A Prefeitura de São Paulo apresentou apenas em 23 de dezembro do ano passado a versão final do Plano Municipal de Redução de Riscos (PMRR), para minimizar os impactos de chuvas fortes na cidade, como a que causou estragos na última sexta-feira, 24.
A criação desse documento, prevista na lei do Plano Diretor de 2014, só foi finalizada após determinação da Justiça, que atendeu a pedido do Ministério Público Estadual. A gestão Ricardo Nunes (MDB) publicou a 1ª versão em julho de 2024, para consulta pública, e a atualização saiu em dezembro.
Em nota, a Prefeitura disse ter iniciado a elaboração do plano ainda em 2021 e diz já ter feito 81 obras em áreas de risco. Afirmou também que já foram aprovados 100 projetos para mitigar riscos geológicos e hidrológicos nos trechos mais críticos, com previsão de fazer as primeiras contratações neste semestre e investimento de R$ 1,5 bilhão (leia mais abaixo).

O temporal de sexta alagou estações de trem, metrô e avenidas e matou o artista plástico Rodolpho Tamanini Netto, de 73 anos, que teve a casa invadida pela correnteza em Pinheiros, na zona oeste.
Segundo o plano, 490 mil moradores da capital vivem em áreas de risco hidrológico ou geológico, o que corresponde a 4,3% da população paulistana.
Para especialistas, o documento é importante para definir prioridades e integração nas obras da cidade. Além disso, as mudanças climáticas vão tornar os temporais cada vez mais frequentes e intensos. Na Grande São Paulo, o número de dias com chuvas acima de acima de 80 milímetros passou de três para 16 nos últimos sessenta anos, por exemplo.

Justiça obrigou apresentação do documento
O Ministério Público, por meio da Promotoria de Justiça de Habitação e Urbanismo da Capital, moveu ação para obrigar a prefeitura a elaborar o plano em 2022 - um ano após Nunes assumir a Prefeitura, após a morte de Bruno Covas (PSDB).
O Tribunal de Justiça de São Paulo determinou que a gestão Nunes apresentasse o documento até abril do ano passado, mas a Prefeitura pediu extensão do prazo até o fim de 2024.
Em dezembro, o MP obteve a condenação judicial do Município, o que obriga o poder municipal a finalizar o plano. “O processo já transitou em julgado e está em fase de cumprimento de sentença”, informou o órgão ao Estadão.
No documento, a Prefeitura analisa, caracteriza e dimensiona as áreas de risco de inundação, deslizamento e solapamento, além de definir as intervenções necessárias para resolver esses problemas.
O plano também prevê a quantificação e caracterização das famílias moradoras das áreas de risco, criando estratégias de articulação com o Plano Municipal de Habitação, para a regularização urbanística, jurídica, fundiária e ambiental de assentamentos precários e irregulares.
Um dos grandes desafios para reduzir os riscos de mortes durante tempestades é remover moradores de áreas de risco, como a beira de córregos e encostas. As regiões das subprefeituras de Perus (zona norte) e M’Boi Mirim (zona sul), por exemplo, têm mais de 10% de sua população morando em pontos de perigo.
Na prática, o documento aponta obras para mitigação de risco, como instalação de sensores de movimentações de encostas, aprimoramento da rede de telemetria (medição do nível de rios e córregos), uso de sensores na rede de microdrenagem, medidas para evitar a reocupação, aprimoramento da gestão de lixo nas áreas de risco, criação de estrutura orçamentária para captação de recursos e instalação de sistemas de alertas.
Ao todo, o plano lista 785 áreas de risco: 66% delas são de riscos geológicos (deslizamentos) e 34%, hidrológicos (alagamentos). Em 200 áreas de risco definidas como prioritárias pela Prefeitura, estão mapeadas 206 mil moradias.
As áreas de risco totalizam 20,2 km² no município, ou 1,2% da superfície (1.520 km²). Essas áreas aumentaram quando comparadas aos levantamentos anteriores, quando foram medidos 5,6km² em 2006 e 13,5km² em 2010.
Cidades vizinhas precisam ter planejamento integrado, diz professor
Embora considere o plano “bem estruturado”, o engenheiro civil Alex Abiko, professor em Gestão Urbana e Habitacional da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (USP), aponta a necessidade de integração entre o planejamento da Prefeitura da capital e outras cidades próximas.
“O rio não nasce em São Paulo e morre em São Paulo. O Tietê, por exemplo, atravessa a cidade. Podemos dizer o mesmo das áreas de risco. Normalmente, essas áreas, como muitas comunidades ao longo dos córregos, estão nos limites dos municípios. É a chamada ‘bola dividida’ ou terra de ninguém”, diz. “O plano poderia ser mais detalhado na integração com outras cidades”, defende.
Para o botânico e paisagista Ricardo Cardim, os estragos causados pelas chuvas em São Paulo decorrem de erros históricos. “Nas últimas décadas, as sucessivas administrações públicas optaram por não investir adequadamente na arborização da metrópole, assim como impermeabilizaram o seu solo despreocupadamente”, escreveu em artigo para o Estadão.
Uma das principais soluções, segundo Cardim, é criar redes extensas e contínuas de arborização com árvores de grande porte nas ruas e implementar jardins de chuva.
Gestão Nunes diz ter feito 81 obras em áreas de risco
A Prefeitura diz que, para a primeira etapa de obras previstas após a apresentação do Plano de Redução de Riscos, que contempla 125 áreas, estima-se investimento de R$ 1,5 bilhão. Durante a elaboração do documento, diz, foram levadas em conta “alterações nos regimes de chuva do município, e as ações previstas nele foram divididas em quatro quadriênios”.
A atual gestão também afirma ter realizado 81 obras em áreas de risco cadastradas pela Defesa Civil e outras 29 estão em andamento. Cinco piscinões foram entregues e outros oito reservatórios estão em construção.