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Entenda por que governo brasileiro tem resistido a condenar ataque russo à Ucrânia

Demora para se posicionar tem motivação política e diplomática; fontes afirmam ser “mais provável” que o presidente dê aval ao endosso ao projeto de resolução que os EUA patrocinam no Conselho de Segurança da ONU

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Por Felipe Frazão
Atualização:

BRASÍLIA - Mesmo sob pressão ocidental, o governo brasileiro hesitou, por enquanto, em adotar um tom mais duro contra a Rússia, que invadiu a Ucrânia nesta quinta-feira, dia 24, depois de negar essa intenção, dando início a uma guerra no Leste Europeu. O presidente Jair Bolsonaro, que voltou de Moscou há poucos dias, silenciou sobre a invasão russa. A demora para se posicionar de maneira mais veemente tem motivação política e diplomática.

Fontes do Palácio do Planalto ouvidas pelo Estadão afirmam ser “mais provável” que o presidente Jair Bolsonaro dê aval ao endosso, logo mais, ao projeto de resolução que os Estados Unidos patrocinam no Conselho de Segurança das Nações Unidas. Diplomatas da cúpula do Itamaraty dizem que a posição brasileira ainda está sob análise e que não há definição por hora. Washington e Bruxelas cobram a adesão do Brasil.

Fontes ouvidas pelo "Estadão" afirmam ser “mais provável” que o presidentedê aval ao endosso, logo mais, ao projeto de resolução que os Estados Unidos patrocinam no Conselho de Segurança das Nações Unidas. Foto: Adriano Machado/Reuters - 11/2/2022

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Nessa resolução, haverá uma “condenação” expressa e veemente da ação militar russa. Países europeus no Conselho, como França e Inglaterra, vão apoiar o texto, enquanto a China deve se abster, segundo informes dos bastidores de Nova York que chegaram a Brasília.

Tanto no MRE quanto no Palácio, porém, pondera-se que a resolução terá mais função política, já que a Rússia é membro permanente do Conselho e o preside no momento. Basta qualquer manifestação contrária para que o texto seja vetado.

Segundo assessores do presidente, ele não deseja justamente uma manifestação mais dura contra a Rússia isoladamente, mas o Planalto vai apoiar resoluções em conjunto com outros países, em órgãos internacionais.

Na visita de Estado, Bolsonaro exaltou semelhanças com o presidente Vladimir Putin, bem visto por sua base de apoiadores de direita, e afirmou que se “solidarizava” com a Rússia. Nesse sentido, tem calculado suas ações e se contido até agora. Bolsonaro, por outro lado, não tem nenhum acesso ao presidente dos EUA, Joe Biden.

Por enquanto, a manifestação oficial do governo brasileiro foi uma nota do Ministério das Relações Exteriores. Fontes com conhecimento das conversas internas dizem que o governo busca se equilibrar entre diversos interesses nacionais e pressões externas.

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O comunicado do Itamaraty, publicado mais cedo, deixou de fora o termo “condenar”, usual na diplomacia para manifestações do tipo. Ainda assim, a chancelaria manifestou discordância ao citar que “acompanha com grave preocupação a deflagração de operações militares pela Federação da Rússia contra alvos no território da Ucrânia”. O Itamaraty disse que o Brasil “apela à suspensão imediata das hostilidades”.

Em um indício de que o Brasil pode assinar a resolução contra a Rússia, a nota também destaca que o País “permanece engajado nas discussões multilaterais com vistas a uma solução pacífica, em linha com a tradição diplomática brasileira e na defesa de soluções orientadas pela Carta das Nações Unidas e pelo direito internacional, sobretudo os princípios da não intervenção, da soberania e integridade territorial dos Estados e da solução pacífica das controvérsias”.

O Itamaraty sabe das pressões para que o Brasil se alinhe às potências do Ocidente, mas diplomatas afirmam que os movimentos devem ser calculados, uma vez que o País não tem a mesma relevância internacional e envolvimento direto que os países da OTAN, a aliança militar.

Um endurecimento do tom, porém, não está descartado. E é tido como provável mesmo, já que existe uma expectativa por parte dos diplomatas de que o confronto bélico se agrave nos próximos dias.

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Um dos ícones do conservadorismo no governo, o assessor internacional de Bolsonaro, Filipe Garcia Martins, defendeu no Twitter “economia de opinião” e que o governo se oriente pelo primado do direito internacional e “não pelas preferências políticas do momento”.

“O presidente e o Estado Brasileiro estão acompanhando a situação de perto e envolvidos na busca de soluções em linha com a tradição brasileira de defesa do primado do direito internacional, sobretudo os princípios da não intervenção, da soberania e da integridade territorial”, escreveu ele, alertando para uma guerra também de propaganda e para consequências negativas ao País. “Os impactos do que está acontecendo podem ser muito nocivos para o Brasil, afetando nossa vida cotidiana, através dos preços de combustíveis e de alimentos, e o poder relativo do Brasil como celeiro do mundo e potência de médio porte.”

O Estadão apurou que o Planalto teme, por exemplo, impactos no comércio de alimentos do Brasil com a Eurásia e a inflação interna. E não só com os combustíveis. Um auxiliar direto de Bolsonaro afirma que o “acordo para garantir a importação de fertilizantes para o Brasil também tem altas chances de ser descumprido”. Outro embaixador lembra da dependência desses produtos para o campo brasileiro, principalmente de Rússia e Belarus, cujo governo é aliado a Putin, de onde vem potássio.

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Diplomatas também ponderam que o Brasil mantém relações diversas com a Rússia, sobretudo no âmbito do BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul). E que nos próximos dias a rede consular deve ser reforçada para auxiliar na retirada de brasileiros da Ucrânia.

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