Randall Cohen é um titã da indústria de travesseiros de viagem - aquela espécie de almofada para o pescoço em forma de croissant sem a qual os passageiros viveram por décadas até que, nos primeiros anos do século, a humanidade decidiu coletivamente que é impossível embarcar num avião sem uma delas.
A família Cohen é dona da SNI, uma indústria líder no crescente campo de produtos para tornar as viagens mais confortáveis, vendendo 5 milhões de travesseiros por ano, muitos sob a marca Cloudz. A SNI fica em Bensalem, Pensilvânia. Seu campeão de vendas é o travesseiro de viagem Cloudz Dual Comfort Microbed - “Use Dual Comfort para apoiar a região lombar” -, encontrado em mais de 30 cores e padrões, incluindo camuflagem e unicórnio.
Mas até o rei dos travesseiros de viagem admite que “as pessoas detestam os travesseiros”, mas acrescenta logo: “É porque ainda não se acostumaram”.
Os indiferentes são raros, segundo uma consulta do Facebook que teve respostas como “até hoje não vi nenhum estiloso”, “eles não funcionam e não durmo nunca”, “odeio, mas acabei de comprar mais um” e “tenho cinco”.
Esse divisivo objeto, com sua pelúcia, poliestireno e micropartículas, simboliza o sofrimento existencial das viagens aéreas econômicas. Em nossa batalha contra o estresse e o espaço reduzido nos aviões, adotamos uma arma inadequada, incômoda, absurda e “esquecível” - travesseiros de viagem são abandonados aos montes nas poltronas e bagageiros. Os travesseiros são lembretes de quanto esperamos de uma viagem e quão distantes ficamos disso.
Adultos dormindo em público são um quadro desagradável: cabeça pendente, boca aberta, roncos, babas (crianças dormindo são algo muito mais poético). Travesseiros de viagem agravam o quadro ao envolverem o pescoço do usuário como uma jiboia. Eles fazem um ato natural (embora não estético) parecer artificial e chocante. Na busca do sono, diz Cohen, “as pessoas superam o medo de parecerem ridículas”.
Eles funcionam? Há controvérsias
Os travesseiros funcionam? Harvey Smith, cirurgião ortopédico e professor no Hospital da Universidade da Pensilvânia, é cético. “Não existem pesquisas bem fundamentadas sobre quanto apoio o pescoço precisa quando se dorme”, diz ele. “Como em política e religião, todos têm uma forte opinião sobre o que ajuda a dormir.”
Travesseiros de viagem “não são necessariamente prejudiciais, não causam nenhum dano”, diz Smith. Mas ele estranha a avalanche de travesseiros: por que as pessoas usam tanto? E arrisca um palpite: “Talvez seja o efeito manada, talvez o efeito placebo”. Smith ressalta que ele mesmo não possui um.
A cabeça humana é uma carga pesada, em torno de cinco quilos. Críticos dos travesseiros-padrão advertem que eles não proporcionam suficiente apoio para impedir movimentos laterais da cabeça - e virtualmente nenhum apoio para o rosto, necessário para impedir que o queixo tombe para a frente. Virar a cabeça num travesseiro duro força o pescoço. É um desafio produzir um travesseiro que atenda a todas as necessidades.
“É á melhor sacada do mundo”, diz David Sternlight, fundador da Cabeau. “É como vender uma xícara com um furo no fundo. Não entendo por que alguém compra.” Ele tenta aperfeiçoar o velho modelo.
Uma década atrás, Sternlight ouviu 2,5 mil viajantes sobre o tradicional travesseiro de viagem em forma de U. “Noventa e seis por cento não queriam saber dele e os outros 4% disseram que compravam ‘porque é melhor que nada’, que não é a aprovação que se esperava”, concluiu Sternlight.
Mas hoje, 100 milhões dessa “sacada” são vendidas por ano, estima Sternlight. O que ajuda a impulsionar as vendas é a procura do travesseiro tanto por viajantes comuns quanto por celebridades, que ficam parecendo tão tolas quanto a massa. Entre estas estão Leonardo DiCaprio, Gisele Bünchen e Kim Kardashian West (que guarda o seu numa bolsa de crocodilo Hermès).
As novidades dos últimos anos
Os últimos anos constituem a era de ouro das inovações em travesseiros de viagem. Sternlight Criou o bem vendido Evolution S3 (US$ 39,99), que promete impedir sua cabeça de oscilar e babar no ombro do vizinho de poltrona. O Evolution S3 prende-se à poltrona e tem ajustadores embaixo do pescoço.
São muitas as novidades em travesseiros de viagem - muitos meios de se parecer tolo a 10 mil metros de altura.
Há o travesseiro-avestruz, um “casulo” que envolve sua cabeça para que você possa cochilar sobre a bandeja de refeições. O bravo usuário fica parecendo um ET. Ephi Zlotnitsky inventou o JetComfy, especial para passageiros que viajam nas indesejadas poltronas do meio. Ele se prende aos braços da poltrona. Vende muito? Zlotnitsky admite que “é muito difícil entrar nesse mercado”.
Há quase tudo à venda na Amazon, mas tem havido uma explosão de produtos para melhorar o sono. “Estamos aprendendo que dormir é muito mais importante do que as pessoas acham”, diz Teri Mittelstadt, inventora de um travesseiro que lembra um sling para bebês, que começa na cabeça e é prendido no corpo.
Desconforto dos aviões impulsionou o sucesso
O travesseiro em forma de U existe desde 1928, quando Elizabeth Millson, de Melfose, Nova Yorke, patenteou para ser usado na banheira. A ascensão dos travesseiros de viagem começou nos anos 1980, mas deslanchou mesmo nas últimas duas décadas.
“O que realmente impulsionou as vendas foi as viagens aéreas ficarem muito mais desconfortáveis”, diz Randall Cohen, da SNI.
Antigamente, passageiros de avião representavam o auge da elegância. Os homens usavam terno e gravata e as mulheres viajavam com colar de pérola e os melhores vestidos. A cabine do avião tinha espaço - muito espaço! - para se reclinar, esticar as pernas e descansar.
Mas, com o aumento do número de passageiros, as poltronas ficaram menores, com a consequente redução do espaço para as pernas e para se reclinar. Os aviões ficaram parecendo latas de sardinha.
“Viajar de avião passou a ser algo como ir ao dentista”, disse Oscar Muñoz em 2016. E ele entende do assunto: é presidente da United Airlines.
Em muitos voos, as empresas aéreas eliminaram os travesseirinhos quadrados que parecem vir envoltos em gaze. Dormir tornou-se um luxo.
“Dormir em voo é a última moda. Um passageiro me disse isso. Não sei exatamente o que significa, mas me soou bem”, disse Muñoz.
Um passageiro pode pagar quatro vezes mais para ter uma noite de sono melhor na classe executiva. É outra ironia cruel: nunca antes as viagens aéreas foram tão democráticas, acessíveis a tantos, e ao mesmo tempo tão estratificadas, com a classe econômica transformada em poltronas apertadas com direito apenas a amendoim.
Além disso, devido a mais exigências de segurança e com maior número de voos - com mais atrasos, cancelamentos e trocas de voo -, passageiros são condenados a passar horas num aeroporto, pagando cada vez mais pela viagem. Nesse purgatório, travesseiros de viagem, vendidos até por menos de US$ 20 o par, são uma rara pechincha. A mulher de Cohen, Paula, compra um novo para cada viagem longa.
Sternlight acredita que a indústria de travesseiros de viagem vai continuar crescendo. “Com as empresas aéreas amontoando mais e mais pessoas em espaços reduzidos, conforto será cada vez mais importante”, diz ele.
O único desafio surgirá se o conforto do passageiro se tornar realmente prioridade. Diz Sternlight: “Caso as companhias aéreas incorporem o travesseiro às poltronas, será a morte da indústria de travesseiros de viagem”.
Como se isso fosse acontecer... / TRADUÇÃO DE ROBERTO MUNIZ
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