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Fora dos stories, você está bem? Por que é perigoso esconder a tristeza

Em tempos de positividade forçada e ‘instagramável’, é preciso reconhecer, acolher e respeitar os momentos melancólicos - os seus e os dos outros - e aprender com eles

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Por Kátia Arima
Atualização:

“É melhor ser alegre que ser triste.” A frase, que inicia o famoso Samba da Bênção, de Vinicius de Moraes, dificilmente vai ser contestada por alguém. Afinal, quem quer encarar esse sentimento incômodo, muitas vezes doloroso? Apesar disso, o músico e poeta nos próximos versos reconhece: “Mas pra fazer um samba com beleza é preciso um bocado de tristeza.” Os artistas ao longo da história foram admirados por se inspirarem na miríade de emoções humanas para produzirem suas obras, mas parece que os sentimentos considerados negativos foram “cancelados” – nas redes sociais, predominam os sorrisos das festas e das viagens de famílias e amigos aparentemente perfeitos, entre outros registros de momentos incríveis vividos por tantas pessoas.

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Profissionais da saúde mental observam o comportamento de tentar esconder e ignorar a tristeza nos tempos atuais e alertam: é preciso reconhecer e acolher a tristeza, já que ao varrê-la para baixo do tapete ela pode se arrastar por mais tempo e até desencadear uma depressão.

A tristeza é uma resposta natural a nossas perdas e nos ajuda a gerenciá-las, explica o psicólogo e escritor Rossandro Klinjey, autor do livro O Tempo do Autoencontro: Como Fortalecer-se em Tempos Difíceis e Vencer os Desertos da Vida. “Embora possa ser desconfortável, não se permitir viver a tristeza prejudica a nossa vida emocional. Desenvolvemos a capacidade de nos adaptar e evoluir emocionalmente na medida em que respondemos à experiência de processar nossas dores. Ao fugir da tristeza, perdemos todo esse aprendizado essencial de nossas vidas”, diz.

É preciso reconhecer e acolher a tristeza, já que ao varrê-la para baixo do tapete ela pode se arrastar por mais tempo e até desencadear uma depressão Foto: Caterina Bessell

O psicólogo esclarece que acolher a tristeza não significa afundar-se na auto piedade. “Essa permissão de entristecer-se funciona como uma etapa inicial de sair da própria tristeza e de se desenvolver. É um equívoco levar a vida como se nada estivesse abalando seu universo íntimo.” Segundo Klinjey, quando uma pessoa está triste e prefere ficar só, está se valendo de um mecanismo de proteção para se manter seguro em um momento de vulnerabilidade – o que precisa ser respeitado pelas pessoas ao redor. “Além disso, ficar só quando estamos tristes nos ajuda a reduzir estímulos emocionais desnecessários, dando espaço para lidarmos com sentimentos intensos ou complexos”, acrescenta.

Ao ser diagnosticada com câncer de mama, a fisioterapeuta Mariana Fernandes, de 38 anos, entrou em desespero, assim como tantas mulheres que passam por essa situação. “Chorei de manhã, tarde e noite por uma semana. A gente tem que chorar porque é triste, doloroso e sofrido. Mas depois resolvi olhar pra frente”, conta.

No início, ficou incomodada em demonstrar a tristeza para suas filhas, de 7 e 9 anos, mas depois percebeu que era importante que elas entendessem que a vida não era feita só de alegrias. “Expliquei para elas que eu estava triste, mas que ia melhorar. Elas sofreram junto, mas cresceram com tudo isso, assim como toda a família”, diz ela, que fundou em outubro a comunidade Anjo Rosa, para ajudar pessoas em tratamento do câncer de mama.

A tristeza é um sentimento incômodo, mas isso é importante para ativar o foco da pessoa, afirma o psiquiatra Daniel Martins de Barros, autor do livro O Lado Bom do Lado Ruim. “Se a tristeza fosse agradável, não serviria de alarme para nós”, diz. Segundo Barros, o sentimento de tristeza vem quando temos a noção de que perdemos algo, o que nos leva a uma baixa de energia, com uma postura de não-enfrentamento. “Uma das funções da expressão das emoções é modular o comportamento do outro, que tende a interromper uma agressão ao perceber a expressão de tristeza e dor”, explica.

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O luto, que é a expressão máxima da tristeza humana, funciona como um amargo remédio para elaborar uma perda, afirma o psiquiatra. “É preciso viver a dor de reconhecer que as chances acabaram. É o único caminho para conseguir seguir em frente”, diz Barros.

Quem não se permite vivenciar o luto não se liberta, afirma a psicóloga e psicanalista Beatriz Breves, autora de diversos livros sobre a “ciência do sentir”. “Há pessoas que caem no luto patológico e passam 20 anos de sofrimento, apegadas, com roupas e outras coisas da pessoa que se foi”, diz.

Saber reconhecer e nomear os sentimentos é fundamental – e eles aparecem como uma “salada de frutas”, já que não andam sozinhos, segundo a psicóloga. “A tristeza sempre vem acompanhada de outros sentimentos como angústia, esperança”, diz. Para Beatriz, diante da complexidade de sentimentos, é preciso escutá-los para que seja possível digeri-los. A psicóloga explica que não é possível frear um sentimento. “A tristeza pode ser reprimida, mas sob o risco de ativar uma depressão”, alerta.

Assim como é importante aceitar e gerenciar a própria tristeza, é preciso acolher a dor alheia, em vez de tentar abafá-la. “Tem quem diga para as crianças engolirem o choro e não ficarem tristes. Isso é muito ruim”, afirma a psicóloga Beatriz. Ao perceber que alguém está triste, a melhor atitude é oferecer a escuta. “Seja empático e não simpático. O simpático tenta apagar a dor, o empático entende que alguém está passando por uma dor e se oferece de suporte”, diferencia.

Empatia

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Mariana Fernandes, que recebeu o diagnóstico de câncer de mama duas vezes, acredita que a escuta empática é a melhor forma de apoiar quem está passando por uma fase difícil. “É importante estar ao lado e deixar a pessoa falar quando quiser e o que quiser, sem dizer nada. Isso ameniza a dor e faz a pessoa se sentir acolhida.”

Desde criança, a escritora e jornalista Leila Ferreira teve a permissão de vivenciar a sua tristeza. “Minha mãe nos ensinou a acolher os nossos estados de espírito e os dos outros. Ela nos liberava para sentir a vida como um todo, expressar os sentimentos, mesmo que fossem tristes, sem falsear. Ser mais verdadeiro é mais saudável”, diz. Em dezembro, ela fez uma palestra com o tema “A alegria de poder estar triste” no TEDx de uma faculdade em Minas Gerais, entre outras apresentações que tem feito sobre o assunto.

Segundo a escritora, vivemos em tempos em que as pessoas tentam banir a tristeza o que empobrece a vida e reduz o próprio sentido da felicidade. “É um mundo frenético, que quer manter uma felicidade forjada, esfuziante e permanente. Estimula o barulho, o falar, o estímulo. Há uma baixa tolerância ao silêncio, mas a vida pede eventualmente esse recolhimento e silêncio”, analisa.

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Leila explica que não faz ode à tristeza: sempre equilibrou os momentos de melancolia com muita alegria de viver. “Sentir felicidade é o desejo mais legítimo do mundo. O que faz mal é simular uma alegria que não está sentindo, influenciado pela positividade tóxica dos nossos tempos.” Na visão dela, existem gurus da “ditadura da felicidade” que dizem que só dependem de você se sentir bem. “Isso acaba sendo uma fonte de infelicidade, que só deixa as pessoas piores. Elas se sentem incompetentes, frustradas, culpadas, diante das milhões de postagem de pessoas supostamente felizes nas redes sociais.”

O filósofo e professor Marcio Krauss também enxerga a sociedade em que vivemos como obcecada pela positividade. “A dor, frustração, vulnerabilidade são ocultas, como se houvesse um filtro igual o das redes sociais, que esconde os traços humanos de imperfeição”, diz.

Na visão de Krauss, esse é um sintoma da chamada “sociedade do cansaço” definida pelo filósofo coreano Byung-Chul Han, na qual as pessoas são ao mesmo tempo escravas e algozes de si próprias, na busca incessante por desempenho e produtividade. “É o imperativo do ‘sim’, em que o próprio indivíduo se sente culpado ou fracassado caso se sinta cansado ou triste, pois internalizou a cobrança. Todas as pessoas estão numa corrida inalcançável, seja no trabalho, em casa, no restaurante ou na academia”, descreve.

Agridoce

A indústria cultural, seguindo a lógica de mercado, também segue esse padrão, fazendo adaptações para trazer novos produtos de forma rápida, observa o filósofo. Tem um papel diferente da arte, que sempre foi importante para ajudar as pessoas a refletirem e ampliarem seus horizontes. “As músicas mais tocadas hoje sobre ‘sofrência’, por exemplo, não encaram a dor como deve ser encarada. Elas falam da tristeza de forma rasa, como um entretenimento esvaziado de sentido”, diz Krauss.

Por milhares de anos, artistas e pensadores exploraram o poder do “agridoce”, que mescla os estados de saudade, pungência e tristeza, mas a cultura contemporânea é curiosamente silenciosa sobre isso, afirma a escritora norte-americana Susan Cain, que lançou em setembro no Brasil o livro O Lado Doce da Melancolia. “É hora de reviver essa tradição. A tristeza e a saudade têm o poder de nos tornar inteiros. São nossas lágrimas, não nossas risadas, que nos levam a um mundo melhor e mais conectado”, diz. Susan explica que o estado agridoce traz uma alegria penetrante com a beleza do mundo por reconhecer a luz e a escuridão, o nascimento e a morte, o amargo e o doce.

Famosa por seu livro O Poder dos Quietos, que entrou na lista dos mais vendidos do jornal norte-americano The New York Times, Susan Cain conta que resolveu escrever o seu último livro porque queria entender o paradoxo de como uma música triste pode nos deixar felizes e como era possível sentir as duas emoções ao mesmo tempo. “Eu era obcecada por músicas tristes e em tons menores. Hallelujah de Leonard Cohen foi como meu hino pessoal”, conta. Para desenvolver a sua obra, Susan mergulhou no tema por cinco anos. E sua mais importante conclusão foi que esse estado mental “agridoce” é uma porta de entrada para a criatividade, conexão e transcendência.

Escritora Liana Ferraz busca respeitar e acolher seus momentos de tristeza, que também servem como inspiração para a sua obra. Foto: Felipe Rau/Estadão

É assim para a escritora Liana Ferraz, autora do livro de poesias Sede de me Beber Inteira. “Eu acho a tristeza tão misteriosa, tão introspectiva, tão…humana! E, por não ser o tema da nossa época, me sinto muito convidada a falar sobre”, diz. Ao se deparar com este sentimento, Liana não faz esforço para que ele suma. “Como tenho a criatividade como bússola, sei que estou diante de algo pulsante quando, ao olhar para a tristeza, quero dissecá-la e fazer composição com ela”, diz.

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Liana afirma que adora ser escritora por ser obrigada a olhar para todas as emoções, mas deixa claro que não devemos nos entregar à tristeza incapacitante. “Se o processo é patológico, nada brilha aos olhos.”

Foi a partir de uma tristeza profunda que Liana se descobriu “artista das palavras”. Ela conta que queria ser atriz, o que era um segredo, mas teve uma doença que a impossibilitou temporariamente de andar e minou o seu sonho. “Ficava achando palavras para a dor física, para a frustração de não estar na escola, para o sentimento de não pertencer ao meu grupo de amigos.” Percebeu, então, que se não fosse atriz poderia escrever e ser, ainda assim, artista. “No meio dessa dor imensa, descobri que poderia ‘andar’ com as palavras”, diz Liana, que superou a doença, se formou atriz – mas escolheu trabalhar como escritora.

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