PUBLICIDADE

É preciso falar sobre roupas sem gênero para crianças

Rosa para elas, azul para eles? Não necessariamente. Especialistas defendem que o movimento da moda sem gênero é importante para a formação de uma geração mais livre, menos machista e sem preconceitos

Por Marília Marasciulo
Atualização:
Há pouco mais de um ano, em São Paulo, a jornalista Renata Gallo e a fisioterapeuta Telma Gagliardo criaram uma marca infantil unissex, a Roupa para Brincar, especializada em leggings coloridas e estampadas. Foto: Divulgação

Shiloh Jolie Pitt, 9 anos, teve sua vida registrada desde o nascimento por paparazzi e publicada em revistas, sites de fofoca e tabloides. Não bastasse ser filha de Angelina Jolie e Brad Pitt, a menina sempre chamou a atenção pelo visual. Cabelos loiros curtinhos, calças e shorts largos com bolsos nas laterais, camisetões, moletons com estampas de banda (AC/DC, por exemplo), tênis de skatista... Também já apareceu em premières ao lado dos pais de terninho e gravata, não tem furo na orelha e, assim, ajuda a levantar questões importantes. 1) Quando é hora de deixar a criança ter liberdade sobre o que quer vestir? 2) Tudo bem deixá-la livre de rótulos pré-definidos de gênero (meninas de rosa, lacinho e inspiração nas princesas da Disney; meninos de azul, chuteira e fantasias de super-heróis)? 3) Qual o impacto disso na formação dela?

PUBLICIDADE

Para os defensores do movimento da moda sem gênero, que aos poucos vem ganhando o universo infantil, as respostas são: 1) quando ela quiser, 2) sim e 3) o impacto é positivo. "A estruturação de gênero relacionada à moda começa no guarda-roupa infantil. As crianças não trazem o preconceito arraigado ainda, isso é algo construído nelas", afirma a historiadora Ivana Simili, que estuda a relação da moda com a educação infantil. "As que têm mais liberdade para se vestir, em geral, são educadas para estabelecer uma relação de ética e respeito ao próximo."

Algumas marcas já vêm investindo nesse mercado emergente. A recifense Another Place, por exemplo, transpôs o conceito minimalista e agender da coleção adulta para a linha kids, composta por batas, macacões e calças de cores neutras. Há pouco mais de um ano, em São Paulo, a jornalista Renata Gallo e a fisioterapeuta Telma Gagliardo criaram uma marca infantil unissex, a Roupa para Brincar, especializada em leggings coloridas e estampadas. "Nem todos os clientes aceitam bem pelo simples fato de serem leggings", conta Renata. "Ouvimos muito das mães: 'nossa, meu marido nunca deixaria meu filho usar.' É um bloqueio muito arcaico e, em casos assim, dificilmente a vontade da criança vai se sobrepor à decisão dos pais."

Para a filósofa Silvia Feola, blogueira do Estado, este é um dos motivos pelos quais o movimento de moda sem gênero é tão importante. "De certa forma, ele ajuda a abrir a cabeça dos pais, pois é uma maneira de encontrarem aprovação social para as diferenças", explica. Além disso, ela acredita que tendência ajuda também interfere na paridade de gêneros. "Os marcadores em geral estão no feminino: o lacinho, a futilidade. Talvez esse movimento possa ajudar a diminuir o machismo que começa já na infância", diz.

No Reino Unido, um novo código de vestimenta adotado pelas escolas públicas passou a permitir que meninas usem calças e meninos usem saias, ou que simplesmente vistam o que preferirem. "A ideia de eliminar a tradicional divisão entre 'meninos e meninas', a longo prazo, pode contribuir para diminuir e até erradicar o bullying e a homofobia nos ambientes escolares", escreveu Silvia sobre a iniciativa. E se o garoto resolver colocar um vestido e a garota não largar a fantasia de Superman? Eles podem ser gays? Impossível dizer.

"Há uma relação entre a roupa e a sexualidade, ela é a primeira manifestação visual de algo que pode vir a ser sexual", explica a historiadora Ivana. "Mas o mais importante é que a roupa é nosso primeiro contato com as outras pessoas. Sempre que olhamos para alguém e o julgamos, disparamos nossos preconceitos. É por isso que se limparmos nossa maneira de olhar para as roupas, mudamos também a forma de olhar para as pessoas."  

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.