Ao firmar compromissos climáticos na COP-26 e revisar as metas de redução de gases do efeito estufa, o Brasil dá uma sinalização positiva à comunidade internacional, dizem especialistas ouvidos pelo Estadão. Precisa, porém, mostrar que vai colocá-los em prática, se quiser colher os frutos do novo posicionamento ainda na gestão do presidente Jair Bolsonaro.
Para o embaixador britânico no Brasil, Peter Wilson, a palavra-chave é implementação. Se quiser atrair investimentos de fundos públicos, incluindo o do Reino Unido, e também de fundos privados, o Brasil vai ter de provar que protege o meio ambiente. “O Brasil quer mais investimento em sua economia, mas, no futuro, não vai ser possível atrair os fundos maiores sem uma política ambiental clara nos níveis federal e estaduais”, diz. “Fundos públicos de outros governos, incluindo o do Reino Unido, vão ser usados onde são mais efetivos.”
Para muitos especialistas, parece improvável mudança tão drástica da política ambiental no fim do governo. “O mundo não acredita que essa mudança vai acontecer durante o atual governo, não se trata disso; mas é um fator positivo porque estabelece compromissos do Estado que terão de ser cumpridos no futuro”, diz o especialista em Relações Internacionais da USP Eduardo Viola.
Professor de Relações Internacionais da Universidade Veiga de Almeida, Tanguy Baghdadi vai na mesma direção. “Nesses casos, o que pesa mais é o histórico do governo”, diz. “E esse governo, nos últimos dois anos, aumentou as emissões; em plena pandemia, quando o mundo todo reduziu as emissões de CO2, o Brasil conseguiu a proeza de aumentá-las em 9,5%.”
Pesquisador do Núcleo de Inteligência Internacional da Fundação Getúlio Vargas (FGV), Leonardo Paz afirma que, em um futuro não muito distante, países que contribuem para as mudanças climáticas estarão sujeitos a sanções internacionais. O pesquisador lembra que está em análise no Congresso americano um projeto de lei nesse sentido.
“Acho improvável que esse governo faça uma reversão de sua política climática”, diz Paz. “Mas, por exemplo, se a situação começar a piorar, se começarmos a ter novos recordes de queimadas e emissões no ano que vem, uma lei como essa nos EUA pode ganhar força e acabar sendo aprovada.”
O governador do Espírito Santo, Renato Casagrande, presidente do Consórcio Brasil Verde, formado por 22 chefes de Executivos estaduais, participa de um encontro promovido pelo príncipe Charles, em Glasgow, na Escócia. Entre suas missões está apresentar o consórcio de governadores e tentar diminuir as dúvidas em relação à recém-assumida postura colaborativa do Brasil nas negociações internacionais do clima na COP 26, a conferência do clima da ONU.
As dúvidas que ele ouve de membros de delegações internacionais, gestores de fundos privados, empresários e representantes do terceiro setor são as mesmas que o governador de São Paulo, João Doria, ouviu desde antes de embarcar para o Reino Unido. “Todos estão vendo uma postura diferente do Brasil, mas todos estão vendo com desconfiança”, diz Casagrande. “Há um ceticismo em relação ao governo brasileiro.”
Antes de ir para Glasgow, Doria (que retornou quarta-feira para São Paulo) esteve em Dubai participando da Expo Dubai, um dos maiores eventos de negócios do mundo. Lá teve que responder a dúvidas de investidores estrangeiros sobre a política ambiental brasileira. “O representante de um dos maiores fundos privados do mundo, de Abu Dhabi, nos perguntou sobre isso”, afirma. “É um tema de preocupação mundial, não só de ambientalistas.”
Na Escócia, o Brasil assumiu novos compromissos que destoam da condução da política ambiental sob a gestão Jair Bolsonaro. Em três dias anunciou que pretende cortar as emissões nacionais de gases de efeito estufa em 50% até 2030, apresentou nova meta para zerar o desmatamento e assinou o acordo para redução da quantidade de metano emitida para a atmosfera. O País foi elogiado por autoridades internacionais, como o enviado especial para o Clima do governo americano, John Kerry.
Mudança de postura é cercada de dúvidas
Os novos compromissos assumidos pelo Brasil surpreendem, mas não chegam a empolgar. “Por que não fez isso antes?”, diz Doria. “Essa descrença que gera em mim é a mesma que gera nos investidores.”
Casagrande afirma que essa mudança de postura do Brasil em relação a última edição da COP, em Madri, em 2019, também pode ser creditada a pressões internas e externas. “Nenhuma (edição) da conferência teve tanta gente do Brasil presente. Se o País não assumisse perante o mundo (uma postura diferente) ficaria numa situação delicada”, diz. “E agora que assinou os compromissos, quais são os planos?”
Ex-embaixador do Brasil no Reino Unido e nos Estados Unidos, Rubens Barbosa acha que houve uma evolução positiva da narrativa do governo sobre as questões climáticas de 2019 para cá. “Em vista dos grandes compromissos que o Brasil assumiu, inclusive nos pronunciamentos do próprio presidente, espera-se agora uma mudança na política de meio ambiente do governo, no combate aos ilícitos da Amazônia, na retirada de projetos de lei que permitem o aumento das áreas de garimpo, no aumento da fiscalização na pecuária”, afirma Barbosa. “A população deve cobrar (do presidente) que cumpra os compromissos; como falta um ano para as próximas eleições, essa cobrança pode vir nas urnas.”