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O fim do código de vestir no trabalho

Com polêmicas que envolvem regras sobre roupas e uniformes, a expressão pessoal começa a superar o desejo das empresas de criar uma identidade corporativa

Por Vanessa Friedman
Atualização:
Cena do seriado Mad Men Foto: Reprodução

Há alguns dias foi inaugurada uma exposição no Fashion Institute of Technology em Nova York. Intitulada “Uniformidade” a mostra tem 71 peças da coleção de uniformes do museu, dividida em quatro categorias: militares, de trabalho, escolares e esportivos.Há também um grupo seleto de looks influenciados por esses uniformes, como o vestido em malha com lantejoulas esportivo, de 1967, de Geoffrey Beene e o colete militar de 1998 idealizado por Rei Kawakubo, e a saia pregueada da Comme des Garçons. 

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“Estava interessada numa dicotomia inerente entre uniformes e moda”, disse Emma McClendon, curadora assistente da mostra. “Porque embora possam ser a antítese um do outro - o primeiro tem a ver com conformidade e o segundo com criatividade, ambos estão profundamente relacionados. É irônico”, disse ela.

Mas não tão irônico quanto o fato de a exposição revelar inúmeras disputas recentes que colocaram em destaque uma realidade de algum modo diferente, perturbadora. Vivemos um período em que a noção de uniforme está cada vez mais fora de moda, pelo menos no tocante aos códigos implícitos da vida pública e profissional. Na verdade, o museu pode ser o único lugar em que agora eles têm sentido.

Se outrora a personagem de Melanie Griffith em “Uma secretária do futuro” conseguiu manipular as suposições dos espectadores quanto ao seu emprego e o ambiente em que vivia simplesmente trocando as jaquetas de couro e os minivestidos por conjuntos bege, hoje isto seria impossível. “Estamos numa época muito nebulosa”, disse Emma McClendon.

A atriz Melanie Griffith em cena do filme "Uma secretária do futuro" Foto: Reprodução

Pouco antes da abertura da exposição, por exemplo, a Grã-Bretanha momentaneamente desviou sua atenção das discussões sobre o Brexit (saída do país da União Europeia) para se concentrar nas notícias segundo as quais Nicola Thorp, que trabalhava como recepcionista temporária, havia sido demitida das suas funções na PricewaterhouseCoopers por ter se recusado a usar sapatos de salto, como exigido pelo código de vestir da sua agência, a Portico.

Ela defendeu sua causa publicamente, dando entrada a uma petição no Parlamento para “proibir que qualquer empresa exija que as mulheres usem sapatos de salto no trabalho”. Na Inglaterra, se você obtêm mais de 100.000 assinaturas, o Parlamento debate o assunto, e na última semana de maio ela conseguiu 140.712 assinaturas.

Imediatamente, a rede de televisão ITV realizou uma pesquisa para saber se os empregadores podiam exigir que as mulheres usem sapatos de salto; a mídia social ficou em alvoroço; e a Portico anunciou mudanças em sua política: sapatos de salto baixo agora eram aceitos.

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Alguns dias depois eclodiu o caso da jovem do tempo na TV nos Estados Unidos, quando foi dado à apresentadora um suéter cinza para cobrir o minivestido que estava usando no momento da transmissão. Ela disse que foi uma brincadeira do seu colega, mas no Twitter foi considerado uma ofensa, uma tentativa de controlar o que uma mulher veste.

Tudo isso depois de grandes tumultos envolvendo o código de vestir, como o escândalo do UBS em 2010 quando foi descoberto pela Internet que o banco suíço havia publicado um manual de 44 páginas com diretrizes sobre o modo de vestir dos funcionários que incluía instruções sobre largura do ombro e cor da roupa de baixo.

Depois houve a confusão envolvendo o “sapato de salto baixo” em 2015, quando duas mulheres foram barradas do tapete vermelho em Cannes porque não estavam usando sapatos de salto. (O diretor do festival negou a notícia no Twitter).

Os uniformes de trabalho evoluíram por uma razão: eles preenchiam a necessidade de identificar seu lugar no mundo. Na foto, cena do seriado Mad Men Foto: Reprodução

No início deste ano, o senador Mitch Holmes, do Estado do Kansas, foi obrigado a pedir desculpas publicamente por ter incluindo nas normas para a Comissão de Eleições e Ética do Senado, que ele preside, uma regra para aqueles que ficam à frente do painel estadual: “Os conferencistas devem estar vestidos com roupa profissional. No caso das senhoras, decotes e minissaias são inapropriados”. Não havia regras específicas para os homens, o que não foi bem visto por muita gente.

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“Decidi retirar a regra” disse ele depois em comunicado, observando que “Meu erro em não especificar claramente que todos os conferencistas, independente de gênero, devem se apresentar profissionalmente, foi inaceitável”.

O cenário deve ter começado a melhorar um pouco nos anos 70 e mais ainda com o movimento Casual Friday dos anos 90 e o sucesso do Facebook em 2012 com seus bilionários usando gorro. Mas hoje a situação avançou em parte graças ao debate acalorado sobre gênero, igualdade e fluidez sexual.

“Verificou-se uma grande mudança mais recentemente”, disse Susan Scafidi, professor de Direito na Fordham University e fundador do Fashion Law Institute. Ela observou que em dezembro a Comissão de Direitos Humanos da Cidade de Nova York anunciou novas normas que expressamente proíbem “impor códigos de vestir, uniformes e padrões que estabeleçam requisitos diferentes com base em sexo ou gênero”.

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Como resultado, nenhum patrão pode exigir que seus funcionários usem gravatas, salvo se também o exigirem das mulheres, ou pedir que sejam usados sapatos de salto, salvo se ambos os sexos têm de usá-los. E embora isto se aplique apenas a códigos de vestir “oficiais”, o efeito cascata é inevitável.

Tudo isto criou uma tensão ainda mais forte em áreas mais ambíguas da roupa de trabalho, especialmente quando as fronteiras entre casa e trabalho estão cada vez mais apagadas. “Existe uma teoria segundo a qual um empregado representa uma companhia e assim o traje não tem a ver com expressão pessoal, mas expressão da companhia”, disse a professora Scafidi. “Mas há o argumento contrário: como nos identificamos muito com nossas carreiras, podemos ser nós próprios no trabalho”. Para Michael Golden, vice-chairman do The New York Times, “temos empregos que lidam diretamente com o cliente e temos aqueles que são principalmente internos. Pedimos aos funcionários para se vestirem de modo apropriado para as interações planejadas para seu dia”. Mas isto pode ter amplas interpretações. Na redação as pessoas aparecem de ternos e até de shorts; de tênis a Birkenstocks e saltos plataforma.

E como ficamos? Confusos, na maior parte. E tentando criar nossos próprios códigos ou examinando aqueles adotados pelo pessoal à nossa volta. Mark Zuckerberg, por exemplo, disse que usa a mesma camiseta cinza diariamente, e assim concentra sua energia em outras decisões.

Emma McClendon reconhece que tem tendência a vestir “tudo preto, quase todo dia, e formatos de escultura - o uniforme de museu”. A professora Scafidi disse que “meu uniforme de trabalho é uma jaqueta preta com um vestido tubinho justo e escarpins, e geralmente um broche com nosso logo - meu equivalente a armadura, armas e insígnia, respectivamente”. 

Na verdade, de acordo com McClendon, os uniformes evoluíram por uma razão: eles preenchiam a necessidade de identificar seu lugar no mundo. Pelo menos quando eram fáceis de compreender. E parte da ideia desta mostra foi “levar os visitantes a se disporem mentalmente a refletir sobre o uniforme de uma maneira mais ampla e sobre como ele tem impacto sobre nossa vida”.

“Estamos entrando em uma era em que a expressão pessoal vai superar o desejo de criar uma identidade corporativa”, disse a professora Scafidi. “É uma mudança enorme”. E já começou.

Tradução de Terezinha Martino

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