O velho Geronimo quer casar o Conde Robinson com sua filha mais velha, Elisetta, mas o nobre ama mesmo Carolina, que ama Paolino, por quem, por sua vez, se apaixona Fidalma. A trama de O Matrimônio Secreto tem todas as idas e vindas características da ópera cômica. Ainda assim, a principal obra de Domenico Cimarosa, escrita no final do século 18, acabou soterrada em meio à fama de suas primas mais famosas, escritas por Gioachinno Rossini ou Gaetano Donizetti. “Mas é com ela que o gênero ganha em humor e ironia, deixa de ser rígido e se torna mais humano”, diz a maestrina italiana Valentina Peleggi.
Regente residente da Osesp, Valentina assina a direção musical de uma nova montagem da ópera, que estreia sexta, abrindo a temporada lírica do Teatro São Pedro. A direção cênica é de Caetano Vilela – e o elenco, composto pelas sopranos Caroline de Comi e Joyce Martins, o tenor Jean William, o barítono Michel de Souza, o baixo Pepes do Valle, a mezzo-soprano Ana Lucia Benedetti. O teatro apresenta ainda este ano Alcina, de Händel (com Luis Otávio Santos e William Pereira), Katia Kabanova, de Janácek (com André Heller-Lopes e Ira Levin), e Sonho de uma Noite de Verão, de Britten (por Jorge Takla e Claudio Cruz).
“Domenico Cimarosa era uma estrela em seu tempo”, lembra a maestrina. “Todo mundo conhecia o trabalho dele e suas óperas eram famosas nos estados italianos e em toda a Europa: Londres, Viena, São Petersburgo, Varsóvia. A czarina russa Catarina II o convidou para ser maestro de cappella e o imperador Leopoldo II lhe ofereceu um emprego no palácio imperial de Viena, com salário anual e um apartamento no próprio palácio.” A estreia de O Matrimônio Secreto, em 1792, foi um sucesso tamanho que a praticamente a ópera inteira precisou ser repetida na mesma noite, em seguida à primeira apresentação.
“O Matrimônio Secreto, na verdade, foi admirado por muitos artistas”, diz Valentina. “Stendhal escreveu que os primeiros dois duetos estavam entre os mais bonitos já escritos. Para Verdi, tratava-se da verdadeira comédia musical, com todos os elementos que uma ópera cômica deveria ter”. E os motivos para tanto estão, segundo ela, na liberdade que a partitura carrega. “Até aquele momento, a ópera trazia histórias e personagens estereotipados. A grande inovação de Cimarosa foi dar liberdade à construção das personagens. As árias permitem a descoberta de pessoas com sentimentos, e as cenas de conjunto ganham brio e ritmo”, ela explica.
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Caetano Vilela conta que evitou uma abordagem realista da história, tanto na movimentação cênica quanto na composição dos figurinos por Fause Haten, nos cenários de Duda Arruk e na caracterização de Edu von Gomes. “O que teremos no palco é uma grande caixa de presentes com os personagens embalados como se fossem uns bibelôs barrocos decalcados de uma história em quadrinhos”.
Para ele, foi importante mostrar ao público também o que não acontece normalmente sobre o palco. “Eu precisava resolver em primeiro lugar o espaço da última cena da ópera, que é um quiprocó de entradas e saídas de diferentes quartos de cada personagem à vista do público”, diz. “Era necessário criar ações paralelas em um segundo plano, nos quartos, para mostrar à plateia as intenções e motivações dos personagens quando eles estão fora de cena. Assim, os cantores ficam pouquíssimo tempo nas coxias e o público os acompanha como em um programa Big Brother”.
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