O aumento expressivo das queimadas na Amazônia no mês de agosto evidenciou um longo processo de destruição da floresta do qual o fogo é só a última etapa. Depois do desmatamento ou da retirada de madeira, os incêndios são usados para a limpeza definitiva do terreno. Por isso a queda nos focos observada em setembro não tem sido considerada um motivo de tranquilidade para ambientalistas, fiscais e cientistas.
Somente em setembro, até o dia 19 de setembro, os alertas de desmatamento do Deter, do Inpe, indicaram uma alta de 58% na perda da floresta, em relação a setembro inteiro do ano passado. De 1º de janeiro a 19 de setembro, os alertas de desmatamento cobriram 7.580 km² - um aumento de 153% e de 79%, quando comparado à média dos últimos 10 anos e três anos, respectivamente, para o período.
Para registrar esse processo de destruição da floresta, o fotógrafo de ambiente Araquém Alcântara, junto com uma equipe da ONG WWF-Brasil, sobrevoou nos dias 23 e 24 de setembro o sul do Pará e o norte do Mato Grosso, onde estão algumas das cidades que registraram mais focos de incêndio neste ano.
As imagens, passadas com exclusividade para o Estado, podem ser vistas neste especial multimídia. Elas foram feitas sobre as regiões de Itaituba, Novo Progresso, São Félix do Xingu e Guarantã do Norte. Em apenas um período de 3 horas, foram observados 18 pontos de fumaça.
Os focos de queimadas na Amazônia caíram 19% em setembro, ante o mesmo mês do ano passado (de 24.803 para 19.925), depois de terem visto uma alta de 196% em agosto, também na comparação com o mesmo mês do ano anterior (30.901 focos, ante 10.421).
"Mas olhar somente o dado da queimada de setembro, isoladamente, é uma forma simplificada de ver a questão. O acumulado do ano mostra que queimou muito, ainda mais quando se considera que este não foi um ano muito seco", afirma Mariana Napolitano, gerente de ciência do WWF-Brasil.
Entre 1º de janeiro e 30 de setembro, o bioma registrou 66.750 focos de queimadas - alta de 42% em relação ao mesmo período em 2018, que teve 46.968 focos. Em alguns Estados, a situação foi mais grave, como Roraima, que teve um aumento de 132%.
As fotos ilustram que as queimadas estão atreladas ao desmatamento. Vários análises feitas neste ano mostraram essa relação, como as feitas pela Nasa e pelo Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam). Em um outro recorte, o WWF-Brasil contabilizou que 31% dos focos de queimadas na Amazônia registrados até agosto deste ano localizavam-se em áreas que eram floresta até julho de 2018.
A imagem acima traz, por exemplo, elementos comuns em situações de grilagem. Feita no sul da cidade de Itaituba, no Pará, a leste da BR-163, ela mostra que parte da terra foi retirada na borda da área que está sendo queimada para evitar que o fogo se espalhe.
"É possível notar uma cerca no meio do traçado do aceiro, o que indica que quem está promovendo a queimada tem recursos para cercar a área e que existe uma preocupação em delimitar a propriedade", comenta Ricardo Mello, gerente para a Amazônia do WWF-Brasil.
Um foco maior na mesma foto (acima) mostra que nem todas as árvores foram derrubadas para a queimada, marcando um processo mais lento de degradação. "Sem a limpeza total da vegetação, os satélites de monitoramento têm mais dificuldade em detectar o desmatamento", explica Mello.
A foto abaixo, feita na região de Novo Progresso, indica que a floresta densa e úmida também foi afetada. O sinal disso é a fumaça mais esbranquiçada. Isso pode tanto indicar que o fogo de um desmate, por exemplo, escapou do controle e entrou na floresta, ou que a área nem sequer foi preparada com cortes e secagem das árvores.
"O motor da queimada é o desmatamento, e isso não estamos vendo diminuir. Então não dá para achar que não precisamos mais nos preocupar. Dizer 'ufa' porque o fogo reduziu. Se continuar nesse ritmo, com baixo controle dos crimes e redução do orçamento, vamos ver o mesmo cenário no ano que vem. O problema não acabou", afirma Mariana.
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