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Para a escritora Chelsea Conaboy, instinto materno é, cientificamente, uma ideia falsa

Jornalista e mãe recente, ela lança livro sobre como a neurociência avalia a ‘vocação’ para a maternidade

Por Rebecca Gale

The Washington Post - Como tantas outras mulheres nos Estados Unidos, Chelsea Conaboy voltou a trabalhar logo após ter o primeiro filho. Ela estava dentro de um closet improvisado, tentando bombear leite materno, e se perguntava quando entraria em ação o mágico “instinto maternal” sobre o qual tanto ouvira. “Eu tinha aquela sensação arraigada de que haveria um processo biológico que me guiaria por aqueles primeiros dias difíceis”, disse ela. “Quando a coisa não aconteceu como eu esperava, pensei que tinha alguma coisa errada comigo.”

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Chelsea percebeu que ela é igual a inúmeras outras mulheres que sofrem com alguma parte da transformação para a maternidade. Então, como jornalista de saúde e ciência, começou a pesquisar o que ela chama de mito do instinto materno e como ele se perpetuou.

Nesta conversa, ela nos fala sobre seu novo livro, Mother Brain: How Neuroscience Is Rewriting the Story of Parenthood (em português, Cérebro Materno: Como a Neurociência Está Reescrevendo a História da Maternidade), sobre a ciência por trás da maternidade, dos papéis de gênero e do apego humano.

Você escreve que o conceito de instinto maternal foi criado como um dispositivo barato e não científico, projetado para convencer as mulheres a ter muitos bebês. Por que esse conceito foi tão aceito como verdade? E o que começou a mudar?

Eu discordo de que seja um “instinto” – que é uma ideia rígida, um padrão fixo de comportamento. A maternidade não é automática. É uma grande transição, uma reviravolta no cérebro. A ideia do instinto materno foi inscrita na teoria científica no início do século 20 por homens religiosos que tinham um interesse em obrigar mulheres brancas e ricas a terem mais bebês.

Uma das minhas partes favoritas do livro é quando Leta Hollingworth chama esses mitos de “dispositivos baratos”. Ela foi uma psicóloga pioneira e já em 1916 escreveu como as mulheres estavam sendo obrigadas a ter bebês pelos mesmos métodos que obrigavam os soldados a ir para a guerra. Havia essa glorificação da maternidade – e a ocultação das partes difíceis. As taxas de mortalidade materna eram 60 vezes maiores do que no final do século. Há uma razão pela qual o instinto maternal parece verdadeiro. Processos hormonais, experienciais e neurobiológicos de fato acontecem, mas não são o que nos contaram, coisas automáticas e inatas que as mulheres têm desde que nascem.

Você dizia achar que a depressão pós-parto seria como uma gripe: ou você tem os sintomas, ou não tem. O que o mito do instinto materno tem a ver com nossa incapacidade de lidar com os transtornos de humor pós-parto? E o que se pode fazer para superar isso?

Precisamos normalizar a sensação de angústia e dificuldade. Essa transição para a maternidade às vezes é bem exaustiva. Pode ser alegre e cheia de amor e maravilhamento. Não conheço ninguém que tenha passado pela maternidade sem algum sofrimento psicológico. É muito exaustivo. Não quero que a mensagem seja: é difícil para todo mundo, então pare de reclamar. É difícil, e todas nós precisamos de apoio. É verdade que processos biológicos acontecem com as mães, mas isso exige muito de nós. Pedir apoio não é sinal de que você é uma mãe ruim. Você está passando por uma transformação difícil. Numa sociedade que não reconhece esse fato, é perfeitamente normal precisar de ajuda. O paralelo que gosto de traçar é com o cérebro adolescente: as mudanças hormonais são fundamentalmente adaptativas e (este tempo de desenvolvimento) tem um grande papel para o risco de doença mental. Usamos a ciência para criar mais apoio para os adolescentes: horários de início das aulas mais tarde, a maneira como falamos sobre uso de substâncias e comportamentos de risco. Precisamos de uma conversa semelhante sobre o cérebro das mães.

Não conheço ninguém que tenha passado pela maternidade sem sofrimento psicológico. É muito exaustivo

Chelsea Conaboy, jornalista

À medida que mais famílias não tradicionais tomam forma e mais homens assumem funções de cuidadores, você vê uma mudança nas políticas públicas nos EUA?

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Isso me deixa esperançosa de que essa conversa possa mudar, à medida que mais pessoas experimentam cuidar de seus bebês, porque o cuidado pode ser transformador. O padrão (para atendimento clínico nos EUA) agora é uma consulta seis semanas depois do parto. Não é o padrão nos outros países desenvolvidos. (A Associação Americana de Obstetras e Ginecologistas) o caracterizou como inadequado e pediu uma abordagem mais holística – para necessidades físicas e de saúde mental. Também precisamos mudar as conversas que temos e como falamos umas com as outras sobre nossas experiências de maternidade e o que as futuras mães podem esperar. Precisamos falar com mais franqueza sobre como tem sido para nós, ajudando outras pessoas a saber o que esperar e de qual tipo de apoio elas podem precisar.

Livro 'Cérebro Materno: Como a Neurociência Está Reescrevendo a História da Maternidade', de Chelsea Conaboy Foto: REPRODUÇÃO INSTAGRAM

Pode mencionar alguns desses exemplos de mudança individual e explicar como falamos sobre a experiência pós-parto?

Depois que meu primeiro filho nasceu, participei de um grupo de apoio à amamentação no hospital. Me garantiram que ele estava crescendo. Mas, nessa reunião de 20 mulheres e seus bebês, nunca falamos sobre a parte da saúde mental. Fiquei pensando: “Será que sou a única que está sentindo a mudança em mim mesma?”. Minha cabeleireira está grávida de 20 semanas. Outro dia, ela estava falando sobre o berçário e o chá de bebê, o macacão fofo. Continuei tentando falar sobre como defender sua saúde física e mental. Ela foi receptiva, mas ficou desconfortável, porque essa não é a norma. Celebramos muito nesse momento e apoiamos as mães, mas também precisamos ter conversas francas sobre do que elas vão precisar.

Pesquisadores descobriram que, à medida que mais mães ingressam no mercado de trabalho, aumentam não apenas os padrões para o que consideramos uma boa mãe, mas também a expectativa de que as mães devem arcar com os fardos com graça e facilidade. Seu livro é uma tentativa de abrir buracos nessa narrativa punitiva. Como você acha que as coisas estarão daqui a dez anos?

Daqui a dez anos, adoraria que as futuras mães tivessem a oportunidade de fazer um balanço e reconhecer que a mudança acontece dentro de si mesmas, e não apenas nos seus horários e no seu sono. Que elas pensassem no seu histórico de saúde mental e se perguntassem se precisam de mais apoio – que pedissem esse apoio. Adoraria que essa fosse uma parte muito normalizada da conversa com obstetras e doulas. Mas esse é só um ponto de partida, só uma parte do processo. Precisamos reconhecer que essa ideia ultrapassada moldou muitas de nossas políticas públicas, até mesmo nossas crenças sobre direitos reprodutivos e quem deveria ter bebês e por que deveria ter bebês. Justiça reprodutiva, licença remunerada, equidade de gênero. Hoje temos uma aceitação social de que as mães sabem o que fazer e pertencem ao lar e têm capacidade de fazer tudo sozinhas. Essas ideias são cientificamente falsas. Para prosperar, precisamos falar das nossas lutas./TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZOU

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