Desesperadoras as cenas que percorreram as redes sociais nos últimos dias. Pessoas se equilibrando no corrimão da escadaria do metrô em São Paulo, sobre forte correnteza que, com um pequeno aumento, levaria todos para uma grande tragédia. A tempestade, de força inédita, não é apenas fruto da dita “natureza”, mas também, e principalmente, o resultado de escolhas ruins.
Explico: nas últimas décadas, as sucessivas administrações públicas optaram por não investir adequadamente na arborização da metrópole, assim como impermeabilizaram o seu solo despreocupadamente. O resultado, além das enxurradas, é a aridez, que gera ilhas de calor urbanas, fenômeno já bastante esclarecido pela ciência, e que potencializa eventos climáticos extremos, como ocorrido nessa sexta-feira, 24.

Como combater isso? Principalmente com vegetação urbana e permeabilidade do solo, que tem o poder de infiltrar a chuva, liberar água na atmosfera e diminuir a temperatura. Para isso, precisamos criar redes extensas e contínuas de arborização com árvores de grande porte nas ruas – incluindo ocupar vagas de carros, florestas nativas dentro das malhas urbanas, jardins de chuva e permeabilidade, de forma ampla e irrestrita - nem pontual, nem experimental.
É preciso buscar a “São Paulo da Garoa” de cinquenta anos atras, devolvendo por meio destas ações maior umidade e menor temperatura, regulando clima e possibilitando resiliência às mudanças climáticas locais e globais.
Esse não é um problema apenas de São Paulo, mas de praticamente todas as cidades brasileiras, lar hoje de 87,4% da população nacional. Não são poucas as administrações públicas e parte da população que ainda consideram árvores e jardins como assunto menor, até mesmo supérfluo, mera decoração urbana que pode trazer transtornos e aborrecimentos devido à falta crônica de planejamento, investimento e manutenção.
Essa mentalidade se reflete nas campanhas políticas municipais recentes. O tema sequer foi lembrado por esmagadora parte dos políticos e eleitores, e entrou na pauta somente após tempestades que provocaram tragédias e comprometimentos econômicos. Logo a culpa foi candidamente depositada na existência de árvores nas malhas urbanas e o assunto caiu em esquecimento.
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Basta uma volta nas cidades, independentemente de seu porte, para constatar o descaso com que a arborização e o paisagismo público são tratados há décadas. Praticamente não há rua – quando nela existem árvores – sem a presença de podas mutiladoras que apodrecem troncos, cimento cobrindo raízes e caules, árvores de espécies anãs ou inadequadas, muretas em volta de canteiros, presença de cupins e fungos sem tratamento e disputas com a fiação elétrica aérea, entre muitos outros problemas.
Como exemplo, um artigo científico internacional, realizado em 2021 por cientistas da Universidade de São Paulo (USP), acompanhou por três anos as quedas de árvores na metrópole paulistana. A conclusão é de que as quedas também ocorrem diariamente nas ruas sem causas climáticas aparentes, mas, pela falta crônica de boa gestão.
Para se ter ideia da gravidade, na cidade de São Paulo, a mais rica do País, ainda inexiste um inventário básico da arborização urbana relatando e acompanhando periodicamente a quantidade total de exemplares, suas espécies, localização, idade e estado de saúde. O que temos é só um levantamento numérico por fotos de satélite que chegou a 650 mil árvores nos passeios públicos, cujo site do Prodam é ilustrado com uma floresta de pinheiros estrangeiros, a despeito do município estar na Mata Atlântica e no Cerrado, dois hospots da biodiversidade global.
Isso rememora outro fato, de que somos o país com a maior quantidade de plantas nativas do planeta, mas a quase totalidade da vegetação urbana é de origem estrangeira devido a preferências culturais e de mercado, o que gera sérios problemas ecológicos, como invasão biológica e de desconexão com o imenso patrimônio natural herdado.
É inaceitável, no cenário ameaçador de agravamento climático, seguirmos com o tratamento do verde urbano como tem sido feito. Essa fórmula não funcionou, e é urgente mudança estrutural radical. Árvores e florestas urbanas devem ter a mesma prioridade de investimentos, rigor e cuidados do que outras infraestruturas vitais, como água, esgoto e eletricidade.
Torna-se necessário um órgão federal responsável pela regulamentação e fiscalização do verde urbano nos municípios, considerando suas peculiaridades e diferenças regionais, algo como um “Sistema Único de Arborização - SUA”, em parceria a uma nova “Embrapa Paisagismo e Arborização” nos diferentes biomas, para atuar com pesquisas e desenvolvimento de espécies nativas e o aproveitamento da imensa biodiversidade brasileira, promovendo o equilíbrio ecológico urbano e fomentando as espécies adequadas para compras públicas e paisagismo e arborização em geral.
Somente com o entendimento de que o meio ambiente urbano é tão importante quanto outras grandes questões pertencentes ao tema, é que conseguiremos preparar nossas cidades para os desafios que já se apresentam e tendem a piorar.