Na cidade mais castigada pelas ilhas de calor no litoral de SP, prédios bloqueiam a brisa do mar

Característica geográfica, densidade de construções e população mais velha ajudam a explicar por que Santos é a mais afetada pelo fenômeno; prefeitura promete plantar 10 mil árvores até 2028

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Por Juliana Domingos de Lima
Atualização:

Local escolhido por muitos aposentados pela promessa de qualidade de vida, a cidade de Santos tem o pior coeficiente de ilhas de calor do litoral de São Paulo, segundo a plataforma Urbverde.

Cidade mais populosa da Baixada Santista e uma das mais verticalizadas do Brasil, a metrópole tem coeficiente de ilha de calor 83,3 - o valor máximo é 100. A intensa atividade portuária, os prédios altos que bloqueiam a brisa marítima e a geografia de morros são fatores que influenciam nesse cenário.

Em nota, a Prefeitura de Santos afirma que a cidade “é modelo no enfrentamento das emergências climáticas com várias ações consolidadas”, citando principalmente ações voltadas ao incremento da cobertura vegetal. E diz que seu Plano de Ação Climática, de 2020, inclui análises acadêmicas sobre o fenômeno de ilhas de calor na região.

Barreira de edifícios desde a orla é um dos fatores que restringe a circulação da brisa marítima em Santos Foto: Fernanda Luz/Estadão

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Desde 2023, a plataforma Urbverde, criada por pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP), Universidade Lusófona, federais de São Carlos (UFSCar) e da Bahia (UFBA) reúne dados de temperatura, ilhas de calor, vegetação e distribuição de parques e praças, combinados ao fator de renda, em todos os municípios paulistas de 2016 a 2021.

O índice elaborado pelos pesquisadores considera a intensidade das ilhas de calor (soma dos graus Celsius acima da média de temperatura dividido pela área com temperatura superior à média), multiplicada pela quantidade de população de idosos e crianças, mais sensíveis ao tempo quente.

Quais as maiores ilhas de calor em Santos?

Características da cidade - como o adensamento e verticalização na beira-mar - influenciam o fenômeno das ilhas de calor. O grande número de construções e o uso de materiais que retêm mais calor, como asfalto e concreto, propiciam áreas com temperaturas acima da média. Só três municípios têm mais apartamentos do que casas no País: Santos, São Caetano, na Grande São Paulo, e Balneário Camboriú (SC).

Segundo a plataforma, o percentual de cobertura vegetal da cidade também é baixo, em torno dos 10%. A vegetação tem papel importante no combate às ilhas de calor, uma vez que a evapotranspiração ajuda a reduzir a temperatura local.

Além do município como um todo se destacar no ranking de todo o litoral (veja o ranking completo aqui), constituindo uma grande ilha de calor, há “ilhas internas”, ou seja, locais em que a temperatura supera a média da cidade.

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Na região do Porto de Santos, entre Ponta da Praia, Estuário e Aparecida, o calor é intensificado pela atividade portuária e pelo bloqueio da brisa marítima, causado pela verticalização da orla.

Santos abriga o maior porto do hemisfério sul, o que ajuda a agravar o fenômenos das ilhas de calor Foto: Fernanda Luz/Estadão

Dados da UrbVerde indicam que a maior ilha de calor está na zona noroeste, nas regiões do Rádio Clube, Castelo e Areia Branca.

“É um exemplo emblemático da desigualdade socioeconômica e da vulnerabilidade climática”, afirma o coordenador da UrbVerde Marcel Fantin. A área, habitada por uma população de baixa renda, fica atrás de morros - o que limita a ventilação natural - está próxima ao porto, e tem alta densidade construída e habitacional.

O problema, porém, também atinge bairros ricos de Santos, como o Embaré, onde é amplificado pela verticalização da orla. Os bairros da Vila Belmiro - um dos mais conhecidos da metrópole caiçara, por ser a sede do estádio do Santos Futebol Clube - e de Campo Grande, também são pontos críticos, especialmente nas áreas densamente urbanizadas no entorno dos hospitais da Beneficência Portuguesa e Ana Costa.

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Planejamento urbano e população mais velha influenciam

A população idosa, mais vulnerável ao calor, é outro fator que ajuda a explicar a liderança da cidade no ranking. Conforme o Censo Demográfico de 2022 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o município tem mais de 25% da população com 60 anos ou mais, maior percentual da região.

E conforme a Urbverde, 19% dos idosos do município vivem nas áreas mais quentes.

“Santos está concentrada em uma área insular pequena se comparada a outros municípios da região”, diz Fernando Ramos Martins, professor do Instituto do Mar na Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), na Baixada Santista. A extensão da beira-mar é de só sete quilômetros, aproximadamente, o que também influi na circulação das brisas e na transferência de calor no município.

Além das peculiaridades geográficas, o maior coeficiente de ilha de calor da cidade se explica pelo planejamento urbano, segundo o professor: a forma como as construções e o plano diretor da cidade evoluíram ao longo do tempo, permitindo construções altas em locais que dificultam a circulação natural do ar e não deixam espaço suficiente para áreas verdes.

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“O interesse das pessoas em terem vista ao mar e a questão turística fazem com que as brisas marítimas deixem de circular pela cidade, porque encontram uma barreira de edifícios”, explica Martins. “Todos esses fatores dificultam a dispersão de calor de uma forma mais equilibrada nesta região, promovendo uma concentração de materiais que absorvem a radiação solar e mantém a área mais quente quando comparada ao entorno”.

Prefeitura promete plantar 10 mil árvores até 2028

A administração municipal de Santos destaca o plantio de 10 mil árvores, a ser concluído até 2028, entre as ações voltadas a atenuar o aumento da temperatura. A meta está prevista no Plano de Ação Climática da cidade e mira o marco de 45 mil árvores, atingindo um índice de 15 metros quadrados de área verde por habitante, considerado ideal pela Sociedade Brasileira de Arborização Urbana.

Prefeitura de Santos prevê aumentar a arborização da cidade nos próximos anos Foto: Fernanda Luz/Estadão

Segundo a prefeitura, o município tem ainda “cinturões verdes” - sete canais arborizados entre 17 morros e que desembocam na orla, onde foi criado um jardim frontal de 5.335 metros de comprimento e 50 de largura, e 214 praças e áreas de lazer, incluindo parques municipais com amplas áreas verdes.

A Secretaria de Meio Ambiente, Desenvolvimento Urbano e Sustentabilidade afirma ter o objetivo de criar espaços verdes nos cerca de 7 milhões de m² de vias asfaltadas da cidade, transformando ao menos 1% dessa área - 70 mil m², o equivalente a dez campos de futebol - por meio da criação de áreas permeáveis, jardins de chuva em trechos de rotatórias, calçadas e comércios, além de fomentar a construção de “edifícios verdes inteligentes”. A administração não apresentou prazos para esses objetivos.

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Em relação às populações mais vulneráveis ao calor, destacou os serviços voltados à população idosa, como o Programa Televida, de assistência domiciliar, e as Vilas Criativas, equipamentos de promoção da saúde e qualidade de vida para pessoas acima de 60 anos que são climatizados e estão em todas as regiões da cidade, nos morros, região central e zona intermediária da orla, segundo a Prefeitura.

Para as crianças, citou espaços com fontes interativas - Lagoa da Saudade (Morro Nova Cintra, área central (Nova Rua Tuiuty), Aquário Municipal, Jardim Botânico Chico Mendes, Nova Ponta da Praia e Novo Quebra-Mar, onde há também um parque das águas (fonte interativa e chuveiros) - e o acesso a ambientes arborizados nas 86 escolas municipais de Santos, que abrigam cerca de 1,8 mil árvores.

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