Incêndios em Los Angeles: o que é o ‘pó rosa’ usado contra o fogo? É adotado no Brasil?

Retardante de chamas é usado para conter avanço do fogo, mas enfrenta críticas por impacto ambiental; uso não é regulamentado no Brasil, segundo o Ibama

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Por Juliana Domingos de Lima
Atualização:

Mais de uma semana após o início dos incêndios florestais na região de Los Angeles, na Califórnia, parte da cidade ficou coberta por uma nuvem de poeira rosa, que assentou sobre o asfalto, os carros e as árvores da cidade.

Veículo coberto por resíduo rosa de retardante de chamas, com casas destruídas em incêndio florestal em Pacific Palisades na Califórnia, em 12 de janeiro de 2025 Foto: FREDERIC J. BROWN

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A substância, um retardante de chamas, foi despejada por aviões tanque e é usada para impedir que o fogo se espalhe, ajudando a combatê-lo em áreas difíceis de serem alcançadas por terra.

Nos Estados Unidos, o produto costuma ser pulverizado ao redor de incêndios florestais, na vegetação e no solo de áreas propensas ao fogo.

Conforme o Serviço Florestal dos Estados Unidos, os retardantes contêm sais inorgânicos - tipicamente fertilizantes - que “alteram a maneira como o fogo queima”, diminuindo a intensidade e detendo seu avanço. Ao resfriar e revestir os combustíveis - no caso, a vegetação seca e inflamável -, esgotam o fogo de oxigênio, diminuindo a taxa de propagação.

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Em geral, retardantes são compostos por uma mistura de água, fosfato de amônio (fertilizante) e óxido de ferro, adicionado para tornar o produto visível e facilitar o trabalho de bombeiros e pilotos.

Controvérsia ambiental

O uso em larga escala dos retardantes de chama levanta preocupações sobre o impacto para o ambiente e a saúde. Com incêndios florestais mais intensos e frequentes devido às mudanças climáticas, eles têm sido empregados com menor intervalo, espalhando substâncias químicas prejudiciais ao ambiente.

Estudos apontam que produtos desse tipo utilizados nos EUA contêm concentrações de metal tóxico acima do limite permitido e teriam contribuído com o lançamento de aproximadamente 380 mil quilos desses metais ao ambiente do país de 2009 a 2021.

Ao longo dos anos - o Serviço Florestal dos EUA emprega esses produtos desde os anos 1950 -, o uso dos retardantes por entes públicos foi alvo de ações judiciais exigindo análise dos efeitos de sua aplicação.

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Em meio a vegetação coberta por retardante de chamas rosa, bombeiro trabalha para extinguir brasas nas colinas do bairro de Mandeville Canyon, que queimou no incêndio Palisades ocorrido em janeiro em Los Angeles, Califórnia Foto: VALERIE MACON

No processo mais recente, movido em 2022 por um grupo ambientalista, a agência estatal foi acusada de poluir cursos d’água ao derramar neles grandes volumes de retardante durante as campanhas contra incêndios florestais. Desde 2024, o serviço florestal americano proíbe o despejo desses produtos em hidrovias e habitats de espécies ameaçadas.

Há também quem questione a eficácia dos retardantes frente ao dano ambiental, uma vez que pode ser difícil medi-la depois que o fogo é extinto.

Defensores argumentam que eles são uma arma poderosa e indispensável contra grandes incêndios, que também oferecem riscos à saúde pela exposição à fumaça.

Brasil não tem preparo para uso seguro e eficaz, diz Ibama

Retardantes de chama são utilizados em casos pontuais para combater incêndios florestais no Brasil. O uso desses produtos não é proibido no País, mas carece de regulamentação específica e de mais estudos sobre seu impacto na vegetação e na fauna.

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Para o Ibama, esses efeitos “ainda não foram adequadamente investigados” e, diferentemente de países como Estados Unidos e Canadá, onde há frotas aéreas dedicadas e infraestrutura para a aplicação dos retardantes, “o Brasil carece de preparação adequada para o uso seguro e eficaz” desses produtos, declarou o órgão ambiental em nota.

Ele também não costuma ser usado pelo órgão federal porque a atuação principal do Centro Nacional de Prevenção e Combate aos Incêndios Florestais (Prevfogo) do Ibama no combate e prevenção a incêndios está concentrada em áreas federais, principalmente em terras indígenas e quilombolas, “situação que carece de maiores cuidados, haja vista os efeitos tóxicos que estes produtos podem causar”.

O Ibama também cita a segurança para a saúde humana entre as preocupações, recomendando que usuários busquem por informações detalhadas na Ficha de Informação de Segurança de Produtos Químicos fornecidas pelos fabricantes e utilizem Equipamentos de Proteção Individual (EPIs) para minimizar riscos à saúde dos combatentes.

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Segundo o órgão, a tecnologia pode ser eficaz, desde que haja proficiência das equipes para realizar operação efetiva e mitigar os impactos negativos: no caso da flora, alerta que esses impactos podem incluir “severa mortalidade” e alterações temporárias no ciclo de vida das plantas. “A decisão de usar retardantes de chama deve ser bem fundamentada, considerando os riscos e benefícios potenciais”, afirma.

O órgão já usou retardantes de chama de modo esporádico, nos incêndios ocorridos em 2008 na Chapada Diamantina e em 2015 na Terra Indígena Arariboia.

No entanto, faz a ressalva de que os incêndios florestais no Brasil diferem de países como os Estados Unidos em relação à vegetação e ao comportamento do fogo.

Nos EUA, há alta incidência de incêndios de copa, que exigem intervenções mais drásticas, utilizando meios aéreos para lançar água e retardantes de chamas, enquanto no Brasil predominam os incêndios que ocorrem sobre a superfície do solo, o que dificultaria a eficácia do lançamento aéreo de água ou retardantes, com penetração limitada desses agentes.

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São Paulo testou produto similar em setembro

Um retardante foi testado pelo governo de São Paulo durante a onda de incêndios que ocorreu em cidades do interior em setembro. Em vídeo promocional, o governo estadual anuncia o uso do “produto inovador no combate às queimadas”, que permitiria reduzir custos e aumentar a eficácia do combate, tornando-a mais rápida e impedindo a re-ignição em áreas já controladas.

Em nota, a Defesa Civil de São Paulo informou que um produto desse tipo foi usado pelo governo no 2º semestre de 2024, durante o combate a incêndios em Ribeirão Preto e na Reserva Ecológica do Jataí, em Luiz Antônio. O líquido retardante seria capaz de combater incêndios florestais até cinco vezes mais rápido que a água.

De origem nacional, o químico é usado como fertilizante na produção agrícola e, “de acordo com informações do fabricante, não causa efeitos ao ecossistema”, afirma o órgão estadual. O nome do fabricante e sua composição não foram informados.

Segundo a Defesa Civil, o produto deve ser utilizado em incêndios de grandes proporções como os que ocorreram no ano passado, seguindo “critérios preestabelecidos”: incêndios que estejam próximos a residências, atinjam áreas muito extensas ou coloquem em risco as reservas florestais do Estado.

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