O investimento do País em pesquisas voltadas para prevenção e controle de doenças negligenciadas sofreu uma redução de 42% em apenas um ano. Relatório G-Finder, ligado à Fundação Bill e Melinda Gates, mostra que o Brasil reservou em 2017 R$ 21 milhões para a área. Com a drástica retração comparada com 2016, o Brasil sai do grupo dos 12 maiores financiadores globais no setor. E, pela primeira vez na história, é superado pela África do Sul. A queda nos investimentos é atribuída sobretudo à Emenda Constitucional que definiu um teto para gastos públicos.
São consideradas doenças negligenciadas aquelas com alta incidência entre população de baixa renda, causadas por parasitas ou agentes infecciosos. Integram esse grupo, por exemplo, dengue, malária, leishmaniose, Doença de Chagas e esquistossomose - todos problemas ainda muito presentes e até mesmo em expansão no País.
“A queda nos investimentos e da consequente posição brasileira no ranking de financiadores globais não é um mero problema de imagem. Ela traz graves reflexos práticos”, afirma o presidente da Sociedade Brasileira de Medicina Tropical, Sinval Pinto Brandão Filho. O médico observa que o corte de orçamento ameaça projetos que há tempos estavam em curso. “Iniciativas nessa área exigem esforço contínuos, de longo prazo, previsibilidade.”
Coordenador de projetos da Iniciativa Medicamentos para Doenças Negligenciadas (DNDi), Jadel Kratz avalia que o corte de investimentos retarda progressos essenciais para uma parcela importante da população. A meta de pesquisadores em todo o mundo - incluindo o Brasil - é desenvolver medicamentos que sejam de fácil aplicação e, de preferência, que dispensem refrigeração. Produtos com essas características ajudam a ampliar o acesso de terapias a áreas mais remotas.
Enquanto os investimentos se reduzem, os indicadores das doenças continuam a assustar. O Brasil contribuiu, por exemplo, com 93% dos casos novos de hanseníase nas Américas. Em 2017, quase metade de todos os novos casos de dengue na América Latina e Caribe foram registrados no Brasil. O País respondeu ainda por 70% das mortes no mundo por doenças de Chagas.
A queda de investimentos registrada pelo Brasil vai na contramão da tendência internacional. O relatório G-Finder lançado nesta quarta-feira, 22, mostra que nunca o mundo investiu tanto em pesquisa e desenvolvimento na área de doenças negligenciadas quanto em 2017.
Instituições públicas, sem fins lucrativos e empresas privadas aplicaram ao todo US$ 3,566 bilhões para o desenvolvimento de produtos ligados à prevenção, controle e tratamento das doenças. Isso representa um salto no orçamento de US$ 232 milhões (o equivalente a 7%) comparado com o ano anterior. Esse foi o maior crescimento em termos absolutos desde 2008. E a primeira vez, desde 2009, que é registrado um aumento de dois anos consecutivos de investimentos para doenças negligenciadas.
O setor público responde por quase dois terços do investimento total na área. Em seguida, vêm instituições filantrópicas, com 19% e a indústria, com 16% do investimento global.
Apesar do aumento, há ainda um longo caminho a se percorrer. O Painel de Especialistas da Organização Mundial da Saúde para a Estratégia Global e Plano de Ação sobre Saúde Pública, Inovação e Propriedade Intelectual recomenda que países membros comprometam ao menos de 0,01% de seus PIBs para pesquisas de doenças negligenciadas. O Brasil, por exemplo, destina apenas 0.0004%.
O relatório aponta que a diminuição dos gastos públicos brasileiros acabaram por provocar uma redução dos financiamentos do BNDES (uma queda de 72%) e da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP - com redução de 67%).
Em nota, a FAPESP informou que recursos destinados às pesquisas oscilam em função da demanda e dos projetos aprovados. De acordo com a fundação, doenças negligenciadas são prioridade. Os dados fornecidos pela instituição mostram que, em 2017, a FAPESP desembolsou R$ 1,058 bilhão a 24.026 projetos de pesquisas científicas que estavam vigentes no período em todas as áreas de conhecimento. Foram 10.186 projetos aprovados entre 19.980 solicitações. Em 2016, por sua vez, o desembolso foi de R$ 1,137 bilhão a 24.685 projetos vigentes em todas as áreas de conhecimento. Foram aprovados no ano 10.480 novos projetos, a partir de 19.769 solicitações.
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