedade.
O que diz o governo de São Paulo
Recentemente, o secretário de Saúde, Eleuses Paiva, mencionou que há possibilidade de o Estado enfrentar mais casos graves da doença em 2025. “Vamos ter um grande desafio neste ano”, disse no último dia 23.
Tatiana Lang, diretora do Centro de Vigilância Epidemiológica (CVE) do Estado de São Paulo, evita cravar cenários. “É bem provável (que os casos de 2025 superem 2024)”, afirma. Para ela, uma maior sensibilidade em relação ao diagnóstico e à testagem poderia elevar o número de casos suspeitos sem necessariamente refletir nos casos confirmados.
Mas ela também vê os mesmos fatores por trás dos números — mudanças climáticas, suscetibilidade e circulação do sorotipo 3 do vírus — e a importância de ampliar o público-alvo da vacina. “Enviamos um ofício para o Ministério da Saúde, no dia 14 de novembro, pedindo a ampliação para toda a população, na faixa etária preconizada na bula”, afirma.
Segundo Tatiana, diante do iminente vencimento de doses da vacina, algumas cidades paulistas ampliaram a idade de vacinação e, nas reuniões semanais com o Conselho dos Secretários Municipais de Saúde (Cosems), o governo tem incentivado a busca ativa de crianças e adolescentes.
Outras ações recentes, diz, são o envio de recursos para todos os municípios organizarem o trabalho de combate ao mosquito e atendimento aos pacientes; o empréstimo de equipamentos de nebulização e a divulgação de orientações.