Os collants deslumbrantes das ginastas nos Jogos do Rio 2016

Com mais de cinco mil cristais, as peças da equipe americana chamam a atenção pelo luxo e brilho. Entenda por que isso é uma tendência - que conquistou também a equipe brasileira

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Por Vanessa Friedman
Atualização:
A ginasta americana Nastia Liukin (de rosa) venceu a medalha de ouro na competição individual em 2008, na Olimpíada de Pequim. Foto: Chang W. Lee/The New York Times

E então começa: a excitação das bandeiras abanando, os dentes cerrados de nervosismo, o brilho que cega. A Olimpíada. Calma aí... O brilho? Sim, claro. Porque se Simone Biles - a americana de 19 anos que frequentemente é reconhecida como a melhor ginasta feminina da atualidade - fizer o que todo mundo espera e termine com várias medalhas de ouro, é muito possível que, quando ela subir ao pódio, o brilho doas medalhas seja quase ofuscado por outro: o de seu collant.

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Ao longo dos anos, a quantidade de cristais nas roupas só aumentou - uma tendência que conquistou também a delegacão brasileira, cujas ginastas vêm fazendo bonito usando um maiô azul marinho com enfeitado com as pedras. 

Em 2008, quando Natsia Liukin ganhou a medalha de ouro na competição individual na Olimpíada de Pequim, seu collant tinha 184 cristais. Em 2012, quando Gabby Douglas alcançou o mesmo feito em Londres, seu collant tinha 1.188 cristais.

Neste ano, muitos dos collants do time americano vão ter mais ou menos cinco mil cristais Swarovski cada. "É difícil imaginar como conseguíriamos colocar mais cristais", disse Kelly McKeown, vice-presidente executiva de design e relações corporativas na GK Elite, responsável oficial pelos uniformes do time. 

O excesso de brilho entre as americanas se deve, em parte, a uma mulher: Martha Karolyi, coordenadora do time feminino desde 2001 que, junto com seu marido, Béla, teve grande influência na ginástica do país. Mas, assim como qualquer competição esportiva que envolve conquistas físicas inimagináveis de adolescentes que mal terminaram de crescer, também tem a ver com psicologia competitiva, estética adolescente, sacrifícios feitos por atletas de elite e tecnologia.

E isso importa porque a ginástica feminina é um dos esportes olímpicos mais vistos - quando o time feminino ganhou o ouro em Londres, a transmissão foi a mais vista na TV dos Estados Unidos em uma terça-feira à noite desde 2002, o que, não por acaso, foi durante a Olimpíada em Salt Lake City. Trata-se também um dos esportes mais influentes comercialmente.

Em academias de ginástica mundo afora, as meninas podem nunca se aproximar de um estádio olímpico, mas elas podem se vestir como suas heroínas deslumbrantes. E elas querem. O que significa dizer: com brilho. Mais brilho do que a Times Square na noite de ano novo. Como nós chegamos a esse ponto?  Como tudo começou   Há algum tempo, os collants eram simples. Originalmente chamados malhas e popularizados pela acrobata Jules Léotard (uma pioneira do trapézio) no fim de 1800, os collants só ficaram do jeito que conhecemos no século 20, embora com uma modelagem muito mais solta e utilitária.

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Donna Strauss, técnica do time Parkettes, de Allentown, Pensilvânia, que trabalha com ginastas do time nacional desde 1968, lembra que os collants eram simplesmente macacões pretos com mangas curtas. Em 1976, quando Nadia Comaneci ganhou uma medalha de ouro nas barras assimétricas com um 10 perfeito, ela estava vestindo um collant branco com três listras nos lados.

"Quando comecei na década de 1970, meu collant era de poliéster com um zíper na frente", diz Michelle Dusserre Farrel, que aos 15 anos se tornou o membro mais jovem do time americano de ginástica em 1984. "Foi só em 1980, quando passaram a ser feitos de Lycra, que eles pararam de ficar largos."

E foi só em 1984, com a explosão de Mary Lou Retton, que ganhou uma medalha de ouro na competição individual (além de outras quatro medalhas) usando um collant com a bandeira americana, que estampas gráficas viraram moda. Na época, Michelle falou: "Ele recebeu críticas bem mistas. Não foi sutil."

Quando os Karolyi assumiram o comando em 1988, as coisas realmente começaram a mudar. "Nós fomos de muito patriotas a muito chiques", disse Kelly, da GK Elite. "No início dos anos 1990, o time americano sempre usava branco, porque a Martha queria exibir o tanquinho delas", disse Kelly. Não muito depois disso, a técnica começou a gostar de roxo, rosa e vermelho. E aí veio o brilho.

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A ostentação nos collants começou na virada do milênio, com alguns cristais na gola ou distribuídos aleatoriamente na peça. Os cristais fazem a ginasta - uma garota pequena em uma arena gigante - se sobressair, realçando os movimentos já naturalmente impressionantes. Combinados a um tecido chamado Mystique, que usa camadas de alumínio e holograma com o spandex para criar ainda mais brilho, eles se tornaram ainda mais cintilantes, especialmente quando cristais preenchem as mangas e o restante da peça.

"Sempre foram Swarovski: eles têm o maior brilho e luz", afirma Kelly. "A Martha sempre quer 'mais brilho, mais brilho." Embora a televisão mostre os atletas de perto, eles podem ficar perdidos no meio da competição, e o brilho ajuda a distinguir cada menina. "Quando os juízes estão lá, cada coisinha importa", explica Samantha Peszek, membro do time olímpico de 2008 que atualmente trabalha como comentarista da cobertura da Olimpíada na NBC.

Os cristais também servem para enfatizar o aspecto estético de um esporte que tem focado cada vez mais em atletismo e truques - infelizmente, alguns argumentam. De certa forma, a sofisticação e o drama dos collants podem ser vistos como uma tentativa de corrigir um desequilíbrio entre poder artístico e físico: transmitindo a ideia de que embora o nível atlético diga uma coisa, o estilo ao se vestir diz outra.

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"O estádio olímpico é o maior palco de nossas vidas", diz Nastia Liukin, ginasta de 2008 e agora comentarista na NBC. Note a ênfase no "palco". Pode parecer reducionista comparar a ginástica artística a, digamos, uma arena em Las Vegas, mas a teoria por trás de cada um é efetivamente a mesma: use o brilho para aparecer. Embora outros times também tenham começado a ostentar, entre eles o brasileiro, nenhum deles alcançou o nível do americano, que fez disso a sua assinatura.  Brilhar, brilhar, brilhar   Uma das partes mais estranhas de entrevistar uma ginasta de elite é como uma conversa sobre os sacrifícios e dificuldades do esporte rapidamente muda para brilho. É uma palavra que surge sempre. "Obviamente, os brilhos não são um elemento para a pontuação", diz Samantha. "É uma parte bem importante do esporte. Pode parecer trivial, mas o que você veste realmente importa. Para algumas meninas, é o motivo para terem entrado no esporte."

A ginasta americana Gabby Douglas, que venceu a medalha de ouro na competição individual na Olimpíada de Londres. Foto: Chang W. Lee/The New York Times

Como as atletas e os técnicos destacam, ginastas de elite que começam a treinar seriamente muito cedo em geral não têm formatura de colegial ou outras festas tipicamente adolescentes, porque estão sempre na academia. Por isso, virou um clichê no esporte se referir ao collant da Olimpíada como o "vestido de formatura" das ginastas.

Elas não podem usar joias durante a competição, exceto por um par de brincos pequenos, então os cristais também servem como substitutos para os adornos tradicionais. "Nós somos atletas sérias, mas também amamos moda", diz Nastia. Aly Raisman, capitã do time americano em Londres e no Rio, é famosa entre suas colegas por seu interesse em estilo, especialmente roupas de festa.

Cada atleta recebe atualmente um pacote com oito collants de competição e 12 para treino. Eles são feitos sob medida, e se fossem vendidos no mercado custariam cerca de US$ 1.200 (muito mais do que vestidos de formatura). Embora Martha Karolyi tenha a palavra final na competição do time, cada ginasta pode escolher o próprio collant para as provas individuais.

Durante a Olimpíada de Londres em 2012, por exemplo, o time votou por vestir o Mystique vermelho, com estampas de cristal atravessando o corpo. "Foi como um vestido de formatura", afirma Nastia. Embora pareça que muitas pedras possam atrapalhar a performance, Kelly explica que o peso adicional é mínimo. A GK também fabrica collants "couture", com 15 mil cristais. "Com esses não dá para competir", explica.

Os cristais fazem a ginasta - uma garota pequena em uma arena gigante - se sobressair, realçando os movimentos já naturalmente impressionantes.

Enquanto isso, a Swarovski tem trabalhado para mudar o corte dos cristais para que eles pesem ainda menos. De acordo com Alexander Wellhoefer, vice-presidente sênior da Swarovski Professional na América do Norte, eles adaptaram o maquinário da indústria de chips para desenvolver novas técnicas de aplicações das pedras em padronagens mais complexas e precisas.

Neste outono, disse Wellhoefer, a Swarovski vai introduzir um novo cristal que é 50% mais leve. A questão agora é se nós alcançamos um ponto de saturamento de cristais quando se trata de competições, ou se ainda dá para ir mais longe. "Eu me pergunto isso a cada torneio", diz Kelly. "Nós estávamos fazendo uma prova com as meninas outro dia e todas dissemos, 'vocês imaginam como os collants vão ficar daqui a quatro anos, se continuarmos neste ritmo'?"

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Pode parecer, considerando a aposentadoria iminente de Martha, que nós estamos em um ponto de virada natural para a situação dos brilhos. Mas se as ginastas tiverem o desempenho esperado mesmo em modo totalmente brilhante, as chances são altas de que milhares de jovens fãs que assistem vão internalizar a conexão sem nem entender por que.

Afinal, quando questionada se alguma ginasta seria mais minimalista, Jordyn Wieber, membro do time que venceu uma medalha de ouro em 2012 e que agora gerencia o time, pensou por algum tempo. "Bem, acho que algumas meninas gostam de mais brilho do que outras", disse, sem muita certeza. Mas aí ela falou, mais decidida, "nunca conheci uma ginasta que não ama pedras brilhantes".

Tradução de Marília Marasciulo

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