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Mais Médicos, vacinação, fila do SUS: como estão os principais programas da Saúde após 1 ano de Lula

Segundo especialistas, ministério sob comando de Nísia Trindade alcançou avanços importantes, como aumento das coberturas vacinais e retomada do Farmácia Popular, mas ainda tem como desafio fixação de médicos e redução de filas, que só andou no componente das cirurgias

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Foto do author Fabiana Cambricoli

O primeiro ano da gestão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva na Saúde foi marcada principalmente pela retomada de programas que haviam sido enfraquecidos na gestão anterior, de Jair Bolsonaro, como o Mais Médicos, Farmácia Popular e ações de vacinação.

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Para especialistas ouvidos pela reportagem, a gestão da ministra Nísia Trindade conseguiu avanços nas áreas definidas como prioritárias pelo governo, mas ainda tem um longo caminho a percorrer para que o Sistema Único de Saúde (SUS) garanta maior acesso e qualidade no atendimento, em especial depois do caos deixado pela pandemia e por algumas condutas do ex-presidente Bolsonaro, como a disseminação de informações falsas sobre vacinas.

Nesse tema, a atual gestão do ministério lançou o Movimento Nacional pela Vacinação como uma de suas primeiras ações, em fevereiro, e, ao final do ano, conseguiu aumentar a cobertura vacinal da maior parte das vacinas infantis após anos de queda. Os índices, no entanto, ainda não chegaram perto das metas de cobertura definidas pelo próprio governo (90% a 95%, dependendo do imunizante).

“Foi feito um grande esforço e tivemos um grande ganho (nas coberturas vacinais), mas restabelecer a vacinação depois do estrago feito nos últimos quatro anos, com covid-19 e hesitação vacinal, não é fácil”, diz Mônica Levi, presidente da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm).

No tema das filas de espera do SUS, o ministério criou um programa que previa aporte para que Estados e municípios realizassem cirurgias represadas - a estimativa da pasta é que o montante de R$ 600 milhões tenha possibilitado a realização de 500 mil operações - o número, embora expressivo, corresponde somente à metade da demanda informada pelos Estados. As filas de exames e consultas especializadas, outro gargalo, não foram alvo de iniciativa similar neste primeiro ano.

“O ministério retomou políticas relevantes, como o Farmácia Popular. Problemas acumulados como filas começaram a ser equacionados, mas ainda representam enormes desafios”, diz a médica sanitarista Lígia Bahia, professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

Ainda na esteira de programas retomados, o Mais Médicos dobrou o número de profissionais neste ano, mas continua dependente dos médicos intercambistas (formados no exterior sem diploma revalidado), que representam 40% dos 28,2 mil profissionais alocados. Além disso, nem todo o incremento nas vagas representou novos profissionais, já que alguns já atuavam contratados pelas prefeituras e tiveram apenas uma alteração na modalidade de contratação.

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“Nem todas as vagas são novas porque alguns médicos já atuavam no município contratados pela prefeitura, mas foi um ponto positivo ter essa opção do Mais Médicos para aqueles municípios que tinham dificuldade de fixar o profissional pela questão salarial ou por uma limitação até do teto salarial do município”, diz Hisham Mohamad Hamida, presidente do Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde (Conasems). “Precisamos avançar agora para ir além do médico clínico, para trabalhar também com a questão da especialidade e com a tecnologia, com a telessaúde”, diz.

Veja abaixo um balanço desses e de outros temas que marcaram o primeiro ano de Lula e Nísia Trindade na Saúde.

Vacinação

Após a gestão de Jair Bolsonaro enfraquecer ações de vacinação, com o próprio ex-presidente divulgando informações falsas sobre imunizantes, o tema foi uma das prioridades do primeiro ano de gestão de Nísia Trindade, com o lançamento, em fevereiro, do Movimento Nacional pela Vacinação.

As coberturas vacinais dos principais imunizantes infantis vinham em queda desde 2016, mas ficaram piores a partir de 2020, com falas negacionistas por parte de membros do governo e maior dificuldade de adesão das famílias à vacinação durante a pandemia de covid-19. A queda nos índices preocupa especialistas pelo risco de ressurgimento de doenças já controladas ou erradicadas, como sarampo e poliomielite.

Presidente Lula e ministra da Saúde, Nísia Trindade, durante lançamento do Movimento Nacional pela Vacinação, em fevereiro Foto: Wilton Junior/Estadão

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Balanço divulgado na última semana pelo Ministério da Saúde mostrou que o País conseguiu reverter a tendência de queda nas coberturas, mas ainda tem índices muito abaixo das metas que devem ser alcançadas para garantir a chamada imunidade de grupo, situação em que o volume de vacinados é suficiente para que o patógeno tenha dificuldade de circular e ser transmitido, o que permite a proteção indireta até daqueles não vacinados.

Das oito vacinas recomendadas para crianças com um ano de idade, sete tiveram aumento de cobertura em 2023. A dose de reforço contra a poliomielite, por exemplo, passou de 67,1% em 2022 para 74,6% neste ano - alta de sete pontos porcentuais, mas ainda muito abaixo da meta, que é de 95%. Já a cobertura da primeira dose da vacina tríplice viral, que protege contra sarampo, caxumba e rubéola, cuja meta também é de 95%, passou de 80,7% no ano passado para 85,6% neste ano.

Para Mônica Levi, da SBIm, é preciso reconhecer que, mesmo que os índices ainda estejam abaixo dos patamares necessários, foi feito “um grande esforço” por parte do governo federal para recuperar as políticas de vacinação, que, para ela, devem ser intensificadas no próximo ano para que esses índices aumentem ainda mais.

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“Foi dado incentivo financeiro para Estados e municípios, foi feito microplanejamento de acordo com as necessidades locais, então acho que foi um grande ganho (o aumento das coberturas), mas ainda estamos longe dos patamares necessários”, diz a especialista.

Apesar da intensificação das ações e do aumento das coberturas da maior parte das vacinas infantis, o ministério não conseguiu o mesmo êxito com o imunizante contra a covid-19. Somente 18% do público-alvo tomou quatro doses da vacina e 16% têm a dose bivalente.

A adesão ao imunizante que protege contra o HPV, vírus que pode causar câncer de colo de útero e outros tipos de tumores, ainda é baixa, embora tenha crescido no último ano - o ministério informou que houve aumento de 30% no número de doses aplicadas, mas não informou a cobertura vacinal deste ano. Em 2022, o esquema vacinal completo (com duas doses) havia sido cumprido por apenas 57% do público-alvo feminino e 27% do masculino.

Os dois imunizantes - covid-19 e HPV - são os principais alvos de movimentos antivacina. Para fazer frente à desinformação, o governo federal lançou, em outubro, o programa Saúde com Ciência, que inclui um portal de conteúdo para desmentir conteúdos enganosos, parcerias com plataformas digitais como YouTube e Tik Tok, ações judiciais para derrubada de páginas desinformadoras e denúncia e responsabilização dos autores de peças desinformativas. Ainda não foi detalhado se alguma investigação ou punição foi feita.

Ainda no campo da vacinação, a gestão de Nísia anunciou a incorporação da vacina contra a dengue no SUS. Como o Estadão antecipou, o imunizante será aplicado a partir de fevereiro, mas estará disponível, em um primeiro momento, somente para 3,1 milhões de brasileiros por causa da capacidade limitada de produção de doses por parte da fabricante Takeda. Os critérios de quem deverá receber ainda estão sendo definidos e serão divulgados nas primeiras semanas de 2024.

Mais Médicos

Bandeira da gestão de Dilma Rousseff (PT) e enfraquecido durante o governo de Jair Bolsonaro, o programa Mais Médicos foi outro grande foco do primeiro ano da atual gestão do Ministério da Saúde. Ao longo dos últimos 12 meses, o número de profissionais contratados por meio de programas de provimento emergencial (Mais Médicos e Médicos pelo Brasil - este criado por Bolsonaro) passou de 13,8 mil para 28,2 mil, segundo balanço divulgado nesta semana pelo ministério.

De acordo com a pasta, os profissionais do programa estão agora em 4.595 municípios (82% do total), dos quais 59% são locais de alta vulnerabilidade - mil vagas estão em territórios da Amazônia Legal. O aumento de vagas foi possível graças à aprovação, em junho deste ano, de uma atualização na lei do Mais Médicos, de 2013. Pela nova norma, foram previstos novos fatores de atração e fixação de médicos, como bônus para quem permanecer por mais de três anos no programa, pagamento de licença-maternidade e paternidade e oferta de vagas em mestrado e doutorado.

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Apesar do avanço, nem todas as vagas criadas representaram um incremento de profissionais. Quase 10 mil desses novos postos são custeados pelas prefeituras, o que fez com que, em alguns casos, o mesmo médico que já era contratado pela gestão municipal continuasse atuando no local, mas como bolsista do programa federal.

Profissional do programa Mais Médicos atende bebê no Rio Foto: Divulgação/Ministério da Saúde

“Alguns casos são vagas novas, outros não. Alguns desses médicos já atuavam naquele município, mas a prefeitura tinha dificuldade para pagar o valor para o profissional ficar as 40 horas (semanais). Com o Mais Médicos, o gestor tem a esperança que, com essa outra forma de contratação, ele fique”, explica Hisham Hamida, do Conasems. “Não deixa de ser uma ação de fortalecimento (do programa), mas nem todas essas vagas são novas e de custeio puramente do ministério”, destaca.

Outro gargalo ainda não resolvido pelo programa foi a fixação de médicos em regiões mais vulneráveis e a dependência que o programa federal ainda tem dos profissionais intercambistas para a ocupação de todos os postos de trabalho. Embora o novo Mais Médicos tenha tido recorde de inscrições de brasileiros formados em território nacional - 34 mil candidatos no primeiro edital -, o programa segue dependendo dos formados no exterior sem Revalida, que somam hoje 11,3 mil médicos - 40% do total.

Isso porque os médicos formados em escolas brasileiras ou com diploma revalidado podem ocupar cargos fora do programa e nem sempre aceitam ser alocados em municípios distantes dos grandes centros ou com estrutura precária - os intercambistas, como só podem atuar pelo Mais Médicos, estão mais abertos a essas localidades.

A contratação de intercambistas sempre foi criticada por conselhos de medicina, sob o argumento de que, sem revalidação do diploma, é impossível garantir que a formação do médico seja adequada. O ministério afirma que esses profissionais têm registro em seus países de formação e passam por um curso de capacitação e módulo de avaliação antes de iniciarem suas atividades.

Para além da crítica dos órgãos de classe, porém, o alto número de profissionais sem diploma revalidado impõe outro desafio: o tempo de permanência deles na localidade é limitado - pela lei, eles podem atuar com o registro temporário por, no máximo, quatro anos, o que dificulta a fixação de profissionais.

Filas do SUS e acesso a médicos especialistas

Frente às filas de espera do SUS que ficaram ainda maiores após a pandemia por conta da demanda represada, a atual gestão do ministério anunciou no início do ano um aporte extra de R$ 600 milhões aos Estados e municípios para a realização de cirurgias eletivas. Prometeu ainda novos repasses, a partir de junho, para enfrentar também as filas de exames e consultas de especialidades.

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O repasse para as cirurgias foi efetivado e, até outubro, segundo o ministério, cerca de 380 mil operações foram feitas com o recurso, com estimativa de alcançar 500 mil procedimentos até o fim de dezembro (o balanço consolidado do ano deverá ser divulgado em janeiro). Um dos pontos do programa elogiados pelos gestores locais foi maior flexibilidade quanto ao valor pago por procedimento. “Não foi um programa de mutirão. A gente já tinha a previsibilidade que teria o recurso e a possibilidade de pagar até quatro vezes o valor da tabela SUS para o prestador de serviço que faria o procedimento, então isso facilitou”, diz Hisham Hamida, do Conasems.

Por outro lado, as 500 mil cirurgias que teriam sido feitas com os R$ 600 milhões representam cerca de metade de todos os procedimentos listados nas filas de espera pelos Estados na solicitação do recurso, disse ao Estadão a ministra da Saúde, Nísia Trindade. Conhecer a real dimensão da fila, aliás, ainda é um desafio, já que as listas são fragmentadas entre Estados, municípios e hospitais e o ministério ainda não conseguiu centralizar as demandas para ter clareza de quantos pacientes esperam algum procedimento.

Repasses para reduzir as filas de exames, prometidos para junho, e de consultas de especialidades não se concretizaram e deverão ser anunciados em 2024. A ministra afirmou, em entrevista ao Estadão, que a gestão pretende focar em 2024 em aumentar o acesso a médicos especialistas e que investirá R$ 2 bilhões em ações para enfrentar as filas de exames e consultas.

Na reunião da Comissão Intergestores Tripartite (CIT) de dezembro, que reúne o ministério e representantes das secretarias estaduais e municipais da Saúde, o órgão federal apresentou uma primeira proposta de um programa para ampliar a oferta de consultas e exames especializados, mas não detalhou quantos procedimentos seriam realizados nem a data de início.

Para Lígia Bahia, da UFRJ, o ministério “retomou políticas relevantes”, mas a questão das filas do SUS ainda não foi devidamente endereçada. “Problemas como filas começaram a ser equacionados, mas ainda representam enormes desafios. A organização de uma rede de serviços do tamanho e onde a população está segue sem resposta planejada”, afirmou.

Com a nova gestão federal, o programa Farmácia Popular foi ampliado e passaram a fazer parte da lista de medicamentos gratuitos, em junho, remédios para osteoporose e contraceptivos, além das drogas para hipertensão, diabetes e asma que já faziam parte da iniciativa desde o princípio.

De acordo com o Ministério da Saúde, isso aumentou em 8,8% o número de pacientes beneficiados pela ação em comparação com 2022. O total de brasileiros atendidos pelo programa chegou a 22 milhões, segundo a pasta. Outra mudança deste ano foi a gratuidade completa dos 40 medicamentos do programa aos beneficiários do Bolsa Família.

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O programa, no entanto, ainda não cobre todas as cidades brasileiras. De acordo com o Ministério da Saúde, 81% das cidades têm estabelecimentos credenciados, e a meta é chegar a 93% do território nacional, com farmácias conveniadas em 5.207 cidades.

Outros programas

Um tema pouco palpável para a população, mas apontado como destaque por especialistas foi a retomada de investimentos no Complexo Econômico-Industrial da Saúde, sistema que reúne indústrias de química e biotecnologia, áreas em que o Brasil foi ultrapassado nas últimas décadas por nações como Índia e China, que viraram os principais fornecedores de insumos para produção de medicamentos e outros produtos de saúde.

“O Brasil importa mais de R$ 20 bilhões em medicamentos, vacinas, equipamentos. O SUS tem imenso poder de compra desses insumos, mas depende muito de outros países. Então, sem dúvida, foi um grande avanço ter colocado de pé a estratégia para o desenvolvimento do complexo com investimentos do PAC, BNDES e outras fontes”, opina Mario Scheffer, professor da Faculdade de Medicina da USP.

“Um exemplo de investimento no complexo é a pesquisa das células CAR-T (terapia celular contra câncer, mas cujo custo pode ultrapassar os R$ 2 milhões por paciente). Esse investimento mostra um rumo acertado para um SUS sustentável”, diz Lígia Bahia.

Parte dos recursos virá do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), que ganhou um eixo próprio para ações de Saúde com investimento de R$ 31 bilhões. De acordo com o governo, o valor será utilizado também para a construção de novas Unidades Básicas de Saúde (UBSs), ampliação do tratamento oncológico - um dos principais gargalos da rede pública -, e inclusão digital no SUS.

Voltando ao tema da formação e oferta de médicos, Scheffer destaca que o governo federal precisa avançar na avaliação da qualidade das escolas médicas e na ampliação das vagas de residência. “Os cursos de Medicina não conseguiram a devida atenção. Foi decidida em 2023 a continuidade da abertura de cursos, por pressão do setor privado, mas o governo não tem uma política de avaliação da qualidade desses cursos e não apontou solução para a grande defasagem entre oferta de vagas de graduação e de formação especializada, principalmente via residência médica”, destacou o especialista.

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