A experiência de países que estão avançando no planejamento, investimentos e implantação de processos econômicos neutros em carbono deve ser uma referência para retomada verde da economia brasileira
O Brasil tem todas as condições para ser um país desenvolvido e protagonista na economia global. A economia brasileira, décima maior do mundo, apresenta uma realidade específica e diferenciais significativos nas principais inovações e tendências observadas no mundo. Bioeconomia, fornecimento de insumos para cadeias globais de commodities, agricultura de baixo carbono, transição para fontes de energia renováveis e outros setores dentro desse movimento encapsulado sob o mote de "economia verde". Para tanto, o clima é a condição, e a economia pode ser uma oportunidade.
O passo inicial é reconhecer que a emergência climática é o principal desafio humano na Terra e que limitar o aumento da temperatura do planeta em até 2ºC é uma ação necessária para garantir condições adequadas de vida e desenvolvimento. Essa questão dá forma ao contorno "verde" da expressão elucidada no título. A compreensão de nossa realidade, de forma adicional, deve incorporar o contexto atual de enfrentamento à Covid-19 e todos os impactos socioeconômicos que ela gerou. Essa segunda dimensão da realidade dá conta do processo de "retomada" apontado no início deste artigo.
Esse cenário desafiador é compartilhado a nível mundial, e as soluções exigem convencimento, articulação, criação de consensos e integração entre países, agendas e setores. Ao mesmo tempo, cada um dos países possui suas particularidades e condições intrínsecas que condicionam as estratégias e ações para enfrentá-lo. Como planejar, portanto, um processo de retomada do desenvolvimento no Brasil, a partir dessa realidade socioeconômica e ambiental? Em outras palavras, como gerar riqueza e bem-estar para a nossa sociedade a partir de um projeto cujas balizas são a redução da emissão de gases do efeito estufa, a mitigação e adaptação aos impactos dos efeitos da emergência climática e o enfrentamento às desigualdades sociais?
Experiências Internacionais
Alguns países estão atentos a essa realidade e largando na frente da chamada agenda de economia verde, ou economia neutra em carbono. Essas experiências podem servir como inspiração para que o Brasil possa construir o seu próprio plano de retomada econômica verde. Alguns pontos em comum e outros insights podem ser notados nessas experiências que estão saindo na frente. Os casos do Chile, China, França e EUA vêm sendo explorados na iniciativa Retomada Verde: o Brasil frente aos desafios climáticos* e essas experiências indicam alguns caminhos, instrumentos e estratégias que podem servir ao Brasil, guardadas as realidades específicas de cada território.
Uma primeira característica em comum dessas experiências que chama a atenção é o estabelecimento de um amplo e transparente diálogo que envolva os mais diversos atores da sociedade, fundamental para fazer avançar a agenda climática de forma conectada aos cidadãos, construindo soluções de maneira coletiva. A França convocou 150 cidadãos de forma aleatória e criou sua convenção climática (citizens convention), com a missão de elaborar propostas de políticas climáticas. Esse movimento foi realizado após o início da organização de manifestações populares, que ficaram conhecidas como os coletes amarelos (gilets jaunes), contra a proposta de taxação do carbono na França. O Chile, por sua vez, organizou um processo chamado diálogos ciudadanos, a partir de uma série de conversas e consultas com a sociedade civil em diferentes províncias do país. Esses diálogos buscaram sensibilizar a sociedade sobre a importância dessa agenda, além de incorporar os anseios da população na formulação e implementação das políticas climáticas chilenas. Ao conhecer essas experiências com mais profundidade, nota-se que esse diálogo transparente com a população no geral e com todos os setores econômicos não é um mero detalhe, mas um eixo estruturante desse processo.
O planejamento, a articulação e a integração das políticas setoriais dentro de uma mesma estratégia climática também foi um segundo destaque notado nas experiências internacionais observadas. Institucionalizar essa estratégia como política de Estado e formalizar o compromisso em lei também foi um ponto em comum identificado entre os casos internacionais. A França vem fazendo um recente movimento para destacar a figura do Primeiro-Ministro como principal coordenador e articulador dessa agenda climática dentro do governo francês, dando peso político e institucional a essa agenda e buscando viabilizar uma maior integração entre os diferentes setores e atividades econômicas. A experiência chinesa chama a atenção, entre outros fatores, pelo desenvolvimento de planos específicos para cadeias de produção estratégicas para a transição para um modelo neutro em carbono, com destaque para hidrogênio, aço, cimento e transporte. A China também chama a atenção com a implementação de parte dessas políticas públicas no nível local, testando soluções na prática e na ponta.
Um terceiro elemento que chama a atenção a partir dessas experiências são os investimentos e instrumentos econômicos viabilizados para que essa transição para uma economia verde aconteça. Os EUA aprovaram recentemente uma política pública (Inflation Reduction Act e Climate Bill) que viabilizarão USD 369 bilhões em investimentos e incentivos para a transição da economia para a neutralidade de carbono, representando o maior plano nacional de ação climática criado na história. Seu principal foco é a transição energética, destacando USD 30 bilhões para créditos tributários (projetos de energia solar, eólica e outras fontes), USD 60 bilhões para incentivos para a produção interna (baterias, painéis solares, etc), USD 27 bilhões para Pesquisa e Desenvolvimento em energias limpas, USD 20 bilhões para a agricultura e USD 5 bilhões para conservação florestal. O Chile tornou a captação e direcionamento de recursos à transição climática uma pauta estratégica, em um processo que já gerou USD 8 bilhões com a emissão de títulos soberanos verdes. A China está investindo nessa agenda climática em outros países, aproveitando esse movimento para expandir sua influência econômica e geopolítica por meio de setores-chave da indústria, como veículos elétricos e energia limpa, dominando a cadeia de produção de energia solar e eólica.
As experiências desses países podem inspirar o Brasil a construir seu próprio plano de desenvolvimento econômico sustentável. A população já tem atenção e interesse na agenda da economia verde: 64% dos brasileiros entendem que a economia verde é o modelo ideal para o futuro do nosso desenvolvimento, segundo pesquisa do IPEC realizada em 2022. Além disso, sendo o 8º maior emissor de gases de efeito estufa, e tendo a maior floresta tropical, a maior biodiversidade, a maior reserva de água doce e sendo um dos maiores produtores de alimentos do mundo, o Brasil tem papel central nesse contexto e deve se portar como o protagonista que de fato é. Além de ser uma agenda obrigatória por princípio, para a garantia da vida humana na Terra, trata-se de uma agenda cheia de oportunidades. O Brasil irá fechar os olhos ou tentar traduzir esse movimento em oportunidade de desenvolvimento?
* A iniciativa "Retomada Verde: o Brasil frente aos desafios climáticos" é promovida pelo Instituto Democracia e Sustentabilidade, BEi/Arq.Futuro/Por quê? e Insper, e conta com o apoio do Itaú Unibanco. Todos os seminários e materiais da iniciativa podem ser acessados em: https://retomadaverde.com.br/
O próximo seminário tratará da experiência dos EUA, no dia 1º de setembro, às 11h, no canal do YouTube do Instituto Democracia e Sustentabilidade: (https://www.youtube.com/c/InstitutoDemocraciaeSustentabilidade )
Por Guilherme B. Checco e Eduardo Couto (Coordenador de Pesquisas e Assistente de Pesquisas do IDS, respectivamente)
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