O aumento dos índices de desmatamento é a principal causa da maior emissão de gases do efeito estufa pelo Brasil – e a razão central, portanto, para que o País esteja se afastando cada vez mais das metas de redução das emissões.
Quando se fala em desmatamento no Brasil, a Amazônia é protagonista. Em 2019, a área desmatada na Amazônia Legal ultrapassou a marca de 10 mil km2 pela primeira vez desde 2008, chegando a 10.129 km2. No ano passado, o índice voltou a subir: 11.088 km2. Segundo o projeto Prodes, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), o desmatamento já consumiu 813.047 km2 da Amazônia Legal até 2020, o que equivale a 16% da área original.
Os dados mais recentes indicam que as ações ilegais continuam em ritmo acelerado. Em março de 2021, a Amazônia sofreu 810 km2 de desmatamento, aumento de 216% em relação ao mesmo mês do ano passado e o maior valor da série histórica dos últimos dez anos para o mês de março.
Uma das consequências diretas do desmatamento na Amazônia é que a participação do setor Mudança de Uso da Terra e Florestas (no qual se enquadram os desmatamentos) no total de emissões do País subiu de 39,7% para 44,5% entre 2018 e 2019, de acordo com dados do Sistema de Estimativas de Emissões e Remoções de Gases de Efeito Estufa (Seeg). E deve sofrer nova alta quando for concluída a compilação dos dados de 2020, marcado por aumento dos registros de desmatamento não apenas na Amazônia, mas também em outras áreas do território brasileiro.
Em números absolutos, o crescimento das emissões do setor Mudança de Uso da Terra e Florestas em 2019 foi de 22,8%, passando de 788,2 milhões de toneladas de dióxido de carbono equivalente (tCO2e) para 968 milhões de toneladas. Esse aumento de emissões específico do setor foi responsável por quase todo o crescimento geral das emissões registrado pelo País no ano, 9,6%.
Os demais setores ficaram em patamares próximos ao do aumento do PIB (1,1%). O setor industrial teve até uma queda de 2% nas emissões, em decorrência da desaceleração das atividades durante a pandemia, em especial na área siderúrgica.
Um dos nós que precisam ser desatados para a sobrevivência da Amazônia é equacionar a situação fundiária caótica da região, observa Beto Veríssimo, cofundador do Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon), que monitora os dados de desmatamento da região por meio de um sistema via satélite.
“A regularização fundiária é um grande problema, mas ao mesmo tempo pode ser a solução”, considera Beto. O primeiro passo, diz ele, é entender que há “diferentes Amazônias” no que diz respeito ao histórico de ocupação da região. “Há a Amazônia ocupada há mais tempo, desde a década de 1970, por famílias incentivadas naquela época pelo governo. O caminho nesses casos é ajudar a legitimar essa presença, já que a titulação é um passo importante para o aprimoramento da agricultura, pois ajuda a obter empréstimos e a fazer investimentos.”
Há também a parte que o pesquisador chama de “Amazônia sob pressão”, de ocupação mais recente – no máximo 15 anos –, composta por uma faixa que inclui municípios como Altamira e São Félix do Xingu, ambos no Pará – não por acaso, líderes do ranking de maiores emissores de gases do efeito estufa, recém-divulgado pelo Observatório do Clima. “Nesse caso, a regularização fundiária beneficiaria grileiros e invasores”, compara.
Há iniciativas tramitando no Congresso Nacional para conceder anistias e transferir marcos temporais relacionados à ocupação ilegal da Amazônia, algo que o Brasil tem feito sistematicamente para “contemporizar” ações predatórias, observa o cofundador do Imazon. “Temos que acabar com essa tradição. Ou criamos um ordenamento territorial sério na Amazônia ou ela vai desaparecer.”
Rastreabilidade
Um dos pontos de maior vulnerabilidade para a região é a dificuldade para demonstrar a rastreabilidade dos produtos, nas mais diversas áreas – madeira, minérios, agronegócio. “Na pecuária, por exemplo, as empresas estão adotando medidas ainda muito tímidas e lentas, quando se trata de uma emergência”, diz o advogado Sérgio Leitão, fundador e diretor executivo do Instituto Escolhas. “É preciso ter em mente que, se houvesse um país chamado Pecuária Brasil, ele seria o 20º maior emissor do mundo, ao lado da Argentina”, ele compara.
Os estudiosos da região dizem que, em paralelo às ações de controle de danos, é fundamental investir no desenvolvimento econômico e atração de negócios. Culturas permanentes, como cacau, banana e açaí, têm grande potencial econômico e permitem a restauração ambiental. Juntas, a renda obtida por essas três culturas no ano passado chegou a R$ 5,6 bilhões.
“Há uma série de boas iniciativas na Amazônia que estão dependendo apenas de apoio para ganhar escala”, diz Sérgio. Esse apoio precisaria incluir, claro, a participação efetiva do governo federal, não apenas para aprimorar a infraestrutura da região – onde o acesso à internet ainda é um grande problema, por exemplo –, mas para conceder incentivos efetivos. “O que pedimos é que as atividades típicas da Amazônia recebam as mesmas oportunidades e incentivos que a pecuária recebeu no Brasil. Só isso”, resume o advogado.
Estudo detalha quem emite mais
Dos dez municípios que mais emitem gases causadores do efeito estufa no País, sete estão na Amazônia Legal, de acordo com um estudo recém-divulgado pelo Observatório do Clima. O líder do ranking é São Félix do Xingu (PA), com 29,7 milhões de toneladas brutas de gás carbônico equivalente (CO2e) por ano. Não por acaso, trata-se do município que tem o maior número de cabeças de gado do País.
Se fosse um país, São Félix do Xingu ocuparia a 111ª posição do ranking mundial de emissões, à frente de Uruguai, Chile e Noruega. Cada morador do município paraense emite 225 toneladas de CO2e por ano, quase 22 vezes mais que a média de emissões brutas per capita do Brasil e seis vezes a do Catar, país com a maior emissão per capita do mundo.
Há um município que consegue ter uma média ainda maior, no entanto: Colniza (MT), sexto no ranking, emite 358 toneladas de CO2e per capita por ano. De acordo com uma comparação feita pelo Observatório do Clima ao apresentar os resultados do estudo, é como se cada habitante tivesse mais de 300 carros rodando 20 quilômetros por dia.
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