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Parto domiciliar: evolução ou retrocesso?

Veja a opinião de quem defende e quem condena essa prática e entenda quem pode aderir ao parto domiciliar e como registrar o bebê nascido em casa

Por Ana Clara Barbosa
Atualização:
Ana Carolina Machado e o filho Francisco após o parto domiciliar Foto: Blog Mãe por natureza/ Divulgação

Ana Carolina Machado, autora do blog “Mãe por natureza”, descobriu que estava grávida e, de cara, já pensou no parto domiciliar. Segundo ela, esta era a opção mais condizente com sua vontade, já que queria sentir essa experiência.Ela e seu marido pesquisaram, foram atrás e perceberam que eles se enquadravam no perfil de quem adere a esse tipo de procedimento. “Existe uma série de pré-requisitos para que o parto possa ser em casa. Eu estava completamente segura, não tive nenhum tipo de medo. Minha gravidez foi totalmente saudável”, conta. Em sua primeira consulta com uma obstetra, no entanto, Ana já percebeu que a profissional não concordaria em realizar o procedimento desta maneira, então foi atrás de um médico que adotasse o parto humanizado.

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Para ela, a experiência foi incrível. Além de humanizado e em casa, seu parto foi feito na água, com a presença de uma obstetriz e uma doula. Ana acredita que o importante é a mulher ter sua vontade respeitada, no local em que ela se sentir segura, isso pode acontecer tanto em casa, quanto no hospital.“Se todas as condições estão favoráveis, ela tem direito a fazer essa escolha. A insegurança é a pior inimiga do parto”, afirma. A autora ainda enxerga a cesariana como uma cirurgia de médio porte, que tem riscos e que deve ser enquadrada nesta categoria. Para ela, o parto é algo do ser humano. “Nós fazemos parte da natureza, sabemos parir, se ninguém atrapalhar o parto, ele acontece naturalmente”, diz.A blogueira também frisa que não é contra o procedimento da cesariana em qualquer circunstância. “Eu não sou contra a cesárea, ela é uma técnica muito necessária, quando, de fato, ela é necessária”.

Ramy Arany, especialista em comportamento feminino, maternidade, relacionamento e carreira no Instituto KVT, acredita que “o parto domiciliar tem se tornado mais comum porque ele representa uma alternativa para as mulheres e casais que tem uma visão mais natural sobre o nascimento”. Segundo ela, superar medo e insegurança são essenciais para que o procedimento seja bem sucedido. Para isso, é importante que a mulher estabeleça uma conexão bem profunda com o bebê durante toda a gestação. O poder de escolha pode ser benéfico ao bebê, já que, segundo Arany, pesquisas comprovadas afirmam que a forma que a criança é recebida gera situações emocionais e também de saúde ao longo da existência desta criança.

De acordo com Ramy, a resistência ao parto domiciliar vem por causa de uma questão cultural. “Hoje, há uma ideia de que o parto é um ato médico. Desta forma, o parto deixou de ser algo pertencente à natureza da mulher e passou a ser da responsabilidade do médico e da medicina”, diz ela. Mas a especialista acredita que esse procedimento permanecerá enquanto existirem mulheres que acreditam que um nascimento natural traz benefícios tanto para elas quanto para seus filhos. “A ideia de oferecer ao seu filho o melhor que ela acredita, bem como querer ter o parto de forma natural fora do ambiente hospitalar, sem interferência medicamentosa, são os maiores fatores que impulsionam as mulheres a escolherem o parto domiciliar”, afirma

A doutora Sandra Akamine, ginecologista e obstetra da Clínica Samany, ressalta o poder de escolha da mulher. Os riscos, segundo ela, são os mesmos do parto hospitalar. “Situações imprevisíveis podem ocorrer impondo cuidados imediatos, intensivos e especializados”, diz. De acordo com a médica, é importante ter uma gestação de baixo risco, uma equipe que prestará assistência capacitada e treinada, planejamento do parto e disponibilidade de acesso rápido à maternidade em caso de necessidade. Akameni afirma que, segundo estudos realizados em países como Holanda ,Inglaterra e Canadá, o parto domiciliar representa uma alternativa segura para gestações de baixo risco sem aumento da possibilidade de complicações para mães e bebês. O local da casa deve ser escolhido pela gestante e não há necessidade de intervenções, nem de medicações para alívio da dor e aceleração das contrações. A infraestrutura é mínima, mas equipes de parto trazem consigo materiais para reanimação neonatal, anestésicos locais e medicamentos para hemorragia.

Apesar do aumento da procura pelo parto domiciliar, o Conselho Federal de Medicina desaprova essa prática Foto: Blog Mãe por natureza/ Divulgação

Apesar da visibilidade crescente deste tipo de procedimento, o Conselho Federal de Medicina desaprova o parto domiciliar. Segundo o conselheiro e obstetra José Hiran Gallo, essa prática não garante a segurança necessária para a mãe e para o feto. O médico acredita que a estrutura é fundamental para um parto bem-sucedido, o que é impossível de se ter em casa. "Caso ocorra alguma complicação, é necessário que a mãe esteja em um local que possa suprir as necessidades daquele momento, mas isso só é possível em uma clínica preparada para esse tipo de atendimento", diz. “Não podemos botar em risco a mãe e o feto. Lamentavelmente, é o que se vê hoje”, defende.

Gallo acredita que muitas mulheres têm optado por esse procedimento por não encontrarem a assistência necessária no serviço público. Com isso, elas buscam segurança na própria casa, que também não rende o conforto necessário. “A maior violência obstétrica que a mulher pode sofrer é ambiente inadequado, quando você não tem uma equipe bem preparada”, rebate o médico.Ele não relaciona o aumento dos partos domiciliares como uma resposta contra a cesariana, que é muito realizada em hospitais. Para ele, esse tipo de parto é a “arma do obstetra” e que, em alguns casos, a vida do bebê e da mãe são salvas por causa desse procedimento. “Não podemos vulgarizar a cesariana”, afirma o médico.

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Para o especialista, não existe um caso em que o parto domiciliar seja mais aceitável, mas, segundo ele, “em gravidez de risco, é totalmente abominável”. O médico frisa que o parto em casa só deve ser feita caso uma estrutura de hospital seja reproduzida, o que tem um custo muito alto. “Eu acredito que o parto domiciliar só traz risco para a paciente, já chega de colocar as mulheres em risco”, finaliza.

Parto domiciliar: Quem pode?

Com a visibilidade do parto domiciliar aumentando cada vez mais, surgem diversas dúvidas. Muitas mães têm curiosidade de saber o que é necessário para se realizar este tipo de procedimento, sendo que o essencial é bem simples: estar segura com a escolha e ter certeza de que a sua gravidez não apresenta nenhum risco. Ainda que o Conselho Federal de Medicina seja contra o parto domiciliar, muitas obstetras acreditam e recomendam que ele seja feito, quando esta é a vontade da mulher.

Francisco, que nasceu em casa e na água, e sua mãe Ana Carolina Foto: Blog Mãe por natureza/ Divulgação

Como registrar o bebê nascido em casa?

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O registo das crianças nascidas em partos domiciliares foi facilitado no Estado de São Paulo. A Arpen (Associação dos Registradores de Pessoas Naturais do Estado de São Paulo), indica que os pais compareçam ao cartório com o DNV (Declaração de Nascido Vivo), que é emitido com o profissional que atende o parto domiciliar e também com os documentos do pai e da mãe. São necessárias três vias do DNV, de acordo com o Ministério da Saúde.

1ª via: vai para a Secretaria Municipal de Saúde

2ª via: fica com o pai ou responsável legal para ser utilizada na obtenção da Certidão de Nascimento junto ao Cartório do Registro Civil, que reterá o documento

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3ª via: fica com o pai ou responsável legal para ser apresentada na primeira consulta em uma unidade de saúde

Se houver dúvidas na veracidade das informações, é recomendado que sejam solicitados apenas os exames do pré-natal ou a testemunha de duas pessoas. Fotos e vídeos não devem ser pedidos, como ocorria anteriormente.

O registro da criança deve ser feito até 15 dias após o parto, ainda de acordo com a Arpen-SP. No caso das crianças que nascem em hospitais, esse prazo é de 60 dias. Nos dois casos o registro é gratuito.

Caso não haja acompanhamento de um profissional – médico, enfermeiro ou parteira – cadastrado pelo Ministério da Saúde para emitir a declaração, o próprio cartório preenche o documento no momento do registro.

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