Com temperaturas na faixa dos 39ºC na última semana, o litoral de São Paulo é marcado pela influência de ilhas de calor, como mostram os dados da plataforma UrbVerde. O que caracteriza uma ilha de calor é a temperatura média mais alta de áreas urbanas em relação ao entorno.
A Baixada Santista é a região do litoral de São Paulo que concentra os piores índices, segundo a ferramenta criada por pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP), Universidade Lusófona, federais de São Carlos (UFSCar) e da Bahia (UFBA).

O índice elaborado pelos pesquisadores considera a intensidade das ilhas de calor (soma dos graus Celsius acima da média de temperatura dividido pela área com temperatura superior à média), multiplicada pela quantidade de população de idosos e crianças, mais sensíveis ao tempo quente.
Em nota, a Secretaria de Meio Ambiente, Infraestrutura e Logística do Estado afirma que as zonas costeiras são um dos pilares do Plano Estadual de Adaptação e Resiliência Climática, que tem implementado ações de monitoramento de ressacas e inundações costeiras (leia mais abaixo).
As ondas de calor cada mais frequentes devido às mudanças climáticas têm efeitos sobre a a saúde, como o aumento da mortalidade por doenças cardiovasculares e respiratórias, especialmente nos grupos mais vulneráveis.
Também causam prejuízos econômicos - eleva gastos com a rede hospitalar, espanta turistas e traz danos à infraestrutura urbana, que se desgasta mais rápido com as altas temperaturas. Há ainda efeitos ambientais, como a piora na qualidade do ar, alteração dos padrões de chuva, impactos na biodiversidade (como perda de habitat e extinção de espécies), e o maior erosão no litoral.
Veja o ranking completo do litoral:
- Santos - 83,3/100
- São Vicente - 79,7
- Guarujá - 79,3
- Praia Grande - 79
- Caraguatatuba - 72,5
- Itanhaém (2021) - 72,2
- Peruíbe (2021) - 68,2
- Bertioga (2021) - 66,9
- Mongaguá (2021) - 66,4
- Iguape (2021) - 60,2
- Ilhabela (2021) - 59
- Cananéia (2021) - 53,6
- Ilha Comprida (2021) - 51,2
- São Sebastião (2021) - 46,9
- Ubatuba (2021) - 46,6
O que está por trás das diferenças térmicas
Além de ter urbanização mais contínua, a Baixada tem maior atividade econômica, o que influencia na formação das ilhas de calor. Lá também estão alguns dos principais destinos turísticos do paulista, como o Guarujá.
Já no litoral norte, casos de Ubatuba e São Sebastião (últimos do ranking), há menor quantidade de espaços construídos. A área urbana menos densa e mais dispersa atenua o efeito do fenômeno.
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“Santos e a Baixada têm temperaturas mais elevadas por ter superfície urbana mais contínua, que contribui na formação de ilhas de calor. Além disso, é uma região mais populosa e com maior circulação da economia, o que favorece o incremento da temperatura”, explica Fernando Kawakubo, professor de Geografia da USP e membro da coordenação executiva da UrbVerde.
Desde 2023, o repositório reúne dados de temperatura, ilhas de calor, vegetação, e distribuição de parques e praças, combinadas ao fator de renda em todos os municípios paulistas de 2016 a 2021.
No litoral, a situação se agrava em regiões periféricas que sofrem com o bloqueio das brisas marítimas pela verticalização da orla ou pelos morros, que impedem a entrada de ventos frescos e deixam o ar quente estagnado.
Esse fenômeno contrasta com os bairros mais abertos ou costeiros, normalmente ocupados pela população de maior renda, onde a ventilação ajuda a dissipar o calor.
Professor do Instituto de Arquitetura e Urbanismo da USP em São Carlos e coordenador da UrbVerde, Marcel Fantin aponta que, assim como em outras regiões do Estado, áreas periféricas e com menor infraestrutura são as que mais sofrem os efeitos das ilhas de calor na zona costeira, especialmente em locais onde falta arborização e acesso à água.
Histórico de ocupação
O litoral paulista tem clima tropical chuvoso, com temperaturas relativamente altas e chuvas mais concentradas no verão, quando as temperaturas médias superam os 30ºC.
Embora sejam comuns na estação, as temperaturas elevadas são influenciadas por outros fatores além do clima típico da região.
“Na medida em que o uso do solo é alterado, o adensamento populacional e a verticalização provocam mudanças na variação de temperatura daquela região, formando o que se conhece como ilhas de calor”, explica Fernando Ramos Martins, professor do Instituto do Mar na Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), na Baixada Santista.
Segundo ele, a densidade populacional e o uso e ocupação do solo na Baixada ajudam a explicar a maior concentração de ilhas de calor, com grande parte da população do litoral aglomerada na região insular que compreende Santos e São Vicente, as duas primeiras colocadas do ranking.
A prefeitura de Santos prevê plantar 10 mil árvores até 2028, ação prevista no Plano de Ação Climática da cidade que permitirá chegar a um total de 45 mil árvores.
No Guarujá, as maiores temperaturas atingem a mancha urbana ao longo do estuário de Santos, que inclui o distrito de Vicente de Carvalho e a travessia de balsa Santos-Guarujá. Nessas áreas, há densidade maior, mais contínua e pouca vegetação, o que favorece a formação de ilhas de calor. As temperaturas são bem mais baixas na região que apresenta características opostas, como a porção nordeste no Jardim Acapulco.
Já a prefeitura Guarujá reconhece, com base em estudos preliminares qualitativos, que Vicente de Carvalho é “uma das regiões mais suscetíveis aos efeitos das ilhas de calor devido à baixa presença de infraestrutura verde (cerca de 12% de vegetação) e à alta densidade de veículos pesados associados à atividade portuária”. O distrito abriga a margem esquerda do Porto de Santos.
A administração destaca que ainda não há mapeamento abrangente sobre a situação da cidade, mas o “plano municipal de mudanças climáticas, em fase inicial de elaboração, inclui a previsão” de estudos detalhados. Há ainda um Plano Municipal de Arborização Urbana, em consulta pública, que visa a ampliar a cobertura vegetal em áreas estratégicas.
Já no litoral norte, a menor incidência das ilhas de calor está ligada a áreas urbanas menores, e às forma e disposição do relevo, que também interferem na formação das ilhas de calor. A maior proximidade da Serra do Mar - de relevo mais alto - em relação à costa modifica o padrão de circulação e intensidade das brisas, o que provoca mais chuvas e atenua as temperaturas na região.
A exceção é Caraguatatuba, onde o coeficiente mais elevado se explica principalmente pelo centro urbano maior, com construções que absorvem mais a radiação solar.
A cobertura vegetal de Ubatuba e São Sebastião também é superior aos níveis da Baixada, como mostra a plataforma: 32,6% em São Sebastião e 29,6% em Ubatuba, contra 10,2% em Santos e 12,6% em São Vicente.
Segundo Fantin, da UrbVerde, as diferenças entre as cidades litorâneas mostram que “o planejamento para combater as ilhas de calor deve ser adaptado às características de cada região, considerando fatores geográficos, climáticos, urbanísticos e socioeconômicos”.
Para ele, o enfrentamento do problema deve incluir melhor regulação do uso e ocupação do solo, com controle da verticalização e da impermeabilização, assim como criar mais áreas e corredores verdes e incremento da arborização viária, recuperação de áreas de preservação permanente e reservas legais.
Soluções arquitetônicas, como materiais de construção sustentáveis e telhados verdes, também contribuem para diminuir o impacto das ilhas de calor.