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Chuva no Rio Grande do Sul e crise climática: ‘Até quando vamos correr atrás do prejuízo?’

Professor da USP e membro do IPCC, painel das Nações Unidas para estudar o aquecimento global, diz que adaptação precisa de ação de municípios e coordenação federal

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Por Juliana Domingos de Lima
Atualização:
Foto: Márcio Fernandes/Estadão
Entrevista comPaulo Artaxoprofessor do Instituto de Física da USP e membro do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas

Cidades gaúchas registraram em dois dias um volume de chuva três vezes maior do que a média histórica para o mês, de acordo com o Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden). Ao mesmo tempo, seis Estados do Sudeste e Centro-Oeste estão em alerta para uma onda de calor que deve se estender até 10 de maio, segundo o Climatempo.

Tanto calor e tanta chuva são atípicos para o outono, mas, como alerta o professor do Instituto de Física da USP e membro do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas Paulo Artaxo, os fenômenos climáticos extremos vieram para ficar, cada vez mais intensos, frequentes e imprevisíveis.

Moradores de Encantado, no Rio Grande do Sul, tentam atravessar alagamento nesta quinta-feira, 2 Foto: Diego Vara/Reuters

Ele falou ao Estadão sobre a relação dos fenômenos recentes com a mudança do clima, a necessidade urgente de adotar diferentes estratégias para adaptar um País de dimensões continentais a esse “novo clima” e de agir para reduzir as emissões de gases de efeito estufa capazes de limitar o aquecimento do planeta.

Leia a entrevista a seguir.

Estados do Sul, Sudeste, Centro-Oeste e Nordeste estão neste momento com alertas de perigo do Inmet para onda de calor e chuvas intensas. É algo inédito para essa época do ano?

A palavra inédito já não cabe mais, esse é um ponto importante. Nós já mudamos o clima do planeta, ele já é diferente do que havia nos últimos dez, vinte anos em relação à intensidade e frequência dos fenômenos climáticos extremos. É inegável que eles já estão impactando o clima de maneira muito significativa e certamente, com o agravamento do aquecimento global, só vão aumentar em frequência e intensidade no futuro.

Há influência do El Niño nas chuvas que vimos nos últimos dias no Rio Grande do Sul?

O El Niño já terminou. O ponto principal é que já ocorreu o resfriamento das águas do Pacífico, isso foi medido por satélite e o fim dele foi decretado pela NOAA, a agência americana de oceanos. Não podemos creditar esses eventos no Rio Grande do Sul ao El Niño, mas podemos creditá-los a um agravamento da crise climática. Nem precisa ir para o Rio Grande do Sul, veja a onda de calor que estamos tendo em São Paulo, que é absolutamente atípica: 32 graus no meio de maio, uma temperatura típica de verão, por uma semana inteira. São manifestações das mudanças que nós fizemos no clima.

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Quais as previsões para os próximos meses do ano? Continuaremos vendo mais fenômenos extremos como esses?

É impossível prever. O clima mudou tanto que os modelos climáticos que estavam programados para fazer previsões confiáveis há dez anos já perderam muito dessa capacidade. Nós estamos vivendo num novo clima. Isso também é um ponto importante. Essencialmente, um novo clima cheio de ondas de calor e de chuvas muito intensas, que traz prejuízos socioeconômicos muito intensos e a única maneira de lidar com isso é reduzindo as emissões de gases do efeito estufa.

Há regiões que estão mais vulneráveis?

Agora temos cheias no Rio Grande do Sul, ondas de calor no Sudeste, tivemos secas e enchentes completamente atípicas na Amazônia. Então esses fenômenos basicamente estão acontecendo em todos os biomas. O Pantanal queimou durante dois anos seguidos, algo que nunca tinha se observado em dez, vinte anos. Esses eventos mostram de forma clara que a gente está mudando drasticamente o clima do nosso planeta.

O que se sabe sobre como os fenômenos climáticos extremos impactam o Brasil?

Nunca podemos esquecer que o Brasil é um País tropical e as regiões mais impactadas são exatamente as tropicais. Muitas cidades do Brasil, como Teresina, Cuiabá, já vivem com temperaturas de 41, 42 graus no verão. Quando o aquecimento que estamos projetando, de 4 graus Celsius, efetivamente ocorrer nessas regiões, vamos ter períodos em que as temperaturas podem atingir 44, 45 graus nessas e em muitas outras cidades. Isso coloca a saúde da população em risco. O Brasil precisa se adaptar ao novo clima. Senão, vamos ficar apagando incêndio aqui, socorrendo enchente em outro lado, deslizamento de terra em Paraty hoje, amanhã em São Sebastião… Até quando vamos ficar correndo atrás do prejuízo?

O que significa essa adaptação? Em que medida é possível se preparar para esses eventos?

No caso das enchentes, temos que ter brigadas prontas para atuar em qualquer região para dar suporte quando ocorrem ocorrem precipitações de 200, 300 mm por dia. Isso é absolutamente essencial para o País. Mas é importante perceber que a adaptação tem que ser feita região por região. Não se adapta um país de dimensões continentais com o Brasil com uma estratégia única. Cada município vai ter que identificar suas vulnerabilidades específicas e com isso trabalhar numa estratégia de adaptação, que vai ser diferente no Vale do São Francisco, na Amazônia e assim por diante. E o governo federal tem que coordenar esse esforço dos estados e municípios.

Como você avalia as ações do poder público nesse cenário, tanto em nível local quanto federal? O que não está sendo feito?

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Nós temos planos de adaptação mas que não estão sendo implementados. A questão da adaptação é que pode ser o mesmo problema, mas para São Paulo (a solução) é uma, para Porto Alegre é outra. Em relação às chuvas intensas, precisamos fortalecer enormemente a Defesa Civil do Brasil. Isso é mais ou menos óbvio, mas precisamos ter brigadas em cada Estado prontas para atuar porque a gente não sabe mais quando essas chuvas surpreendentemente fortes vão ocorrer de novo. Pode ser na semana que vem ou daqui a seis meses, mas é obrigação do Estado brasileiro proteger a população da frequência e intensidade desses eventos climáticos extremos.

A única solução é a redução das emissões de gases de efeito estufa. No caso brasileiro, isso significa zerar o desmatamento na Amazônia até 2030 como prometido na NDC (Contribuição Nacionalmente Determinada), a meta do Acordo de Paris assinado pelo Brasil, e forçar os países desenvolvidos e produtores de petróleo a abandonar completamente a extração e uso de petróleo o mais rápido possível. Essas são nossas duas tarefas.

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