BRASÍLIA- Dez horas e trinta minutos é o tempo de deslocamento para transportar animais até a uma base de estabilização da Petrobras caso ocorra derramamento de óleo no oceano durante a perfuração do bloco na Margem Equatorial, na região da Foz do Rio Amazonas. O tempo, segundo o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), considera o “melhor cenário” e só poderia ser atendido durante o dia, se os animais fossem resgatados nas primeiras horas.
A estimativa é parte do parecer emitido pelo Ibama no fim de outubro para rejeitar o pedido de licenciamento feito pela Petrobras. O Ibama afirmou à reportagem que o tempo foi estimado com base nas informações contidas no plano elaborado pela estatal.
Ao Estadão, a empresa não comentou especificamente o número de horas, mas disse que o plano previsto terá seis embarcações dedicadas à fauna, “equipadas com materiais, recursos e profissionais, incluindo veterinários, preparados para dar todo o atendimento necessário, seguindo integralmente o Manual de Boas Práticas do Ibama.”

O tema pode virar uma dor de cabeça para o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) este ano, quando Belém receberá a Cúpula do Clima da ONU (COP-30). Em novembro, a comunidade internacional se reunirá no Brasil para debater medidas de combate ao aquecimento global, cujo principal causador é a queima de combustíveis fósseis, como o petróleo.
O Brasil não tem adotado postura única sobre o tema, na opinião de analistas, No cenário internacional, o Brasil se posiciona a favor da transição energética e em defesa do fim do uso de combustíveis fósseis. Já no âmbito doméstico Lula disse publicamente que é “certo” que o País vai explorar o recurso.
Na resposta enviada ao Ibama em novembro e à qual o Estadão teve acesso, a Petrobras diz que haverá um barco na área de perfuração do poço durante todo o processo, com operacionalização imediata. Os barcos, segundo a empresa, estariam aptos à prestar o atendimento em alto-mar, reduzindo a necessidade de chegar às unidades em terra.
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A exploração de petróleo na Margem Equatorial, próximo à Foz do Rio Amazonas, é criticada por ambientalistas, que argumentam que o projeto pode oferecer risco ao ecossistema do local. Outro argumento é de que em um momento no qual o planeta precisa ampliar medidas contra o aquecimento global, abrir novas frentes de petróleo seria dar um passo atrás.
No Plano de Proteção à Fauna (PPAF), a empresa mapeou 64 espécies vulneráveis na região do projeto, das quais 33 foram consideradas prioritárias para salvamento em caso de acidente. O critério leva em conta espécies do local e criticamente ameaçadas de extinção, e também aquelas que têm hábitos que as expõem de forma moderada ou elevada ao óleo.
A empresa disse ainda que o projeto terá aeronaves utilizadas para monitoramento e eventual resgate. Na resposta ao Ibama, a Petrobras afirma que o projeto terá três helicópteros. Drones também serão utilizados no processo. Para tentar obter a licença, a Petrobras detalha que caso haja um acidente, a região próxima à mancha terá “sempre” uma ou mais embarcações aptas a fazer resgate, estabilização e transporte de animais. A empresa argumenta que terá mais de 100 profissionais para atuar na proteção à fauna no projeto.

A perfuração do bloco na Margem Equatorial em busca de petróleo opõe a área ambiental do governo, que é contra a proposta, e a ala de Minas e Energia, a favor. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva tem apoiado a busca pelo recurso. Em setembro, Lula tentou minimizar as controvérsias em torno do projeto: “é uma exploração a 575 quilômetros à margem do (Rio) Amazonas. Não é uma coisa que está vizinha do Amazonas”.
O impasse se arrasta dentro do governo. Em outubro, o Ibama fez um parecer com mais de trinta observações sobre o Plano de Proteção à Fauna (PPAF) do projeto de perfuração do bloco FZA-M-59, na Margem Equatorial, e recomendou que fosse mantida a negativa da licença e arquivado o pedido.
O presidente do órgão ambiental, Rodrigo Agostinho, no entanto, solicitou novas informações à empresa. Em caráter reservado, técnicos opinam que, ao pedir complementações, Agostinho reabriu a discussão, que seria encerrada, e admitem que agora, provavelmente, apenas uma decisão política dará fim à questão.
Em nota, o Ibama informou à reportagem que o pedido de licenciamento está em análise e ainda não há previsão para emissão do parecer.

Na carta-resposta enviada pela Petrobras em novembro, após o pedido de mais informações, a empresa afirma que o plano apresentado é “robusto e sem precedentes no histórico do licenciamento brasileiro”.Para atender às exigências do Ibama, a Petrobras constrói a Unidade de Estabilização e Despetrolização de Oiapoque (UED-OIA).
A empresa afirmou ao Ibama que a unidade terá uma área de 2.350 m² para atender espécies marinhas e costeiras, incluindo aves, répteis, e mamíferos marinhos. A unidade terá centro cirúrgico, local para retirar o petróleo e secar os animais, laboratório, entre outras estruturas. Além da base do Oiapoque, a empresa usaria o Centro de Reabilitação e Despetrolização de Belém.
Ao Estadão, a Petrobras argumentou que estudos de modelagem feitos para a área não indicam a probabilidade de toque de óleo no litoral brasileiro, mas que ainda assim a proposta prevê ações de monitoramento e atendimento veterinário na costa. “A Petrobras já perfurou mais de 3.000 poços em águas profundas, sem ocorrência de qualquer acidente com danos ambientais”, argumenta.
Petrobras rebate Ibama
No parecer de outubro, com base em modelos que projetam derramamentos de óleo e a dificuldade de acesso, o Ibama argumentou que as ações “nearshore” (equipes remotas, próximas do local de operação) eram limitadas. Esse tipo de estratégia é considerado primordial para o salvamento da fauna. A equipe técnica disse ainda que o foco era em ações offshore, que, segundo o Ibama, “vão pouco além do trivial”.
Em sua resposta, a Petrobras refuta críticas feitas pelo órgão:
“Cabe ressaltar que em nenhuma outra operação executada no País, mesmo em áreas de produção consolidada, onde há licença ambiental para perfurar dezenas de poços por ano, um plano de resposta à fauna alcançou tamanha magnitude, de modo que a Petrobras discorda veementemente que o PPAF apresentado vai pouco além do trivial, ainda mais para a atividade de perfuração de curta duração”, diz a empresa.
Área sensível
O licenciamento dos blocos na Foz do Amazonas é sensível devido a diversos fatores como a fauna, a flora, a presença de populações tradicionais e a falta de estrutura ao redor para fornecer assistência em caso de acidentes.
Os técnicos do Ibama consideram que um acidente no local seria muito grave devido ao fato de que além da riqueza do ecossistema, o clima na região é severo, com tempestades, correntes marítimas, e outras condições que dificultam a ação de resposta. No parecer, o Ibama cita pelo menos cinco vezes as condições “meteoceanográficas”, que são, na visão do órgão, uma característica que interfere diretamente nas medidas planejadas, ainda que sejam robustas.
Há ainda a percepção de que, diferentemente da Região Sudeste, onde há ampla atividade do setor petrolífero, a região da Margem Equatorial não tem estrutura suficiente para atender eventuais necessidades de urgência geradas ao longo do processo de perfuração.