Há quem diga que os grãos de kefir foram um presente divino dado aos caucasianos – povos que vivem em uma região de fronteira entre a Europa e a Ásia – pelo profeta Maomé, que por sua vez os recebeu de Alá. Não à toa, ele também é chamado de “milho do profeta”.
O motivo para a crença talvez seja o fato de, historicamente, a bebida produzida a partir desse aglomerado de micro-organismos ser empregada pela sabedoria popular no tratamento de diversas doenças. “Kefir”, inclusive, vem do turco e significa “bem-estar”.
De fato, muitos o consideram uma substância que faz bem – e a ciência tem somado evidências nesse sentido. Conheça a seguir os benefícios do líquido e como produzi-lo.

O que é?
Kefir é o nome dado a uma bebida fermentada rica em leveduras e bactérias como lactobacilos.
Na versão mais conhecida, a fermentação dos grãos ocorre no leite. A presença dos aglomerados de micro-organismos dá à mistura a aparência de uma coalhada e, após os grãos serem coados, o resultado é uma espécie de “super iogurte”.
Há ainda o kefir feito na água com açúcar mascavo. Ele também vem dos grãos, mas a bebida fica com a aparência semelhante à de um chá após o conjunto ser coado.
De onde vem?
A história do kefir remonta às montanhas do Cáucaso. Acredita-se que povos da região descobriram que o leite guardado em bolsas de couro poderia ocasionalmente fermentar, virando uma bebida leve e borbulhante.
É o que explica o grupo de pesquisa ‘Kefir do Recôncavo’, da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB). Das terras montanhosas, os grãozinhos e suas bebidas se espalharam pelo mundo, chegando até o Brasil.
Quais os benefícios?
Estudos têm mostrado que o kefir tem o potencial de ajudar na digestão, na redução do colesterol e no controle da pressão e do diabetes. Ele também auxiliaria no fortalecimento do sistema imunológico e na diminuição do risco de alguns tipos de câncer.
Essas informações estão descritas em estudos como a revisão publicada no periódico Foods. A associação à ação positiva vem dos micro-organismos, mas também de sua composição rica em antioxidantes, proteínas e vitaminas como tiamina, ácido fólico e vitamina K, explica a professora Mônica Roberta Mazalli, da Universidade de São Paulo (USP).
Resumidamente, essas e outras substâncias do kefir são descritas como potentes antioxidantes, antimicrobianos e anti-inflamatórios.
Mas a maioria das pesquisas é experimental, com testes apenas em animais ou análises físicas e químicas. “Ainda é muito cedo para transpor esses dados para humanos”, afirma a bióloga Ágata Gava, docente e pesquisadora do Departamento de Ciências Fisiológicas da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES).
No laboratório
Ágata é uma das autoras de um estudo que analisou os possíveis benefícios do kefir para os rins. No estudo, animais foram induzidos à insuficiência renal aguda. Mas, antes disso, alguns foram alimentados com o produto uma vez por dia, durante 60 dias.
Os resultados demonstraram que aqueles que consumiram kefir tiveram a sua função renal preservada e uma menor produção de radicais livres, moléculas instáveis que podem causar envelhecimento precoce e morte das células.
“Acreditamos que esse seja o mecanismo pelo qual o rim foi protegido da perda de função”, diz Ágata. Parte disso pode estar ligada ao efeito antioxidante do produto, que combate a ação dessas moléculas.
- Intestino
Além dos rins, no últimos anos, foram realizados estudos sobre os efeitos do kefir no intestino. “Muitas das bactérias do kefir passam pelo trato gastrointestinal. Assim, o consumo diário desse alimento melhora a população microbiana benéfica do intestino e, com isso, evita questões de diarreia e problemas intestinais”, diz a microbiologista Rosane Schwan, coordenadora do Núcleo de Estudos em Fermentações (Nefer) da Universidade Federal de Lavras (UFLA).
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- Pressão arterial
Outras pesquisas têm mostrado que as espécies presentes no kefir podem criar moléculas capazes de levar à inibição da produção de aldosterona, um hormônio que promove o aumento da concentração de sódio no sangue, elevando a pressão arterial. Elas também teriam efeito sobre uma substância com ação vasodilatadora (bradicinina), mais um fator para a diminuição da pressão.
- Glicemia
Em um dos estudos, camundongos alimentados com kefir por 30 dias demonstraram uma forte tendência de redução nos níveis de açúcar no sangue, em comparação com o grupo controle.
Queijo com kefir: menos lactose
O kefir também tem sido considerado como ingrediente em receitas lácteas mais saudáveis. É o caso de um estudo realizado na Faculdade de Zootecnia e Engenharia de Alimentos (FZEA) da USP.
Em um trabalho conduzido pela nutricionista e mestranda Denise Rossi, sob orientação da professora Mônica Mazalli, foi elaborado um cream cheese rico em lactobacilos, probiótico e com uma taxa menor de lactose do que o produto tradicional. Os benefícios vieram com a adição de 50 gramas de grãos de kefir ao leite usado para fabricar o queijo.
“A lactose e outros nutrientes presentes no leite são utilizados para o crescimento dos micro-organismos no kefir. Desse modo, a lactose originalmente presente no leite sofre o processo de fermentação pelo kefir em ácido láctico, fazendo com que sua concentração se torna menor no creme de queijo”, explica Mônica.
Comparado ao cream cheese comercial, o produto das pesquisadoras apresenta maior concentração de ácidos graxos, principalmente o butírico, importante para a saúde gastrointestinal, além de ômega-3 e ômega-9, associados à redução do risco de doenças cardiovasculares.

O kefir é probiótico?
Segundo a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), probióticos são micro-organismos vivos que, em certa quantidade, fazem bem à saúde.
Como o kefir apresenta micro-organismos com essas características, ele seria um probiótico, certo? Não é bem assim. “Há controvérsias”, diz Rosane.
É que esse alimento normalmente é fabricado em casa e as suas características são muito diferentes entre si. “Vai depender do leite, de quantos dias de fermentação, entre outras questões. Então, é quase uma composição única a cada vez que você prepara”, explica a microbiologista.
“O fato é que ele é um alimento considerado funcional; que é bom para o seu bem-estar”, afirma Rosane.
Como conseguir kefir?
Para se produzir kefir, é necessário primeiro adquirir os “grãos de kefir”. Tradicionalmente, eles são passados de pessoa para pessoa, por meio de doação – e quem segue a tradição garante que só os grãos obtidos assim são “verdadeiros”.
Não é raro encontrar doadores. “Quando você coloca ele no leite ou na água, ele se prolifera. A cada fermentação sempre há mais kefir. Por isso, é fácil a doação. Sempre há grãos disponíveis”, diz Ágata.
Mas há também opções disponíveis no mercado. Uma vantagem delas é que, nesses casos, a bebida é feita segundo um protocolo padronizado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), o que ajuda a ter certeza de que a versão consumida é probiótica, segundo Rosane.
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Como fazer kefir?
- De leite
Para cultivar os grãos, basta adicioná-los ao leite integral, deixando fermentar em temperatura ambiente por 18 a 24 horas. Use uma colher de sopa de grãos para cada 300 mililitros de leite.
Recomenda-se utilizar um pote de vidro esterilizado, tampar com um pano limpo e prender com um elástico, chacoalhando o pote suavemente uma ou duas vezes durante o tempo de fermentação.
Após esse período, a bebida estará pronta e os grãos estarão no fundo. Basta coar a mistura com o auxílio de uma peneira de plástico e reservar os grãos, que podem ser reutilizados em novas fermentações.
“É indicado separar utensílios exclusivamente para o preparo do kefir, que devem sempre ser lavados após o preparo e antes de cada uso para reduzir os riscos de contaminação. O leite utilizado deve ser fresco e estar em temperatura ambiente”, detalha a bióloga.
- De água
Coloque os grãos de kefir em um litro de água e adicione açúcar mascavo. Depois, basta seguir o mesmo processo de fermentação. Uma vez separado o líquido, ele pode ser incrementado com suco de limão ou frutas.
Como consumir?
Ele pode ser ingerido como bebida, misturado com frutas ou como molho para saladas. Estudos demonstram que o consumo de cerca de 200 a 250 ml, uma ou duas vezes por dia, por um período mínimo de quatro semanas, já proporciona efeitos benéficos, afirma Ágata.
“Os produtos lácteos fermentados com kefir geralmente apresentam atividade β-galactosidase e teor reduzido de lactose em comparação ao leite, tornando-os ideais para quem sofre de intolerância à lactose”, acrescenta Mônica.