André Lima (@andrelimadf), coordenador do Instituto Democracia e Sustentabilidade - IDS
De acordo com o filólogo João Ribeiro, em seu livro "A língua nacional", no tempo do Império, as autoridades brasileiras, fingindo que cediam às pressões da Inglaterra, anunciavam tomar providências para combater o tráfico de escravos africanos. Ação essa que, na verdade não acontecia, era para "inglês ver". Qualquer semelhança com o compromisso do General Mourão no combate aos desmatamentos na Amazônia não é mera coincidência.
Enquanto o Presidente Bolsonaro afirma para mídia mundial que não há devastação florestal no Brasil, o general Mourão, responsável pelo tema no governo, não apenas confessa perante o mundo que vai descumprir (nos quatro anos de governo Bolsonaro) a meta brasileira de redução de desmatamento na Amazônia, como empurra nova meta, menos ousada, para 2023. E sem ainda, após quase dois anos de administração, anunciar um plano efetivo para cumpri-la.
O compromisso com a redução dos desmatamentos estabelecido na Lei Federal 12.187/2009 (Lei de Política Nacional de Mudança do Clima) é qualificado, na própria Lei, como compromisso nacional "Voluntário".
Porém é preciso examinar de forma mais detida o que significa esse "voluntário" no campo da Legislação Nacional. Voluntário, no campo jurídico, não quer dizer "faço se quiser" sem deveres de justificativas ou motivações. Quer dizer, ao contrário, que o governo "fará todo esforço possível e ao alcance", com base em elementos objetivos e mensuráveis como políticas públicas, planos, programas, orçamento apropriado, avaliações independentes e legislação convergentes para alcançar a meta.
Contudo, as evidências mostram com clareza solar que, desde 1o de janeiro de 2019, o Governo Federal brasileiro deixou de fazer a lição de casa, e o que estava ao pleno alcance sem necessidade de alteração legislativa ou orçamento extraordinário, que é a implantação do PPCDAm - Plano de Prevenção e Controle dos Desmatamentos na Amazônia e Cerrado. Além de não fazer o básico, ainda vem desautorizando e reduzindo orçamento dos órgãos de monitoramento e controle como ICMBio, Ibama e INPE.
Prova pública e oficial de que o anúncio pelo Vice-Presidente Mourão constitui meta "para inglês ver" está na "Estratégia Federal de Desenvolvimento para o Brasil", publicada em decreto pelo governo nesta terça-feira, 27 de outubro. Ela estabelece uma série de diretrizes e metas econômicas, sociais e ambientais dentro do planejamento do governo, para o período de 2020 a 2031, inclusive na área ambiental.
No "eixo ambiental" do decreto 10.531 de 2020 (AQUI), as metas de combate ao desmatamento não aparecem, assim como não há nenhuma menção à Amazônia ou ao Pantanal, biomas que, desde o ano passado, registram os piores níveis históricos dos últimos anos em relação a desmatamentos e queimadas.
Neste boletim "Radar Clima e Sustentabilidade" abordo, juntamente com um trecho da fala do nosso vice-presidente do Instituto Democracia e Sustentabilidade - IDS, João Paulo Capobianco, feita em audiência pública em setembro perante o Supremo Tribunal Federal, as razões pelas quais o Governo Federal deve ser responsabilizado jurídica e politicamente pelos aumentos seguidos dos desmatamentos ilegais consequentemente o descumprimento da meta.
Acompanhe essa análise na série de vídeos do Boletim RADAR:
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O projeto #Radar #Clima & #Sustentabilidade do IDS é coordenado por André Lima e também já produziu os seguintes artigos:
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