Nem mesmo as duas semanas de incêndios extremos na Califórnia, com prejuízos bilionários ainda a serem contabilizados, impediram que Donald Trump confirmasse a saída do Acordo de Paris na segunda-feira, 20, logo após assumir a presidência dos Estados Unidos. O segundo mandato terá forte impacto na agenda ambiental, segundo especialistas ouvidos pelo Estadão, com a possibilidade de que seja ainda mais devastador do que o primeiro.
Parte da expectativa recai sobre a Cúpula do Clima das Nações Unidas (ONU), a COP-30, que será em Belém, em novembro. O evento sucederá uma edição de resultados frustrados no Azerbaijão, onde os países ricos aceitaram compromissos de financiamento climático inferiores às necessidades das nações em desenvolvimento.
Um dos principais temores é de um efeito dominó de enfraquecimento da agenda ambiental em outras nações, especialmente em relação a combustíveis fósseis, cuja redução gradual havia sido estabelecida na COP-28, há dois anos. O republicano tem reforçado que potencializará a exploração do que chama de “ouro líquido”.
Por enquanto, nenhum outro país, nem mesmo a Argentina, divulgou que irá também sair do Acordo de Paris, pacto global voltado à redução de emissões de gases do efeito estufa para conter o aquecimento global. Independentemente de uma saída formal, contudo, há a avaliação de que medidas podem ser reduzidas na prática, como na transição para fontes de energia limpa.
Com o agravamento e a urgência da crise climática, o entendimento é de que não se pode novamente “esperar” uma troca na presidência americana para medidas mais enérgicas. O que divide especialistas é como as demais nações ricas irão lidar com a situação, diante da frustração da COP passada e de um vácuo na liderança das negociações climáticas a nível internacional, com uma União Europeia abalada por crises políticas e a Guerra da Ucrânia.
No Brasil, o recém-anunciado presidente da COP-30, embaixador André Corrêa do Lago, reconheceu que a saída do Acordo de Paris é um anúncio de “muito impacto” para o evento em Belém. Nesta semana, uma comitiva da ONU está visitando a cidade.
“Estamos todos ainda analisando as decisões do presidente Trump”, respondeu nesta terça-feira, 21, data em que foi anunciado na presidência da cúpula climática. “Não há a menor dúvida que terá impacto significativo na preparação da COP e na maneira que teremos de lidar com o fato de que um país tão importante está se desligando desse processo.”

A ONU lamentou a decisão americana. Porta-voz da Organização Meteorológica Mundial (OMM), que integra a organização, Clare Nullis, falou na necessidade “muito óbvia” de permanência de todos no acordo. Destacou ainda que os Estados Unidos vêm sofrendo com impactos extremos. “É o desafio definidor do nosso tempo.”
A saída do Acordo de Paris não foi a única medida ambiental nos primeiros dois dias do segundo mandato do republicado. Ele também extinguiu programas de proteção a comunidades afetadas pela poluição e de preservação de uma espécie de peixe na Califórnia (a qual Trump tem incorretamente associado à escassez de água no Estado).
Além disso, declarou “emergência energética”, com impacto em regulamentações ambientais e possível aceleração de novas licenças de mineração e de exploração de combustíveis fósseis, dentre outras medidas. Parte dessas ordens dependem, contudo, de regulações de agências federais - organizações buscarão barrar as novas medidas na Justiça.
Especialistas avaliam que o cenário no segundo mandato de Trump é distinto. Em parte, isso se deve à adoção de diversas políticas ambientais pela gestão Joe Biden, com magnitude então inédita no país, de modo que a “ruptura” será maior do que em relação à sucessão de Barack Obama, em 2017. Programas, acordos e ações variadas tendem a ser enfraquecidos, rompidos e alterados na nova gestão, assim como são esperados cortes em departamentos e agências climáticas governamentais.

Organizações internacionais como a World Resources Institute (WRI) e a Global Witness listaram retrocessos ambientais esperados para a gestão Trump. Dentre eles, estão: estagnação ou enfraquecimento de iniciativas para frear emissões, fundos pró-combustíveis fósseis, cortes de financiamento climático internacional, fim e redução de proteções para florestas e limitação de investimentos em ESG.
Outra diferença significativa em relação a 2017 é que o republicano assume a presidência com uma economia forte e em perspectiva de crescimento. Isso se reforça ainda mais com a aproximação das big techs - a exemplo da Meta, de Mark Zuckerberg, e X, de Elon Musk - em momento de avanço acelerado da inteligência artificial.
Entre os mais otimistas, tem-se destacado o papel dos governos subnacionais (Estados e municípios) e do setor privado na continuidade de políticas e medidas de redução de emissões no território americano. Hoje, a US Climate Alliance é formada por Estados que representam cerca de 55% da população e 60% da economia do país, por exemplo.
Na semana passada, a aliança de governadores reforçou que voltará a preencher o vácuo deixado por Trump na pauta ambiental, como foi no primeiro governo do republicano. Compromissos similares também seguem previstos pela Climate Mayors (de prefeitos) e America Is All In (governos subnacionais, empresários, universidades e organizações variadas).
Efeitos são subestimados pelo Brasil e serão ‘devastadores’, diz pesquisador
Professor de Relações Internacionais da FGV, Eduardo Viola avalia que a nova era Trump terá efeitos mais amplos do que a primeira. “No Brasil, está sendo subestimado. Não há a percepção de que será devastador. O impacto será forte sobre a COP-30, e não me parece que o governo está percebendo e preparado”, diz ele, também do Instituto de Estudos Avançados da USP.

O pesquisador aponta que a visão de Trump é praticamente a mesma de seu primeiro governo, com exceção da menor ênfase à exploração de carvão. Além do momento econômico mais favorável e da aproximação das big techs, em ampla ascensão com a inteligência artificial, a China está em declínio e a União Europeia vive uma crise de liderança.
“Tem muito mais condições de impor suas políticas”, analisa. Como um dos sinais, por exemplo, ele cita a desistência dos grandes bancos do país com redes de ação climática.
Embora a crise climática esteja mais evidente, Viola aponta que há um vácuo de liderança mundial nessa pauta, deixado pela União Europeia, principalmente após a invasão russa à Ucrânia e crescentes investimentos em Defesa. “Esse vácuo de liderança estará presente em Belém”, diz. “O Brasil não consegue preencher, não tem poder econômico e político para fazer isso.”
Para ele, a COP brasileira pode causar uma ilusão de que será decisiva para a política climática internacional, mas que isso dificilmente ocorrerá. “Vai ser muito discurso. Vai ter percepção de que o Brasil é o centro do mundo quando nem remotamente é, como se o destino se discutisse em Belém.”
Por isso, considera fundamental que o Brasil tome atitude realista, principalmente ao reconhecer o panorama mundial desfavorável. Nesse cenário, avalia que os países tendem a apresentar metas de redução de emissões (NDCs) menos ambiciosas, cujo prazo é para este ano.
“E serão menos implementadas do que se Kamala Harris tivesse ganhado”, diz. Para Viola, esse impacto pode ser atenuado caso os republicanos percam a maioria no Congresso nas eleições de 2026.

Por outro lado, avalia que não há outro país com os mesmos poder e influência para uma saída do Acordo de Paris. “Uma coisa é retirar-se, outra é diminuir a ambição de sua política ambiental. Isso será generalizado: todos vão diminuir a sua ambição na prática. Na implementação, não no discurso”, afirma.
Impacto pode ser menor do que no primeiro governo Trump?
Coordenador de política internacional do Observatório do Clima, Claudio Angelo avalia que o impacto pode ser menor do que o do primeiro governo Trump. Ele aponta que os Estados Unidos não têm contribuído (e mais atrapalhado) nas negociações climáticas internacionais, como na resistência em aderir ao Acordo de Paris, em 2015, e à negativa de adesão ao Protocolo de Kyoto, em 1997.
Ele salienta que os Estados Unidos poderão participar da COP-30, mas não da parte da conferência relativa ao Acordo de Paris. “É um desafio, uma ameaça e um certo alívio em saber que não vai ter diplomata americano atrapalhando as negociações em Belém. Nunca foram parceiros climáticos confiáveis”, comenta. “O risco principal é de provocarem uma saída em série, uma debandada de outros países. Aí, seria uma catástrofe.”
O especialista admite que um esforço americano de redução das emissões de poluentes fará falta, mas que não há outra alternativa que não seja a dos demais países preencherem esse vácuo. “Será o momento de enterro da convenção ou da revanche, de resposta, de juntar os caquinhos da comunidade internacional”, resume. “Prejudica mais os Estados Unidos, porque ficarão de fora do fórum onde as grandes questões estão sendo decididas.”
Para ele, o grande problema poderá ser uma desmotivação diante de um pessimismo no avanço de ações e negociações climáticas. “Em Baku (na COP-29), o efeito (da eleição de Trump) foi que a União Europeia se escondeu atrás dos Estados Unidos. E deveria ter acontecido o contrário”, diz.

Uma sinalização desse avanço ou não pode ficar evidente com a apresentação das novas metas climáticas de cada país ao longo do ano. “Pode acontecer um desestímulo ou o contrário. Está ficando caro demais lidar com os impactos das mudanças climáticas”, avalia.
O coordenador do Observatório do Clima pondera, ainda, que o sucesso do Brasil na COP-30 dependerá especialmente do governo Luiz Inácio Lula da Silva mais do que do presidente da conferência em si. “O Lula tem de se envolver, colocar o prestígio internacional do seu governo a serviço da COP, para que dê certo. Mas não se sabe o quão disposto está para mergulhar de cabeça”, avalia.
Ele elogia a escolha do embaixador Corrêa do Lago para presidir o evento, assim como da economista Ana Toni para CEO. Ambos têm experiência há anos na área climática (ele na carreira diplomática, ela na sociedade civil), de modo que tiveram os anúncios elogiados por diversas organizações, como o Instituto Igarapé, a Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura, o Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável (CEBDS) e o Greenpeace, dentre outras.
“É um luxo ter o André depois de dois lobistas de combustíveis na presidência das últimas COPs (de Baku e Dubai)”, diz Angelo. “Mas ter na presidência uma dupla competente se o governo não mergulhar na agenda não resolve. Vimos, no ano passado, que um governo ruim aliado a uma presidência de COP incompetente produz desastres.”/ COM INFORMAÇÕES DO THE NEW YORK TIMES