O governo federal manteve em sigilo documentos e pareceres que foram enviados ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva para embasar sua decisão de sancionar a lei que permite a realização de ozonioterapia no País. A lei foi sancionada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva no mês passado, o que rendeu críticas de especialistas, que apontam a falta de evidências científicas a respeito da prática.
O Instituto Questão de Ciência (IQC) entrou com um pedido de Lei de Acesso à Informação (LAI) na Casa Civil solicitando todos os pareceres, os estudos e as notas técnicas utilizados para fundamentar a sanção da lei, mas o órgão negou a publicidade de quaisquer documentos. A Casa Civil argumenta que os pareceres são protegidos pelo sigilo profissional assegurado aos advogados da União, que são os autores de manifestações jurídicas produzidas para auxiliar a Presidência no veto ou na sanção de projetos. O argumento, no entanto, não deveria ser aplicado a pareceres técnicos produzidos pelos ministérios ou outros órgãos relacionados ao tema.
Na negativa, a Casa Civil menciona que os documentos solicitados “constituem manifestações que indicam eventuais inconstitucionalidades no Projeto de Lei”. O órgão não detalhou, no entanto, se aspectos inconstitucionais foram de fato identificados e quais foram eles. Em resposta ao Estadão, a AGU argumentou o mesmo motivo para não disponibilizar seu parecer e acrescentou que os pareceres jurídicos do órgão “são submetidos a sigilo profissional sempre que há apontamento de risco de questionamento judicial ou recomendação de veto por inconstitucionalidade”.

Segundo a norma, o sigilo é necessário para que caso a União seja questionada judicialmente sobre o tema, as funções de defesa do Executivo por parte da advocacia-geral não sejam prejudicadas devido à publicidade dos argumentos usados pela AGU nos pareceres que recomendam sanção ou veto.
O IQC recorreu à Controladoria-Geral da União (CGU) para ter acesso aos documentos, mas o recurso ainda está dentro do prazo de resposta. Em 2020, a CGU passou a adotar o sigilo em pareceres jurídicos emitidos por ministérios para embasar decisões de sanção ou veto por parte da Presidência. Na época, a CGU utilizou o critério para barrar o acesso a documentos relacionados a decisões tomadas pelo então presidente Jair Bolsonaro.
A portaria a respeito do sigilo nos pareceres jurídicos enviados ao presidente foi editada pela AGU em 2016, durante o governo Michel Temer, com o argumento de que a publicidade dos textos deixaria uma eventual argumentação de defesa da AGU exposta. Mas, em geral, outros ministérios continuaram disponibilizando seus pareceres jurídicos. Depois, em 2019, essa regra acabou sendo rejeitada pela CGU, mas voltou a ser usada em 2020 para blindar Bolsonaro.
Em resposta ao Estadão, a Casa Civil negou que o caso seja uma “imposição de sigilo” a documentos de interesse público.
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“Não se trata de imposição de sigilo, mas, sim, de uma posição do Estado brasileiro consagrada há anos, que tem por finalidade defender a liberdade do exercício profissional da advocacia. Não há, portanto, conflito com o interesse público. Importante ressaltar que todas as manifestações jurídicas da União, sejam elas da AGU ou da Casa Civil, são precedidas da verificação de inconstitucionalidades. Esse processo leva em conta todas as teses jurídicas possivelmente envolvidas, inclusive as minoritárias na doutrina e jurisprudência.”
Em relação aos documentos técnicos de outros órgãos que embasaram os pareceres jurídicos, a Casa Civil argumentou na resposta ao pedido de LAI que as notas e manifestações técnicas também estão inseridas no sigilo por estarem dentro do “conceito de instrumentos de trabalho” dos advogados da União. O órgão citou ainda como argumento uma decisão da CGU durante o governo de Jair Bolsonaro, quando o órgão argumentou que era preciso “cautela” em pedir que a secretaria da Presidência fizesse análise de cada documento técnico para avaliar se haveria outras hipóteses de sigilo.
O advogado Bruno Morassutti, que é especialista em Lei de Acesso à Informação e conduziu o pedido do IQC, questiona a negativa do governo em fornecer acesso a documentos que embasaram a decisão.
“Todo processo que corre no Supremo é público. Se eu quiser ver os argumentos que a AGU usou para defender a União eles serão públicos. É muito estranho o argumento da Casa Civil. O presidente é a autoridade com maior quantidade de poder singularmente na Constituição. Se a gente dá poderes ao presidente para tomar decisões em nome da nação, a gente precisa que o exercício desses poderes seja fundamentado e explicado. A gente está num momento republicano e democrático do país que temos direito de acessar essas informações ainda que o presidente tenha tido motivos razoáveis para sancionar a lei. A gente tem direito de saber”, argumenta.
O que é a ozonioterapia
A ozonioterapia consiste na aplicação de oxigênio e ozônio no corpo humano por diversas vias, incluindo o reto a vagina, ou por meio de aplicação intramuscular. Para especialistas, a prática carece de evidências científicas e é considerada até mesmo insegura. A Associação Médica Brasileira (AMB) chegou a pedir o veto da lei.
Após a sanção da lei, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) emitiu nota destacando que os equipamentos de produção de ozônio medicinal são indicados apenas para uso estético e odontológico. Em nota técnica anterior, de 2022, a agência já havia se manifestado sobre o tema, afirmando que o uso indiscriminado e indevido da técnica poderia causar riscos à saúde.
Profissionais têm aderido à técnica sem eficácia comprovada para tratar uma gama enorme de doenças: osteoporose, hérnia de disco, feridas crônicas, hepatite B e C, herpes-zóster, HIV-Aids, esclerose múltipla, câncer, problemas cardíacos, Alzheimer, doença de Lyme, etc.