Como ancestral dos humanos conseguiu sobreviver a calor extremo do deserto há um milhão de anos

Novo trabalho científico revela que, ao contrário do que se imaginava, a adaptabilidade não é uma característica única do Homo sapiens

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Por Carl Zimmer (The New York Times)

Chimpanzés habitam apenas as florestas tropicais e terras úmidas da África. Orangotangos, somente as florestas da Indonésia. Os humanos, no entanto, vivem, basicamente, em qualquer lugar. Nossa espécie se espalhou pelas tundras congeladas, se instalou no alto de montanhas e chamou de lar vários outros ambientes extremos.

Historicamente, cientistas veem essa grande capacidade de adaptação como uma das principais características dos humanos modernos, um sinal do quanto nosso cérebro evoluiu. Mas um novo estudo sugere que talvez não sejamos tão especiais assim.

Crãnio de um Homo erectus que viveu há 1,8 milhões de anos foi encontrado em 2005 na Geórgia: novo estudo revela que espécie de hominídeo viveu em ambientes extremos Foto: Divulgação

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Os cientistas descobriram que, há um milhão de anos, uma extinta espécie de hominídeo chamada de Homo erectus viveu em uma região desértica considerada inabitada até o surgimento do Homo sapiens.

“É uma mudança significativa na narrativa da adaptabilidade, expandindo essa característica para além do Homo sapiens e incluindo alguns de seus parentes mais próximos”, afirmou Julio Mercader, arqueólogo da Universidade de Calgary, no Canadá, autor do estudo publicado na última quinta-feira, na “Communications Earth and Environment, do grupo Nature.

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Fosseis de nossos antepassados coletados ao longo de muitas décadas pareciam confirmar a teoria da adaptabilidade do Homo sapiens. Nossos ancestrais, chamados de hominídeos, se separaram de outros grandes primatas na África há cerca de seis milhões de anos e viveram por milhões de anos em florestas abertas. Aparentemente, eles não conseguiam se adaptar a ambientes extremos.

Mercader e seus colegas examinaram de perto os mais diversos ambientes da África Oriental, onde foram registradas as mais importantes descobertas de fósseis de hominídeos. Eles destacaram um sítio em especial, no norte da Tanzânia, chamado de Engaji Nanyor, onde paleoantropólogos já haviam encontrado fósseis de Homo erectus.

Acredita-se que o Homo erectus evoluiu há dois milhões de anos, na África. Foram os primeiros a alcançar a estatura do homem moderno e tinham as pernas compridas, apropriadas para correr. Seus cérebros também eram maiores do que os dos hominídeos mais antigos, ainda que alcançassem apenas dois terços do tamanho do nosso.

Quando o ambiente se tornou mais árido, um milhão de anos atrás, o Homo erectus respondeu aprimorando suas ferramentas, tornando as pontas mais afiadas. Foto: Durkin et al, Nature Communications 2025  Foto: Durkin et al, Nature Communications 2025

Em algum momento, o Homo erectus deixou a África, chegando até a Indonésia, onde acabou sendo extinto há 100 mil anos. Na África, suspeitam muitos cientistas, eles deram origem a nossa própria espécie nas últimas centenas de milhares de anos, antes de desaparecerem por lá também.

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Os especialistas se dedicaram a determinar exatamente em que tipo de ambiente o Homo erectus viveu um milhão de anos atrás, em Engaji Nanyor. Eles analisaram grãos de pólen fossilizados, a química das rochas e outras pistas deixadas na paisagem.

“São estudos que envolvem muito trabalho”, afirmou Elke Zeller, cientista climático da Universidade do Arizona que não participou da pesquisa.

Por centenas de milhares de anos, os pesquisadores concluíram, Engaji Nanyor abrigou uma confortável floresta aberta. Mas cerca de um milhão de anos atrás, o clima se tornou mais árido e as árvores desapareceram. A paisagem adquiriu características similares às do atual deserto de Mojave – um lugar extremamente seco, que parecia inóspito para os primeiros hominídeos.

“Os dados nos levam a uma questão fundamental: como o Homo erectus conseguiu sobreviver e mesmo florescer sob condições tão adversas?”, afirmou Mercader. “Em vez de deixar o local, ele descobriu um jeito de sobreviver naquele ambiente em mutação. Sua grande característica foi a adaptabilidade.”

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O trabalho mostra que eles alteraram a forma de buscar carcaças de animais para desossar, por exemplo. Os hominídeos descobriram os locais onde lagos e riachos se formavam depois das tempestades. E não só iam até esses lugares para beber água, mas também para caçar os animais que também apareciam por lá, desossando suas carcaças.

Uma outra forma de adaptação desses hominídeos foi em relação a suas ferramentas. As pontas de pedra de suas lanças passaram a ser trabalhadas de forma a ficarem mais afiadas. Em vez de pegar rochas em qualquer lugar, eles preferiam o material de determinados sítios e depois que faziam as ferramentas, as levavam com eles.

“Provavelmente, eles tinham estratégias do tipo “essa é uma boa ferramenta, vou carrega-la comigo e usar assim que encontrar comida”, explicou Paul Durkin, geólogo da Universidade de Manitoba, que também trabalhou no novo estudo.

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Durkin e seus colegas descobriram que Engaji Nanyor fazia parte da área mais externa do grande cinturão desértico que se estendia para fora da África, alcançado parte do Oriente Médio e da Ásia. É possível que a adaptabilidade do Homo erectus demonstrada em Engaji Nanyor tenha ajudado sua expansão para outros continentes.

A climatologista Elke Zeller, da Universidade do Arizona, que não participou desse estudo, trabalha desenvolvendo modelos climáticos para tentar determinar quais eram as condições climáticas ao longo de nossa evolução. Esses modelos, a semelhança do que sugere o novo estudo, revelam que o Homo erectus viveu em ambientes que antes eram considerados muito inóspitos para qualquer outra espécie além da nossa.

Estudos como os de Zeller e Mercader “começam a contar a mesma história”, nas palavras da cientista. “Definitivamente temos que olhar mais para trás no tempo para entender nossa adaptabilidade.”

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