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Dona de Belo Monte desiste de plano de queimar milhares de madeiras nobres do Xingu

Decisão foi comunicada pela concessionária Norte Energia ao Ibama; Estadão revelou pedido no dia 1º de setembro para uso do material em fornos de siderúrgica

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Foto do author André Borges

BRASÍLIA – A concessionária Norte Energia, dona da hidrelétrica de Belo Monte, em operação no Rio Xingu, no Pará, desistiu de seu plano de queimar mais de 3,5 mil metros cúbicos de madeira, dos quais mais de 2 mil m³ são espécies nobres e protegidas por lei federal, material que encheria 120 caminhões de toras.

A decisão foi comunicada pela empresa ao Ibama. Por meio de documento enviado ao órgão federal na segunda-feira, 27, a dona da hidrelétrica solicitou a “suspensão da consulta acerca da destinação da madeira situada nos pátios da UHE (usina hidrelétrica) Belo Monte para a produção de bioredutor energético destinado ao processo fabril de siderurgia”. 

A retirada da vegetação emBeloMonte, ocorrida em 2015, teve o propósito de dar espaço ao reservatório de 478 quilômetros quadrados criado no Rio Xingu Foto: WESLEY WD/ESTADAO

A desistência ocorre após o plano da companhia ser revelado pelo Estadão. Reportagem publicada na última quarta-feira, 22, detalhou que a Norte Energia havia pedido, no dia 1º de setembro, o “uso de madeira para fins energéticos”. Em seu pedido, a Norte Energia afirmava que fez um levantamento sobre as “condições físicas dos estoques de toras nos pátios de madeira” da usina, entre dezembro de 2020 e abril deste ano, e chegou à conclusão de que possui “3.502,40 m³ de toras de madeira, estocadas em pátio, que ainda apresentam condições de utilização”.

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O objetivo era transformar o material em combustível para alimentar os fornos da siderúrgica Sinobras, que é uma das sócias da Norte Energia. “A empresa Sinobras - Siderúrgica Norte Brasil S.A. contatou a Norte Energia demonstrando interesse no aproveitamento de toda a madeira situada nos pátios da UHE (usina hidrelétrica) Belo Monte para a produção de bioredutor energético, destinado ao processo fabril de siderurgia da empresa”, informou a concessionária, no documento.

A Norte Energia é uma concessionária formada por empresas do Grupo Eletrobras (49,98%), fundos Petros e Funcef (20%), Neoenergia (10%), Vale e Cemig (9%), Light e Cemig (9,77%), Sinobras (1%) e JMalucelli Energia (0,25%).

Questionada pela reportagem sobre a sua decisão nesta terça-feira, 28, a Norte Energia afirmou que “decidiu reavaliar o destino do remanescente de produtos madeireiros objeto da consulta recente ao órgão Licenciador” e confirmou que a suspensão da consulta já foi comunicada formalmente ao órgão ambiental responsável. 

Dos 3,5 mil m³ de toras que seriam queimados, mais de 2 mil m³ são espécies raras e protegidas por lei, além de outras que a própria Norte Energia enquadra como de madeira nobre e de “alto valor comercial” Foto: WESLEY WD/ESTADAO

“É importante esclarecer que a maior parte da madeira protegida por lei extraída para a implantação da usina tem sido utilizada em múltiplas ações sociais, que beneficiam moradores de comunidades na área de influência da usina, tais como ribeirinhos e comunidades indígenas, na construção e reforma de pontes, escolas, postos de saúde, equipamentos de lazer, entre outros”, declarou a empresa.

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Na sexta-feira, 24, após a publicação da reportagem sobre o plano da concessionária, o governo do Pará reagiu com indignação sobre o plano da empresa e afirmou que adotaria medidas para evitar que o material fosse transformado em cinzas.

“O governo do Pará informa que toma conhecimento do caso através da denúncia do jornal O Estado de São Paulo e que considera inadmissível esta agressão aos nossos recursos naturais. O Estado vai buscar, por meios legais, receber as madeiras para dar uma destinação social, tendo em vista a prioridade do recurso para a construção de moradias, pontes, espaços públicos e etc.”, informou, por meio de nota.

Na semana passada, a Norte Energia foi procurada pela reportagem e questionada sobre detalhes de seu plano para queimar o material, bem como sobre a reação do governo do Pará. A empresa não se manifestou.

Na quarta-feira, 22, após ser indagada sobre a ideia enviada ao Ibama, a companhia limitou-se a declarar que “a carta mencionada trata de consultas de rotina ao Ibama, na condição de licenciador da UHE (usina hidrelétrica) Belo Monte, que tange a legislação e normativas ambientais”.

O inventário das madeiras depositadas no entorno da hidrelétrica também concluiu que, além dos 3,5 mil m³ de toras que pretende queimar, há um volume de material que apodreceu. São 18.497 metros cúbicos de madeira já classificados como “não aproveitável”. Não foi dada nenhuma informação sobre as causas deste material ter apodrecido.

Retirada da vegetação deu espaço a reservatório no Rio Xingu

A retirada total da vegetação em Belo Monte, em 2015, teve o propósito de dar espaço ao reservatório de 478 quilômetros quadrados criado no Rio Xingu, além do canal artificial de mais 20 quilômetros de extensão da hidrelétrica, estruturas que impactam diretamente os municípios de Altamira e Vitória do Xingu.

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A remoção da vegetação foi autorizada pelo Ibama, órgão federal responsável pelo licenciamento da usina e a fiscalização de seus impactos ambientais. A retirada, portanto, foi feita de forma legal e com acompanhamento das autoridades responsáveis.

Por lei, porém, todo material extraído tem de ser catalogado e devidamente destinado, seja por meio de doações ou utilização na própria obra, por exemplo. Ocorre que milhares de troncos estão há mais de seis anos apodrecendo a céu aberto.

Nos bastidores, há relatos de que o excesso de burocracia tem dificultado a destinação do material. O Ibama não explicou se a empresa atrasou o repasse da madeira ou se acha correto queimar espécies em extinção e de alto valor comercial.

“Existe dificuldade de prefeituras e outros interessados de retirar e transportar tal madeira, especialmente por conta do valor de fretes cobrados por terceiros”, informou o Ibama, autarquia do Ministério do Meio Ambiente.

O órgão federal atribuiu ainda o problema à grande quantidade de madeira que foi cortada para dar espaço à usina. “A empresa vem cumprindo as determinações do Ibama e, embora exista esforço para utilizar e/ou doar, os volumes de madeira suprimida são bastante significativos, não havendo vazão para todo o quantitativo”.

A respeito do pedido para queimar o material, o Ibama declarou que “o requerimento da Norte Energia solicitando o uso de madeira para fins energéticos chegou ao Ibama em 1.º de setembro deste ano e encontra-se em análise”.

Erguida na Amazônia, Belo Monte está localizada em uma das regiões que mais sofrem com o desmatamento ilegal, um crime crônico que domina boa parte do território do Pará e demais Estados da região amazônica.

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