Quem é a brasileira que recebeu prêmio pela luta contra crise climática e desigualdade

Renata Koch Alvarenga lidera a organização Empodera Clima e foi reconhecida pelo seu trabalho sobre conscientização dos impactos do clima em meninas e mulheres

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Por Aline Reskalla
Atualização:

Desde criança, a gaúcha Renata Koch Alvarenga sempre acompanhou a mãe em trabalhos voluntários. A preocupação em ajudar o outro fazia parte da sua vida. E foi esse espírito de “compaixão”, como ela mesmo define, que a levou de Porto Alegre para o mundo. Hoje com 27 anos, ela lidera grupos de jovens do chamado Sul Global em um trabalho de conscientização sobre os impactos desproporcionais das mudanças climáticas que meninas e mulheres enfrentam.

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Por seu trabalho à frente da organização Empodera Clima, criada por ela há cinco anos, Renata se tornou uma das primeiras beneficiárias do “Estée Lauder Emerging Leaders Fund Beautiful Forces Grants”, importante fundo que oferece subsídios a ex-alunas da Vital Voices Global Partnership, que lideram ONGs, empresas ou projetos inovadores que promovem mudanças significativas em suas comunidades. De acordo com o Estée Lauder, a brasileira e outras premiadas devem receber um premio de até US$ 200 mil.

Ainda sob o impacto da premiação, que ocorreu em uma cerimônia de gala em Nova York na semana passada, a ativista, que é formada em Relações Internacionais, conversou com o Estadão por telefone e contou um pouco sobre a sua trajetória e do trabalho que a Empodera Clima realiza mundo afora.

Renata Koch Alvarenga lidera a organização Empodera Clima: 'Faltam jovens nesses espaços'. Foto: Acervo Pessoal

“Nosso trabalho se concentra em dois principais pilares: um banco de dados multilíngue, com conteúdos originais e curadoria, que serve como recurso sobre gênero e clima para pessoas que normalmente não têm acesso a materiais sobre justiça climática em seus idiomas nativos. E também liderança no advocacy global e nacional para ações climáticas justas em termos de gênero, por meio de parcerias com organizações e movimentos climáticos ao redor do mundo, intervenções em eventos de alto nível e projetos de educação climática”, explicou.

De fato, participar ativamente de organizações e movimentos climáticos ao redor do mundo tornou-se uma rotina para a brasileira. Ainda aos 18 anos, ela já marcava presença na conferência que se tornou um marco da luta contra o aquecimento global, a COP-21 (21.ª Conferência das Partes), em 2015.

Ali foram lançadas as bases para o Acordo de Paris, um tratado global adotado pelos países signatários da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC). Esse acordo rege medidas de redução de emissão de dióxido de carbono, segundo o qual os governos se comprometeram em agir para manter o aumento da temperatura média mundial “bem abaixo” dos 2 °C em relação aos níveis pré-industriais e em envidar esforços para limitar o aumento a 1,5 °C. Para tanto, os países apresentaram planos de ação nacionais abrangentes para reduzirem as suas emissões por meio da formulação de sua Contribuição Nacionalmente Determinada (NDC, acrônimo em inglês).

“Consegui uma bolsa para continuar meu curso em Nova Jersey e, na época, fiz trabalhos para a ONU. Foi aquela coisa de estar no lugar certo, na hora certa. Participar da COP-21 foi muito inspirador, no mundo explodia a questão do clima, na diplomacia só se falava nisso, havia uma grande convergência”, lembra.

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Com uma bagagem rica para seus 27 anos, ela já trabalhou no Escritório da ONU para a Juventude, fez mestrado em Harvard, atuou no Banco Mundial e hoje transita com facilidade nos principais eventos globais relacionados ao clima e gênero .

“Para mim sempre foi muito importante conectar esse lado da sociedade civil, da juventude, que está ali fazendo esse trabalho de base, com esse lado internacional, já que eu consegui colocar o meu pezinho, entrar nas organizações. E eu vejo como faltam ainda jovens nesses espaços, pessoas do Brasil. É fundamental conectar essa mobilização com políticas públicas”, diz Renata Alvarenga, que é amiga de Instagram da paquistanesa Malala Yousafzai, Prêmio Nobel da Paz.

A estudante de Filosofia Ana Vitória Gomes da Silva, de Manaus, diz que participar das ações da ONG tem feito a diferença em sua vida. “O programa ´Empoderando Pelo Clima´ e a Empodera Clima têm sido um marco na minha jornada como mulher amazônica, me conectando com a realidade do nosso território e com a força das nossas raízes. Esses espaços têm me mostrado que nós, mulheres da Amazônia, temos um papel fundamental na proteção da nossa terra e na luta por justiça climática.”

Esse programa, segundo Renata Alvarenga, tem o objetivo de educar jovens mulheres para liderança climática, com a premissa de que “essa é uma das soluções mais efetivas para a crise sistêmica que estamos vivenciado”.

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Também participante do grupo, Lanah Rebeca Medeiros Silva, de Curitiba, faz coro a Ana Vitória ao analisar os impactos das vivencias para sua carreira e para o desenvolvimento pessoal. Para ela, poder se conectar com “mulheres incríveis de todo o Brasil é um grande aprendizado, especialmente no que se refere ao recorte de mudanças climáticas e a discussão de gênero, uma vez que não é possível discutir políticas climáticas efetivas sem falar sobre o recorte de gênero e direitos humanos”.

Mudanças climáticas e gênero

Mas qual a relação da agenda climática com gênero? A ativista gaúcha explica que as mulheres e meninas são as principais afetadas pelas mudanças do clima, especialmente pelos desastres e pelas secas.

Ela cita a tragédia que afetou o Rio Grande do Sul, seu Estado natal, no primeiro semestre, na qual os relatos de abuso sexual em abrigos não foram poucos. Segundo ela, diversos estudos mostram que há um aumento significativo das vulnerabilidades, pois as desigualdades já existentes nas sociedades em períodos normais se intensificam, fazendo com que algumas mulheres estejam ainda mais expostas a violências e violações de gênero.

Renata diz que relatos de abuso sexual em abrigos para as vítimas das enchentes no Rio Grande do Sul refletem um padrão mais amplo de aumento da violência de gênero em tempos de crise, incluindo crises climáticas. Por exemplo, a seca no Chifre da África em 2022 provocou um aumento quase quatro vezes maior nos casamentos infantis na Etiópia, e na Somália, a violência e o estupro por parceiros aumentaram 20%, segundo relatório da ONU Mulheres.

O mesmo relatório alerta que, sem ações para mitigar as mudanças climáticas, os progressos em direção à igualdade de gênero conquistados nas últimas décadas podem ser revertidos.

O aumento dos casamentos infantis, por exemplo, está ligado à elevação da pobreza. Uma pesquisa da Organização Não Governamental (ONG) Plan International em oito países, entre os quais o Brasil, revelou os efeitos das transformações do clima na vida de garotas menores de 18 anos de idade, e identificou esse crescimento nas regiões afetadas pela crise climática, principalmente onde há inundações.

“As meninas têm uma redução significativa da frequência escolar no contexto das mudanças climáticas porque, muitas vezes, elas são sobrecarregadas dentro de casa. As meninas são muito mais convocadas pelas suas famílias para cumprir essa responsabilidade do que os meninos”, destacou Júlia Ferraz, especialista em mudanças do clima e emergências da Plan International, à Agência Brasil.

Dados do Fundo Malala mostram que, a cada ano, pelo menos 12,5 milhões de garotas em 30 países vulneráveis ao aquecimento global podem deixar as escolas.

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