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Um Vargas Llosa no mundo das finanças

Com mudança recente no cenário dos investimentos, jornalista peruano lança livro que traz dicas para investidores brasileiros

Por Leandro Mode e de O Estado de S. Paulo
Atualização:

Em tempos de taxas de juros historicamente baixas no Brasil, ‘Todo amador confunde preço e valor’, de Álvaro Vargas Llosa, é uma bem-vinda porta de entrada para um dos vários compartimentos do universo das finanças pessoais. Afinal, a maioria dos analistas da conjuntura brasileira concorda com a ideia de que o mundo de retornos polpudos com praticamente nenhum esforço chegou ao fim.

Para eles, a redução do juro básico (conhecido pela sigla Selic) para níveis internacionais veio para ficar. Em outras palavras, título público pagando 10%, 15% ou até 20% ao ano livres de impostos e inflação é coisa do passado. Natural que milhões de investidores comecem a se questionar sobre o que fazer daqui para a frente para engordar o patrimônio. Llosa não é um financista, mas, em seu livro, traz dicas interessantes para o investidor brasileiro. Aqui, aliás, vale um parênteses: o jornalista peruano, filho do vencedor do Nobel de literatura Mario Vargas Llosa, ganhou fama no Brasil - e provocou polêmica - por ser um dos autores de "Manual do Perfeito Idiota Latino Americano". Por que, então, um conservador analista da cena política latino-americana se interessou pela seara financeira? A explicação aparece já no prólogo do livro. "Enquanto via o preço de minhas ações rolar morro abaixo, com essa mistura de horror e fascinação que as tragédias provocam, pensava com raiva e medo nos anos de esforços que rolavam junto com eles", escreve, referindo-se aos efeitos da crise global que eclodiu em 2008 sobre seu patrimônio pessoal. "Nesse momento, refleti como o meu comportamento (e o de milhões de outras pessoas) era estranho. Afinal, delegamos a terceiros uma das coisas mais importantes do mundo: o gerenciamento de nosso dinheiro." O livro, portanto, é resultado das leituras, estudos e entrevistas com especialistas empreendidos por Llosa após a decepção que sofreu com os administradores de seus próprios recursos em meio à crise. Não são necessárias muitas páginas para o autor se posicionar sobre o caminho que norteará o livro: 1) Llosa prefere ações a ativos renda fixa, como títulos públicos; e 2) é adepto da chamada Escola de Valor, que se guia pelo chamado fundamentalismo. Nessa modalidade, o que interessa é o fundamento das empresas e seu desempenho no longo prazo, e não o vaivém diário de gráficos, cotações, etc. Em síntese, ‘Todo amador...’ é um guia sobre como ganhar dinheiro investindo em ações seguindo o método da Escola de Valor. Mitos Llosa estrutura o livro em capítulos que ora destrincham essa teoria de investimentos, ora contam a história de seus principais expoentes. Entre eles, destaque para o criador da escola, o inglês Ben Graham, que fez fortuna no mercado acionário dos Estados Unidos apesar de ter vivido o auge da Grande Depressão, iniciada com o crash da Bolsa de Nova York, em 1929. Os outros investidores retratados são todos, direta ou indiretamente, discípulos de Graham: John Templeton, Walter Schloss, Philip Carret, Jim Rogers, Peter Lynch e Warren Buffett. Este último é presença constante nos pódios dos rankings que medem as maiores fortunas do planeta. No conceituado levantamento da revista americana Forbes, Buffett ocupa a terceira posição em 2012, com fortuna avaliada em US$ 44 bilhões. Llosa também dedica capítulos a duas gestoras que, para ele, seguem a mesma linha vencedora dos lendários financistas: a espanhola Bestinver e a brasileira Orbe Investimentos. Ele traça o perfil de ambas a partir de entrevistas realizadas com os sócios. Apesar de boas histórias dos personagens perfilados e da citação de frases emblemáticas de cada um deles sobre princípios para investir em ações, Llosa assume risco demais ao dar para o leitor dicas de papéis com bom potencial de valorização. São ‘contemplados’ mercados de países como Estados Unidos, Suíça, Alemanha, Portugal, México, Peru e Brasil. Qualquer iniciante em assuntos financeiros sabe que recomendação de ações é coisa para especialista. E Llosa, vale lembrar, não é um deles. O deslize não compromete o resultado final de ‘Todo Amador...’, que, no Brasil, chega ‘enhorabuena’, como se costuma dizer na língua espanhola.Entrevista Em entrevista ao Estado, Álvaro Vargas Llosa explica o interesse nas questões financeiras, comenta suas estratégias de investimento e diz por que indica ações (inclusive brasileiras) no livro ‘Todo amador confunde preço e valor’. Por que o senhor se interessou pela Escola de Valor? Porque é a única escola de investimentos que me parece combinar três coisas importantes: um sentido de realidade, um sentido de longo prazo e uma honradez intelectual. Como escritor de política e economia, sempre valorizei essas três coisas. Quando descobri que havia uma escola que as reunia também no mundo das finanças, compreendi rapidamente que estava diante de um achado extraordinário. Qual dos investidores perfilados o encantou mais? Por quê? São três. Primeiro, Benjamim Graham, o fundador, por ser um pioneiro, um precursor que se adiantou em relação aos demais. Sua condição de ser um solitário tem grande atrativo para mim. Outro é Warren Buffett, mas não por aquilo que o faz ser admirado por todos - sua capacidade de fazer dinheiro -, mas porque é um iconoclasta, alguém que vai contra o estabelecido como nenhum outro investidor. E com um detalhe: tem sucesso consistente. O terceiro é John Templeton, por sua extraordinária elegância para se comportar em um mundo - o financeiro - que normalmente associamos com falta de elegância ou arrogância. Sua ideia de que é preciso investir em momentos de máximo pessimismo me parece muito mais eficaz do que qualquer antidepressivo farmacêutico.Desde que o senhor passou a cuidar de seus próprios investimentos, a rentabilidade melhorou? É muito cedo para dizer isso. Preciso de mais dois ou três anos para responder, porque o cenário dos últimos anos - uma recessão quase permanente acompanhada de um pânico generalizado - tem grande influência sobre os mercados. Mas, ainda assim, no curto prazo, estou indo bem. Sei que irei muito melhor daqui uns poucos anos. O Brasil está em um momento de transição, com a taxa de juros básica nos menores níveis da história. Pelo seu conhecimento, recomenda que as pessoas troquem os títulos públicos pelas ações? Em geral, sempre recomendo o investimento em bolsa às aplicações em dívida soberana dos países. Os governos, incluindo o brasileiro, têm manipulado demasiadamente o dinheiro. Têm adotado estímulos monetários e fiscais para acelerar a economia. Isso terá efeitos negativos sobre o valor do dinheiro em algum momento. O melhor momento para investir em ações é quando a euforia termina e vem um certo pessimismo. No Brasil, por exemplo, o Índice Bovespa caiu 27% de março a julho. Significa que muitas empresas, de qualidade muito boa, ficaram baratas. Nos últimos 200 anos, a rentabilidade média das ações foi duas vezes superior à dos papéis de renda fixa. Chamou a atenção no livro o fato de o senhor recomendar algumas ações. Não é algo muito arriscado para um jornalista? O mais correto, do ponto de vista intelectual, é falar abertamente sobre os investimentos que se faz. Sobretudo tendo em vista que no mundo financeiro muita gente ganha dinheiro graças ao ocultamento de informação ou ao uso de informação privilegiada. E a melhor forma é mostrar às pessoas que se está recomendando aquilo em que se está colocando o próprio dinheiro. Eu, como muita gente, estou indignado com o abuso dos clientes por parte das instituições financeiras e de financistas que aproveitam o acesso a meios técnicos ou simplesmente seus conhecimentos de ‘inside’ para obter vantagem. A melhor forma de contra-atacar é mostrar às pessoas que se pode fazer dinheiro sem enganar ninguém e sem ocultar informação. Além disso, é bom que, se alguém se põe a falar de finanças e investimentos, esteja disposto a correr os riscos de que a realidade ponha em evidências seus erros e acertos.

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