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Brasileiros e golfinhos trabalham juntos para pescar no Sul do País. Talvez não por muito tempo

Raro exemplo de relação mutuamente benéfica entre humanos e animais não domesticados pode ser extinta devido ao declínio nas populações de tainhas

Por Andrew Jeong
Atualização:

Em uma bela cidade costeira no sul do Brasil, há mais de 140 anos as pessoas cooperam com os golfinhos selvagens para capturar tainhas, o peixe prateado que serve de fonte de renda para os habitantes e de refeição para os amigáveis mamíferos marinhos. Esses pescadores artesanais têm operações de pequena escala, envolvendo famílias que realizam a prática há gerações.

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Os pescadores entram na água do mar até a cintura perto das praias de Laguna, no Brasil, esperando pacientemente que os golfinhos-nariz-de-garrafa apareçam e deem dicas, que apontam onde estão as tainhas. Essas dicas consistem nos golfinhos dando voltas em forma de arco, saltando para fora da água. Seguindo as dicas, os pescadores lançam suas redes.

Em troca, os golfinhos ganham almoço fácil, engolindo algumas das tainhas que escapam das redes. Os golfinhos que participam desse ritual têm uma chance 13% maior de sobrevivência do que os golfinhos que não o fazem, de acordo com um novo estudo feito por uma equipe internacional de pesquisadores e publicado na revista Proceedings of the National Academy of Sciences.

Para a pesquisa, os cientistas usaram drones e gravações de som subaquático para documentar como a prática é realizada.

Mas essa tradição, um raro exemplo de relação mutuamente benéfica entre humanos e animais não domesticados, pode ser extinta em breve devido ao declínio nas populações de tainhas desencadeado pelas mudanças climáticas e pela pesca comercial excessiva, de acordo com o estudo revisado por pares.

Isso, por sua vez, poderia causar quedas significativas nas populações locais de golfinhos, disseram os pesquisadores.

“Uma subpopulação de 60 golfinhos pode facilmente cair para uma dúzia em poucos anos, no pior cenário possível”, disse Damien Farine, professor de ecologia na Universidade Nacional Australiana e um dos três pesquisadores que escreveram o estudo, disse em entrevista por telefone.

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Os pescadores entram na água do mar até a cintura perto das praias de Laguna, no Brasil, esperando pacientemente que os golfinhos-nariz-de-garrafa apareçam e deem dicas Foto: Carolina Bezamat/Universidade Federal de Santa Catarina via AP

Os golfinhos que participam dessa simbiose incomum têm maior probabilidade de desfrutar de vidas mais longas, em parte porque não precisam enfrentar equipamentos de pesca perigosos, onde podem se tornar a captura acidental de métodos de pesca comercial muitas vezes ilegais, como as redes de arrasto, que costumam enredar os golfinhos e afogá-los.

Enquanto isso, as mudanças nas temperaturas da superfície do mar estão resultando não apenas em menos tainhas; estão também conduzindo cardumes para diferentes partes da costa. Isso significa que o número de tainhas disponíveis para os pescadores locais está diminuindo, disse Farine.

Embora os cientistas não concordem com os números que mostram a rapidez com que as temperaturas da água do mar estão mudando, “na maioria das vezes elas estão subindo, tornando menos provável que a tainha chegue à costa”, disse Farine.

Isso significa que os pescadores estão pegando menos peixes e os golfinhos estão recebendo almoços menores e menos frequentes.

A prática funcionou por gerações porque beneficia humanos e golfinhos, disse Farine. Os pescadores podem pegar até meia tonelada de tainhas em uma única rede, enquanto os golfinhos precisam apenas de três ou quatro tainhas, que podem chegar a 4 quilos.

“O que faz com que essa interação seja incomum é o fato de ser mutuamente benéfica, e não competitiva”, disse Farine.

“Isso garante que ela tenha um interesse científico substancial, pois pode nos ajudar a entender em que condições a cooperação pode evoluir”, disse ele, “e em que condições pode ser extinta”. /TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZOU

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