O uso indiscriminado de antibióticos já se tornou um problema de saúde pública no mundo todo. Essa prática, muitas vezes impulsionada pela automedicação, pode gerar um problema grave: o aumento da resistência bacteriana – ou seja, a capacidade de esses micro-organismos resistirem à ação dos remédios. A situação chama a atenção do Conselho Federal de Farmácia (CFF), que, em maio, soou o alarme sobre o mau uso dos antimicrobianos, grupo do qual os antibióticos fazem parte. Eles alertam para uma “epidemia silenciosa” alimentada pelo aumento expressivo na venda desses medicamentos.
Segundo dados do CFF, 219 milhões de unidades de antimicrobianos foram vendidas em 2023, um número bem acima dos patamares pré-pandemia. Diante desse cenário, é importante que todos assumam a responsabilidade pelo uso consciente dos medicamentos. Para garantir uma utilização correta e segura, conhecer o funcionamento dos antibióticos é um importante passo.
Quando é indicado o uso de antibiótico?
Antibióticos são substâncias capazes de eliminar ou impedir a multiplicação de bactérias – por isso, são indicadas para o tratamento de infecções causadas por esses micro-organismos. Diversas doenças se enquadram neste critério, mas as mais comuns são infecção urinária, meningite, leptospirose e pneumonia, além de infecções sexualmente transmissíveis, como clamídia, sífilis e gonorreia.
As infecções por bactérias são bem menos comuns do que as virais. O Ministério da Saúde destaca, por exemplo, que todos os resfriados e a maior parte dos quadros de dor de garganta e tosse são causados por vírus. Por isso, é imprescindível ter cuidado com o uso indiscriminado de antibióticos, lembrando sempre que eles atuam somente contra bactérias, não apresentando efeito algum sobre os vírus.
Como o antibiótico age no organismo?
Um antibiótico pode ser classificado como bactericida ou bacteriostático. No primeiro caso, ele atua matando as bactérias, enquanto no segundo ele impede que elas se multipliquem, possibilitando que o próprio sistema imunológico da pessoa doente elimine a infecção.
Adryella de Paula Luz, farmacêutica e conselheira do Conselho Regional de Farmácia do Estado de São Paulo (CRF-SP), explica que cada grupo de antibióticos pode atuar atacando diferentes componentes da estrutura das células das bactérias. “Ele pode agir em várias partes da célula bacteriana: na parede celular, na membrana, no DNA bacteriano e na organela, que nós chamamos de “ribossomos”, onde a bactéria consegue sintetizar [produzir] proteínas”, descreve.
Quanto tempo demora para um antibiótico fazer efeito?
Normalmente, ele começa a reduzir os sintomas da infecção após 24 a 72 horas do início do tratamento. Segundo a farmacêutica, as 72 horas – ou seja, três dias –, são o tempo máximo que devemos esperar para que o antibiótico comece a agir antes de considerar um retorno ao médico.
“Se em 72 horas o paciente não observar diminuição dos sintomas que ele está sentindo, é porque tem alguma coisa errada acontecendo”, informa.
Como aponta o Ministério da Saúde, existem muitos fatores que influenciam no tempo necessário para que esses medicamentos produzam alívio dos sintomas, a exemplo do tipo de antibiótico, as características pessoais de quem está fazendo uso dele e o tipo de bactéria.
Também entram nessa conta o local do corpo onde está acontecendo a infecção, a forma como a medicação vai ser administrada (por exemplo: via oral ou sublingual) e, claro, se foi feita a escolha do antibiótico correto para o tratamento da infecção que está acometendo o paciente.
É válido lembrar que o tempo de ação dos antibióticos é maior do que o de algumas medicações utilizadas no dia a dia, como os analgésicos ou medicamentos para tratar a hipertensão arterial, que já produzem resultado alguns minutos depois da administração.
Quais fatores influenciam na escolha do antibiótico?
De acordo com o “Consenso sobre o uso racional de antimicrobianos”, do Ministério da Saúde, a escolha da terapia que será usada começa pela determinação de qual espécie de bactéria está causando a infecção, em conjunto com o entendimento sobre a sua sensibilidade aos antimicrobianos.
Outro ponto importante a ser considerado é o local da infecção, como explica Adryella. “Tratar uma infecção do trato urinário é muito diferente de tratar uma pneumonia, porque demora mais para que a droga consiga atingir esse local”, exemplifica.
Para a farmacêutica, outros fatores importantes são as características do próprio paciente, como o ambiente em que ele está inserido – por exemplo, se foi contaminado dentro do hospital ou por uma infecção comunitária –, a idade e possíveis comprometimentos à saúde e à imunidade.
Ainda de acordo com o Ministério da Saúde, a escolha também deve ser orientada por informações relacionadas à gravidade da infecção e ao uso anterior de antibióticos. Como regra, o diagnóstico e, consequentemente, a escolha do antibiótico, deve ser baseado em resultados clínicos, epidemiológicos e laboratoriais.
Posso interromper o uso se eu melhorar?
Para o tratamento com antibiótico, deve ser feito o ciclo completo da medicação. Como explicado por Adryella, é comum observar uma melhora dos sintomas após três dias de uso. Mas isso não significa que todas as bactérias foram eliminadas do organismo.
Quando os sintomas melhoram, geralmente significa que os micro-organismo mais frágeis começaram a morrer. No entanto, se o paciente interromper o tratamento nesse momento, as bactérias mais fortes, que sobreviveram, começam a se multiplicar novamente. “Se a gente interromper o tratamento, essas bactérias que nós ainda não eliminamos podem criar resistência para aquele antibiótico e, daqui a um tempo ou em uma próxima infecção, elas estarão mais fortes”, afirma.
Isso acontece porque as novas bactérias são descendentes das mais resistentes que continuaram se multiplicando. Assim, se o tratamento for interrompido, é provável que o mesmo medicamento já não seja mais eficaz para curar a infecção, caso ela persista.
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O que acontece se eu não respeitar os horários ou dias indicados?
De acordo com Adryella, tomar o medicamento no horário correto, com intervalos regulares, garante que haja sempre uma quantidade eficaz da substância ativa no sangue, combatendo as bactérias. É que o intervalo entre as doses é calculado de acordo com a chamada “meia-vida” do remédio, isto é, o tempo que leva para que a concentração dele caia pela metade na corrente sanguínea. Se os intervalos entre as doses forem maiores do que o recomendado, o nível da substância no corpo pode ficar abaixo do necessário, permitindo que as bactérias se multipliquem novamente.
Por que o antibiótico é vendido apenas com receita?
Desde 2010, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) controla a venda de antibióticos no Brasil, que só pode ser feita mediante receita médica. As razões para isso são diversas. Como aponta Adryella, “a venda dos antibióticos com receita é muito importante, porque no Brasil nós temos um problema muito sério de automedicação”.
Mas nós não estamos sozinhos nessa. Em 2015, a Organização Mundial da Saúde (OMS) lançou o Plano de Ação Global em Resistência a Antimicrobianos, que serviu de base para diversos países traçarem suas estratégias contra a automedicação, entre outras questões.
É que o uso indevido de antibióticos causa problemas de saúde pública, já que pode provocar o desenvolvimento de superbactérias, grupo capaz de resistir aos efeitos dos tratamentos das doenças.
O problema é tão sério que, segundo o Ministério da Saúde, se medidas não forem tomadas, estimativas indicam que em 2050 uma pessoa morrerá a cada três segundos em consequência de agravos causados por resistência aos antimicrobianos, o que representará 10 milhões de óbitos por ano, ultrapassando a atual mortalidade por câncer (8,2 milhões de mortes/ano).
Em 2020, um estudo da Organização Mundial de Saúde (OMS) detectou, em pacientes internados de 87 países, altos níveis de resistência a tratamento em bactérias que causam infecções na corrente sanguínea. Em mais de 60% dos casos de gonorreia, por exemplo, o antibacteriano oral mais comum se mostrou ineficaz. Já nas infecções do trato urinário, mais de 20% dos casos resistiam tanto aos tratamentos de primeira linha quanto aos de segunda linha.
O diagnóstico é essencial para um tratamento eficaz e livre do uso incorreto ou abusivo de antibióticos, que induz à resistência e reações adversas – além de provocar gastos desnecessários. Isso só pode ser alcançado por meio de exames clínicos e laboratoriais, além da indicação exata das doses necessárias, o que só pode ser feito por especialistas.
Os antibióticos podem gerar reações adversas?
Assim como qualquer medicamento, os antibióticos também podem causar reações adversas. É o que explica Adryella. “As principais são as reações alérgicas e os efeitos no trato gastrointestinal. É muito comum que as pessoas tenham diarreia após o uso de antibióticos, justamente por conta da nossa microbiota [ou “flora”, como costumava-se dizer antigamente], já que o antibiótico não vai agir somente nas bactérias que estão causando infecção”, explica. Segundo ela, o medicamento acaba agindo em outras bactérias que estão presentes em nosso intestino, garantindo o seu bom funcionamento. Ao eliminá-las, acontece um desequilíbrio que pode gerar, por exemplo, a diarreia.
Esses são os efeitos mais comuns, mas alguns antibióticos podem causar sonolência e até convulsão. Por isso, é muito importante que o paciente sempre se oriente com médicos e farmacêuticos a respeito do melhor horário para tomar, se há problemas de interação com outros medicamentos ou determinados alimentos, entre outros detalhes.