Já tive a oportunidade de trabalhar com atletas olímpicos de diferentes modalidades, algumas das quais eu conhecia, sabia das demandas que os atletas enfrentavam. Outras, ao conhecer as diferentes nuances, me marcaram profundamente.
Rugby
Certa vez, atendi um atleta de rugby que estava concorrendo a uma vaga na seleção brasileira. Um homem de cerca de 1,85 metro de estatura, pesando 108 kg. Automaticamente pensei que ele queria emagrecer, mas ele me disse que seu objetivo era ganhar 10 kg para chegar pelo menos aos 118 kg em dois meses.
Fiquei muito surpresa, pois apesar de já ter atendido outros atletas daquela modalidade e conhecer um pouco das demandas, não esperava aquela resposta. Ele me explicou, então, que a posição dele era de “pilar”, que precisava ser forte e grande, pois tinha muitos embates corpo a corpo e, para conseguir brigar pela vaga, tinha que ganhar peso.
Vela
Outra atleta que me marcou foi uma velejadora. Ela queria emagrecer perto de 7 kg para a próxima competição em algumas semanas, mas não era apenas isso. Depois dessa prova, ela precisava de uma dieta para ganhar peso rapidamente.
Intrigada com o efeito sanfona desejado, que é o que todo mundo quer evitar, pedi para me explicar. Ela me disse que, naquela modalidade, o vento era crucial, mas que, obviamente, ela não tinha como controlar isso. A única coisa que ela conseguia controlar de modo significativo era o peso dela para estabilizar a vela.
Sendo assim, se a competição fosse em um local que costuma ventar pouco, ela precisaria estar mais leve, para desempenhar melhor. Se a competição fosse em local de muito vento, seria interessante estar mais pesada para estabilizar melhor a vela. Naquele ano, ela teria uma sequência de provas em que os locais oscilavam muito entre os dois tipos, fazendo com que ela também tivesse que oscilar seu próprio peso entre as competições.
Ginástica artística
Quando você começou a ler essa coluna, talvez tenha pensado que iríamos falar dessa modalidade, que é uma das mais complicadas quando falamos em corpo atlético.
Escutei relatos de atletas que, durante a concentração da seleção, eram pesados várias vezes por dia, com um limite para a oscilação do peso entre as medições. Para tentar atender ao rigor exigido, eles usavam as mais diferentes - e doentias - estratégias. Sabendo que a ginástica artística é uma das modalidades que trabalham com especialização precoce, em que atletas olímpicos muitas vezes ainda estão no início da adolescência, esse comportamento se mostra ainda mais preocupante, pelo risco de desenvolvimento de transtornos alimentares.
Esses transtornos são doenças psiquiátricas altamente debilitantes, que oferecem uma série de riscos à saúde e, claro, também à performance esportiva. Levantamentos indicam que a ginástica artística possui alta prevalência de atletas com transtornos alimentares, mas essa não é uma exclusividade da modalidade.
Um estudo encontrou que a prevalência de transtornos alimentares em atletas pode variar de 6% a 45%, dependendo da modalidade. A prevalência é maior em modalidades que enfatizam a magreza corporal, como ginástica artística, ginástica rítmica, algumas aquáticas e em modalidades com categorias baseadas no peso corporal, como lutas.
Outro dado importante é que o risco é maior em mulheres, com prevalência de até 45% em algumas modalidades, enquanto em homens esse número pode chegar a 19%.
Luz no fim do túnel
Alguns anos atrás o governo australiano publicou um posicionamento muito completo sobre transtornos alimentares em atletas e focou na importância do diagnóstico precoce e, acima de tudo, na prevenção, ensinando os profissionais da área a identificar comportamentos de risco em atletas e como ajudá-los antes que o quadro se agrave.
Quem já esteve envolvido com o meio esportivo sabe que uma das premissas é que esporte de alto rendimento não é sinônimo de saúde. Como fazer então para auxiliá-los a alcançar o sucesso, pensando não apenas na performance, mas também no humano por trás daquele uniforme?
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O julgamento do telespectador
Nos últimos Jogos Olímpicos, me lembro de comentários críticos a alguns atletas olímpicos que fugiam do padrão corporal que o telespectador esperava. Não é irônico que o atleta, ao atingir a excelência para representar seu País e competir com os melhores do mundo, receba críticas por sua aparência vindas de pessoas com uma visão estereotipada – e, por que não dizer, medíocre? Mundo estranho esse!
Considero que a beleza dos Jogos Olímpicos está em presenciar a diversidade de corpos. Não existe o ‘corpo de atleta’, cada modalidade é única e, com isso, os requisitos para se sobressair também são.
Algumas modalidades precisam de mais força nos membros superiores, como os ginastas masculinos. Outras, nos membros inferiores, como ciclistas de velocidade. Alguns atletas precisam ser mais altos, como no basquete; ou mais baixos, como na ginástica artística; ter força de explosão, como corredores de velocidade; e por aí vai.
A beleza está em ver que toda forma corporal encontra seu lugar no esporte, dos mais altos aos mais baixos, dos mais magros aos gordos. O esporte é inclusivo, por que você não pode ser também?
As Olimpíadas estão aí para nos mostrar que a beleza do corpo humano está na capacidade de realizar coisas incríveis. Nessas semanas, todo dia é dia de superação – principalmente neste País em que o incentivo ao esporte e o efetivo apoio aos atletas continuam insuficientes – e a nós cabe bater palmas e honrar o esforço deles com a nossa admiração e respeito.
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