Emergência da covid-19 movimenta no País mais de R$ 5 bilhões em doações

Maior parte é proveniente de grandes empresas, como Itaú e Vale, mas pessoas físicas, mesmo com pequenas quantias, colaboram para mudar o cenário de filantropia

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Por Giovana Girardi
Atualização:
4 min de leitura

A emergência nacional de saúde, social e econômica provocada pela pandemia de covid-19 criou uma onda de solidariedade no Brasil que já resultou em mais de R$ 5 bilhões de doações. A maior parte é proveniente de grandes empresas, mas pessoas físicas, mesmo com pequenas quantias, colaboram para mudar o cenário de filantropia no Brasil. Até áreas que não tinham tradição de captar recursos, como a ciência, estão se beneficiando. E a expectativa é de que, da tempestade, possa surgir uma cultura maior de doações no Brasil.

O dado foi compilado pela Associação Brasileira de Captadores de Recursos (ABCR), que criou um monitor das doações para mapear as ações de combate ao coronavírus. Segundo a organização, o valor é inédito no País. O último censo sobre filantropia feito no País, referente a 2018, pelo Grupo de Institutos Fundações e Empresas (Gife), rastreou um total de R$ 3,25 bilhões de doações ao longo de todo aquele ano. Com a resssalva de que esse censo só mede o volume de recursos corporativos, de investidores sociais.

Emergência da pandemia de coronavírus aumentou de modo expressivo a filantropia no Brasil. Mais de R$ 5 bi já foram mobilizados, desde doações de grandes empresas a campanhas mais sociais, como essa distribuição de marmitaspelo projeto Panela Coletiva Foto: Cacá Machado

“Existe pouco dado sobre filantropia no Brasil, o que é lamentável. Resolvemos fazer o monitor porque percebemos que algo estava acontecendo em decorrência da pandemia. Em um fim de semana, vi anúncios de doações que chegavam a quase R$ 500 milhões”, conta Márcia Woods, presidente do conselho deliberativo da ABCR. O site foi lançado no dia 31 de março, com esse valor. Nesta sexta, dois meses depois, já somava mais de R$ 5,2 bilhões.

A maior parte (86%) é proveniente de empresas, sendo Itaú, Vale e JBS os principais doadores. Campanhas de financiamento coletivo respondem por 7% das doações. “Mas são mais de 300 campanhas, que juntas já arrecadaram mais de R$ 345 milhões. São mais de 320 mil pessoas doando, de R$ 5 a R$ 1 mil. É bastante democrático e diverso”, relata Márcia.

Cerca de 70% das doações são direcionadas para infraestrutura e insumos de saúde (como máscaras, EPIs e reagentes para testes). Outra parcela grande é para lidar com os impactos socioeconômicos do isolamento e da pandemia. “Muitas campanhas são pensadas para a segurança alimentar, fazendo chegar alimentos onde o benefício do governo não chega”, afirma.

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A pandemia, apontam especialistas ouvidos pelo Estadão, escancarou as fragilidades que o País já tinha há muitos anos, em especial nos sistemas de saúde – de falta de leitos e de equipamentos e da nossa capacidade de responder a uma emergência – e trouxe à tona a necessidade de haver uma rede de colaboração mais estruturada.

Uma pesquisa feita em 2016 sobre o perfil das doações no Brasil já havia revelado que o brasileiro é solidário, mas age muito com base na emoção do momento – como em uma tragédia –, mas em geral não tem muita constância em sua filantropia. “A maioria (62%) doa bens, como roupas. Essa é a clássica doação do brasileiro. Ele ajuda em desastres, campanhas do agasalho”, afirma Paula Fabiani, diretora-presidente do Instituto para o Desenvolvimento do Investimento Social (Idis), que conduziu o estudo.

O instituto criou para a pandemia o Fundo Emergencial para a Saúde, que já arrecadou R$ 37 milhões para hospitais que atendem pelo SUS e algumas instituições de pesquisa, como a Fiocruz. A maioria do recurso vem de empresas, mas pelo menos R$ 1,6 milhão foi doado por mais de 10 mil pessoas.

A pesquisa do Idis havia mostrado que, entre os que doam, 46% o fazem para organizações não governamentais, mas menos de 20% são recorrentes. “É uma doação casuística, emotiva. O brasileiro quer aliviar o sofrimento imediato de alguém, mas não age de uma forma estratégica para mudar um determinado cenário”, define Paula.

Segundo ela, o instituto observou também, em pesquisa posterior, que o brasileiro não tem clareza sobre qual é a causa que lhe motiva nem sobre o papel das organizações da sociedade civil. A expectativa é de que isso talvez possa mudar com a pandemia, com os movimentos de doações se tornando mais frequentes e organizados. “Acredito que a era da solidariedade veio para ficar. Ou pelo menos os aportes das empresas. Há uma cobrança mundial para que elas tenham um maior comprometimento. Para que o papel delas não seja só gerar lucro, mas valor para a sociedade e para o ambiente”, diz Paula.

Incentivos fiscais

Um gargalo para o aumento dessas iniciativas é a falta de incentivos fiscais. Alguns só valem para empresas que declaram lucro real. Para pessoas físicas, também há incidência de impostos.

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Por causa da pandemia, foram apresentados no Congresso 12 projetos de lei de isenção para as doações voltadas para o combate à covid-19. “É louvável, mas queremos que seja uma alteração perene, e não só para a saúde. A pandemia terá um impacto socioeconômico gigante. Queremos isenções para todas as organizações sem fins lucrativos atuando em diferentes causas”, afirma Márcia.

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