Amazônia: Soluções para a floresta passam por bônus a agente ambiental e tecnologia, diz relatório

Diagnóstico feito pelo Instituto Igarapé, Fórum Brasileiro de Segurança Pública e Centro Soberania e Clima lista medidas para a segurança e o desenvolvimento sustentável da floresta

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Por Emilio Sant'Anna
Atualização:

Criar incentivos e concessões financeiras para atrair e manter os bons funcionários e investimento em tecnologia. A receita cabe para uma empresa saudável com planos de crescimento. Nesse caso, porém, quem precisa se beneficiar desse modelo não vai tão bem assim: a Amazônia. Isso faz parte de um diagnóstico produzido pelo Instituto Igarapé, Fórum Brasileiro de Segurança Pública e Centro Soberania e Clima que aponta para uma série de medidas para a segurança e o desenvolvimento sustentável da floresta e dos cerca de 25 milhões de pessoas que vivem na região.

A complexidade do desafio só é comparável com a urgência de equacionar os problemas que existem na Amazônia e que se refletem no País. O Brasil tem seis anos para zerar a derrubada ilegal da floresta. A meta foi acordada pelo País durante a COP-26 (Conferência do Clima das Nações Unidas), em Glasgow, em 2021. De lá para cá, no entanto, o caminho trilhado foi o oposto. Desmatamento em alta, mineração ilegal crescente, grilagem de terras protegidas e o avanço de organizações criminosas para a região são apenas uma parte do quadro que gera prejuízos internos e desconfiança internacional.

Floresta tem visto recordes nas taxas de desmatamento nos últimos anos Foto: Gabriela Biló/Estadão

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Batizada de “Governar para não Entregar”, que remete ao slogan dos tempos do Regime Militar “Integrar para não Entregar”, mas com o sinal oposto, o diagnóstico das três instituições destaca a complexidade do panorama de mudanças, o potencial da região e as consequências da falta de uma política nacional coordenada para a região. A partir desta segunda-feira, 5, dia da Amazônia, os organizadores levarão o estudo e suas propostas a campanha dos candidatos à Presidência, aos governos de Estado e ao Legislativo.

Na lista de medidas a serem encaradas com urgência está a valorização dos servidores públicos nas carreiras federais para atração e permanência na região amazônica, especialmente para postos mais críticos e afastados das capitais, evitando a alta rotatividade. “A concessão de incentivo financeiro, isonomia entre as carreiras e vantagem na progressão de carreira são opções a serem consideradas”, afirma o relatório.


Para a diretora de Projetos do Instituto Igarapé, Melina Risso, a medida é uma forma de inverter a noção de “castigo” implícita em ocupar um cargo na região. “Quando um servidor vai para a Amazônia, normalmente em início de carreira, a primeira coisa que ele faz é pensar em sair de lá”, afirma. “Na primeira oportunidade ele vai embora.”

Melina diz que a adoção de incentivos de carreira para o deslocamento para a Amazônia não chega a ser uma novidade. “As Forças Armadas têm esses incentivos para a carreira dos oficiais. O tempo passado lá também é em parte abatido do tempo para a aposentadoria”, afirma. “Precisamos repensar as carreiras federais para que os melhores fiquem lá. Isso é factível”.

Implementar uma política de carreiras como essa seria uma mudança no cenário dos servidores federais que hoje trabalham na região. Uma das críticas no Brasil e no exterior ao governo de Jair Bolsonaro é o desmonte dos órgãos de combate e fiscalização, como o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (Ibama).

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Entre os outros pontos destacados pelo diagnóstico está o investimento em tecnologias de monitoramento remoto e análise automatizada para reduzir os custos operacionais. Além de dar mais celeridade ao trabalho de campo, como as fiscalizações e autuações, a medida pode ter impacto na proteção ambiental.

Além disso, o relatório sugere criar uma rede de transmissão e registro de informações sobre invasões e exploração ilegal de recursos naturais em terras protegidas, como territórios indígenas e unidades de conservação, equipando as comunidades com os recursos tecnológicos necessários e fazendo a capacitação para o uso de aplicativos online de monitoramento de queimadas e desmatamento.

O documento revela a baixa eficiência do Estado brasileiro para as questões de governança sobre as questões amazônicas, em especial nos territórios distantes dos grandes centros urbanos. “O poder público está presente, mas de forma desorganizada e desarticulada”, diz Renato Sérgio de Lima, presidente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.

De acordo com o relatório, há apenas 148 embarcações disponíveis à Polícia Militar e 34 à Polícia Civil no conjunto de seis Estados da Amazônia pesquisados, além de apenas quatro aviões e dois helicópteros em uma área de grandes dimensões. Para se ter dimensão do que isso representa, as Polícias Civil e Militar do Estado de São Paulo têm 686 embarcações, quatro aviões e 28 helicópteros.

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Lima ressalta o tamanho do déficit com o avanço das facções criminosas na região e com a associação delas com atividades legais e ilegais, que ficaram claras coo o assassinato do indigenista Bruno Pereira e do jornalista Dom Phillips. em junho, no Vale do Javari, região de tríplice fronteira em que o tráfico de drogas prospera. “São 22 facções que ocupam a Amazônia Legal e dão as regras de convivência sobre coisas como, por exemplo, que pode ou não entrar no garimpo”, afirma. “Não é por acaso que o número de homicídios subiu tanto na região, ao contrário do que ocorreu no país ao longo dos últimos anos”.

O diagnóstico das três instituições ainda lista medidas como:

- Implementar um Plano de Proteção e Fiscalização das terras indígenas e das unidades de conservação ambiental de forma integrada e participativa, articulando ações dos órgãos federais (Polícia Federal, IBAMA, CENSIPAM, FUNAI e ICMBio), as onstituições não governamentais, associações e comunidades

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- Regulamentar o poder de polícia administrativa da FUNAI para que o órgão tenha competência de fiscalizar suas áreas de atuação, instaurar procedimentos administrativos sancionadores e punir aqueles que praticarem atos ilícitos – administrativos – em terras indígenas

- Revogar todas as normas vigentes que limitam a execução da fiscalização ambiental pelos órgãos competentes e que impedem a responsabilização dos infratores

- Recompor a capacidade de atuação das agências ambientais como Ibama e ICMBio com recursos humanos, tecnológicos e financeiros.

- Executar e cobrar efetivamente as multas impostas pelo Ibama a infratores ambientais por meio da atuação conjunta entre o órgão e a Procuradoria Especializada.

- Tipificar o crime de grilagem de terras públicas em áreas de florestas públicas.

- Capacitar servidores de diferentes áreas, incluindo juízes, policiais, promotores, procuradores, funcionários alfandegários em diferentes tipos de respostas de combate aos crimes ambientais e delitos correlatos

A longa lista de medidas evidencia a complexidade do desafio e das diferenças dentro do território amazônico. Sem organização e governança, diz a diretora de Projetos do Instituto Igarapé, o País ficará cada vez mais longe de suas metas ambientais e os efeitos serão cada vez mais sentidos nas outras regiões.

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