A partir de obra e filmes, ‘Perfume de Mulher’ ganha versão para o palco

Eternizada no papel de Al Pacino, em 1992, a história de um ex-militar cego está em cartaz no Teatro Renaissance

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Por Leandro Nunes
Atualização:
Gabriela Duarte e Silvio Guindane em 'Perfume de Mulher' Foto: Dalton Valerio

Encarcerado em uma prisão em Nápoles, o mago Próspero, de A Tempestade, de Shakespeare, descrevia a imponência da região, suas torres e igrejas, antes de prever o fim de tudo. Para ele, um dia, tudo sumiria das vistas, até nós, feitos da “mesma matéria que os sonhos”. É para lá que Fausto, personagem de Perfume de Mulher, segue como seu último destino. Eternizada no papel de Al Pacino, em 1992, a história de um ex-militar cego ganha versão para os palcos, em cartaz no Teatro Renaissance. “É como diz o velho ditado: ver Nápoles e depois morrer”, diz o diretor Walter Lima Jr.

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O espetáculo que estreou no Rio não fica apenas no clássico norte-americano, mas vai na raiz, conta o diretor, que parte da obra A Escuridão e o Mel, de Giovanni Arpino. “É lá que conhecemos Fausto, um ex-militar, tenente-coronel, que sofreu um acidente que o deixou cego. Isso muda sua forma de contemplar a vida, transformando o homem em um sujeito mal-humorado e sarcástico.”

Durante a adaptação da dramaturgia de Pedro Brício, o diretor conta que, em primeiro momento, o espetáculo não teria intenção de trilhar o mesmo caminho feito pelos dois longas – o italiano é de 1974, dirigido por Dino Risi. No entanto, em cada um havia cenas memoráveis e características que poderiam enriquecer o espetáculo. “Os dois são bem diferentes. A versão italiana, por exemplo, dá bastante foco no contexto político do fascismo da Primeira Guerra Mundial”, diz o diretor. “Agora, a versão americana é um filme para Al Pacino. Os conflitos paralelos e as contradições de Fausto estão mais dissolvidos e também não há a paisagem italiana.” 

Na história, o personagem de Silvio Guindane planeja uma última viagem, antes de cometer suicídio. Seu roteiro é Gênova, Roma e, por fim, Nápoles. Para acompanhá-lo, o velho solitário lança um anúncio no jornal e conhece o jovem Ciccio (Eduardo Melo). “Fausto está desgostoso com a vida e transmite isso ao se relacionar com as pessoas. Ele vai tratar mal o garoto que está lá para ajudar. Mesmo após expulsá-lo, Ciccio permanece. Será o nascimento de uma amizade.”

De malas prontas, a dupla vai ter diversos encontros inesperados, com um padre e com a drag queen Marilyn Mazzoni (Saulo Rodrigues). A cena clássica de um passeio em uma Ferrari, no filme de Risi, está na peça. “Não poderíamos ignorar momentos como esse”, diz Lima Jr. “Também resgatamos esse aspecto do visual de cinema, com projeções.”

Ao manter em sigilo o real destino que deseja – além de Nápoles, além da vida – Fausto começa a experimentar uma transformação silenciosa, mediada pelos sons, sabores e, claro, pelo cheiro. Ao ficar cego, o olfato do ex-militar chega antes de tudo e com essa habilidade apurada, o homem reencontra Sara, antigo affair, interpretada por Gabriela Duarte, com quem vive a cena em que o casal dança, no filme de Al Pacino. “Eles tiveram um romance, nos tempos em que o militar ainda enxergava”, conta a atriz. “Antes do acidente, eles deixam de se encontrar e esse retorno promete despertar muitas lembranças, desde o afeto até a culpa, como o motivo do acidente que o deixou cego, e quem mais foi atingido.”

Para Guindane, entender o caráter de Fausto se deu por etapas. Durante a criação da peça, ele focou em interpretar seu humor peculiar, e a dureza de um homem que está desiludido. Ao fim, o ator investiu na investigação dos movimentos de um homem que não enxerga. “Lembro que durante os ensaios, fazia as cenas com os olhos fechados, para ir me acostumando. É muito mais que ficar com aquele olhar distante, porque isso se transfere para todo o corpo, o modo de andar e se relacionar com o ambiente.”

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Ao resgatar a trama, o ator defende que o espetáculo propõe uma viagem em direção à reconstrução das relações, do desejo por promover reencontros. “Acredito que muitas pessoas estão se sentindo sozinhas. Às vezes, são lutas e problemas particulares que acabam aumentando as distâncias, quando deveriam aproximar.PERFUME DE MULHER Teatro Renaissance. Al. Santos 2.233. Tel: 3069-2286. 6ª, 21h30. Sáb., 19h e 21h30. Dom., 18h. R$ 100/R$ 50. Até 21/4

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