As cidades de São Bernardo e Santo André, no ABC, e Guarulhos, entre outras da região metropolitana, além de grandes centros urbanos do interior, como Campinas e Ribeirão Preto, estão entre as mais vulneráveis aos efeitos de ilhas de calor no Estado de São Paulo, segundo dados da plataforma UrbVerde.
O fenômeno faz com que áreas urbanas inteiras e regiões específicas dentro delas tenham temperaturas médias mais altas em comparação com o entorno, agravando impactos das ondas de calor, mais frequentes com a crise climática.
Em nota, a Secretaria de Meio Ambiente do Estado informa atuar por meio do plano de resiliência climática, projetos de proteção de biodiversidade e das nascentes. Já o Consórcio do Grande ABC diz planejar novas unidades de conservação e corredores ecológicos em áreas de mananciais. Procuradas, as prefeituras de Campinas, Guarulhos e Ribeirão Preto não comentaram (leia mais abaixo).
A ferramenta de monitoramento apresenta indicadores socioambientais de temperatura e vegetação situados espacialmente nas cidades paulistas e foi desenvolvida pela USP São Carlos, pelas universidades federais de São Carlos e da Bahia (UFSCar e UFBA) e pela Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias, em parceria com prefeituras e outras entidades.
Um dos indicadores apresentados é um coeficiente de ilha de calor, que leva em conta a intensidade das ilhas de calor (soma dos graus Celsius acima da média de temperatura, dividida pela área com temperatura superior à média), vezes a quantidade de população mais sensível ao tempo quente (idosos e crianças).
Segundo pesquisadores da UrbVerde - a plataforma é composta por uma rede de 55 cientistas -, o dado não indica necessariamente qual cidade é a mais quente, mas a forma como a população está distribuída nas áreas com temperaturas mais elevadas nos municípios.
Quanto maior o valor do coeficiente, mais a população da cidade ficará exposta, proporcionalmente, ao calor extremo durante os eventos de ondas de calor.
Para os especialistas, cidades que ocupam o topo do ranking deveriam dar urgência e prioridade ainda maior a ações de adaptação ao calor nos planos climáticos e de arborização urbana.
Veja o ranking completo do Estado:
- São Paulo (2021) - 100/100
- São Bernardo do Campo (2021) - 86,8
- Guarulhos (2021) - 86,4
- Campinas (2021) - 84,8
- Carapicuíba (2021) - 83,8
- Santo André (2021) - 83,5
- Santos (2021) - 83,3
- São José dos Campos (2021) - 82,7
- Cotia (2021) - 82,5
- Mogi das Cruzes (2021) - 82,4
- Osasco (2021) - 82,2
- Mauá (2021) - 80,6
- Embu das Artes (2021) - 80,4
- Ribeirão Preto (2021) - 80,3
- Suzano (2021) - 79,8
Urbanização ultrapassada é reproduzida pelo Estado
Alguns municípios, como São Bernardo, chamam atenção pelos valores altos de coeficiente em relação ao tamanho da população.
Segundo os pesquisadores da UrbVerde, a incidência de ilhas de calor no Estado está associada a características climáticas, geográficas e ao histórico de ocupação. Em alguns casos, estudos locais ainda são necessários para entender particularidades da incidência das ilhas nas cidades.
Na região metropolitana e no ABC, a influência da metrópole paulistana, que tem o mais alto coeficiente de ilha de calor do Estado, ajuda a explicar a incidência do fenômeno.
Marcel Fantin, coordenador da Urbverde, afirma que são cidades com padrões de urbanização, em geral, muito similares à capital: ocupação das margens de rios, muita impermeabilização e pouca vegetação, que influem diretamente na formação das ilhas de calor.
Situadas entre as piores do ranking, São Bernardo, Guarulhos, e Santo André têm percentuais baixos de cobertura vegetal urbana, segundo a plataforma: 14%, 11,3% e 9,4%, respectivamente, bem abaixo do mínimo de 30% necessário para quebrar os efeitos de ilhas de calor.
No ABC, como em outras partes do Brasil, Fantin lembra que a urbanização acelerada foi “puxada” pela industrialização, sem planejamento e política habitacional adequados, o que resultou em um processo de ocupação “caótico”.
Em paralelo, as cidades da região seguiram o modelo de expansão de urbana de São Paulo, baseado no Plano de Avenidas, que ocuparam margens de rios, muitos dos quais foram canalizados e tamponados. Hoje, pelos impactos das mudanças climáticas, é recomendado que as várzeas sejam ocupadas por vegetação, como parques lineares.
“Os rios são fundamentais no controle do clima urbano. (O enterramento) elimina esse efeito positivo da rede de drenagem”, explica Fantin, que é professor do Instituto de Arquitetura e Urbanismo da USP em São Carlos.
“Um conjunto de ações levou à condição climática que temos hoje, (entre eles) a ocupação máxima do espaço urbano e a desconsideração dos elementos ambientais no planejamento. Estamos construindo cidades ainda com o paradigma dos anos 30, mas com os desafios do século 21”, complementa.
Algumas características desse modelo seguem sendo não só replicadas como intensificadas nas cidades paulistas, com o aumento de gabaritos dos prédios, de um lado, e pouco investimento e exigências em relação à construção de áreas verdes, de outro.
Esse padrão de urbanismo também foi reproduzido em cidades do interior paulista, principalmente através do Serviço Federal de Habitação e Urbanismo (SERFHAU), criado na década de 1960, responsável pelos primeiros planos diretores de cidades como São Carlos, São José dos Campos e Bauru, que transformaram a beira de rios em local preferencial para a passagem de avenidas.
Nesse contexto, a urbanização e impermeabilização de grandes cidades como Campinas, São José dos Campos, Ribeirão Preto, Sorocaba, e São José do Rio Preto, contribuem significativamente com o aumento das temperaturas.
Outros fatores gerais favorecem temperaturas mais altas no interior do Estado:
- continentalidade: efeito presente em áreas mais afastadas do litoral, que torna as temperaturas mais extremas e aumenta amplitude térmica e é potencializado pela baixa umidade que atinge a região;
- crescimento desordenado: expansão urbana não planejada, com uso intensivo de materiais como concreto e asfalto, que intensificam a absorção de calor, e pouca disponibilidade de áreas verdes;
- monoculturas: a substituição de vegetação nativa por plantações de cana, muito presente no entorno de cidades do interior paulista, ou por pastagens, reduz a resiliência térmica dessas localidades.
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Por outro lado, as metrópoles interioranas tendem a ser menos densas - em comparação com a capital e cidades da região metropolitana - e mais arborizadas, o que, segundo pesquisadores da UrbVerde, permite maiores intervenções urbanísticas para atenuar as ilhas de calor.
Essa “vantagem”, porém, se enfraquece nos bairros de menor renda, onde as ilhas de calor estão mais presentes.
É o que acontece, por exemplo, na região do Jardim Aeroporto, bairro periférico de Ribeirão Preto, nas proximidades da Rodovia Anhanguera, com maior incidência do fenômeno. Na “Califórnia Paulista” - apelido cunhado nos anos 1980, em função do clima, da pujança econômica e agrícola da cidade - o índice de cobertura vegetal na área urbana é de apenas 17%, e o relevo agrava a condição climática.
Condições de relevo e atitude também ajudar a explicar por que São Carlos - mais alta - tem temperaturas mais amenas que Araraquara, cidade vizinha e com população semelhante.
‘Tem salvação’
Os dados da UrbVerde chamam atenção para o fato de que, em geral, o território das cidades foi ocupado sem considerar as áreas mais propensas à formação de ilhas de calor. A recomendação dos especialistas é que esses locais sejam transformados em parques e não façam parte dos eixos de verticalização, buscando amenizar o problema.
Para os pesquisadores, o mapa não deve ser encarado de forma fatalista. Mais do que decretar quais cidades estão “condenadas” a sofrer mais com o calor, a expectativa é que os dados ajudem a elaborar estratégias de intervenção, considerando as áreas mais quentes como prioritárias.
“As cidades têm salvação, principalmente no interior, onde há menor densidade e mais espaço para a reestruturação”, diz Fantin.
Em nota, a Secretaria de Meio Ambiente, Infraestrutura e Logística do Estado informa atuar por meio do Plano Estadual de Adaptação e Resiliência Climática para dar suporte aos municípios do interior e da Grande São Paulo (RMSP) em ações de adaptação, especialmente no enfrentamento das ilhas de calor.
A pasta destaca “projetos específicos de restauração em áreas estratégicas para a segurança hídrica e a preservação da biodiversidade, que também ajudam a reduzir o efeito das ilhas de calor”, integrando o Programa Refloresta-SP no projeto Nascentes, desenvolvidos em diferentes cidades, que desde 2023 colocou em restauração o equivalente a 16,5 mil campos de futebol no Estado. Alguns exemplos são
- Ribeirão Preto tem um projeto de restauração ecológica com 24 hectares no Programa Nascentes, incluindo ações para revitalizar a vegetação local e aumentar a cobertura verde, ajudando a controlar a temperatura local.
- São José do Rio Preto, com 61 hectares disponíveis na Prateleira de Projetos do Programa Nascentes, tem grande foco na restauração, e toda a área já está contratada.
- Sorocaba tem projeto de restauração de 6,4 hectares no Programa Nascentes, com mais seis projetos na Unidade de Gerenciamento de Recursos Hídricos (UGRHI) local, totalizando 483 hectares em restauração.
- São José dos Campos tem dois projetos em andamento, somando 29,4 hectares (sendo 5 ha disponíveis e 24,4 ha no processo de restauração). Na mesma unidade, há uma área adicional de 153 hectares em restauração.
- Campinas tem 531 hectares em processo de restauração em diversos projetos.
O Consórcio Intermunicipal Grande ABC diz, em nota, que a pauta climática é prioritária, destacando a participação de integrantes das áreas de Meio Ambiente e Planejamento Urbano dos municípios consorciados desde o início da implantação da Urbverde, que será “ferramenta primordial para implementação de políticas públicas voltadas ao tema do urbanismo sustentável”, subsidiando a revisão do Plano Regional de Mudanças Climáticas, de 2016.
O consórcio afirma ter captado, por meio Fundo Estadual de Recursos Hídricos, R$ 778,2 mil em 2023 para implementar novas unidades de conservação e corredores ecológicos e verdes nas áreas de mananciais, além de R$ 1,49 milhão para elaborar os planos de redução de riscos de Diadema, Ribeirão Pires e Rio Grande da Serra – os demais municípios pertencentes ao Consórcio ABC já têm estudos desse tipo – que visam a identificar as áreas de riscos e apontar soluções.